Para tentar atenuar a ‘instabilidade crônica que o Brasil vive’, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pretende colocar em debate a implantação do semipresidencialismo no país para as eleições de 2026. A medida já havia sido mencionada no passado pelo ex-presidente da República, Michel Temer, mas voltou a ganhar força em Brasília agora em meio à condução da crise sanitária sob a égide de Jair Bolsonaro, onde Lira se vê pressionado a desengavetar um dos mais de 100 pedidos de impeachment.
O pesquisador e doutor em sociologia, José Elias Domingos explica que o semipresidencialismo é bastante parecido com o sistema de governo parlamentarista e introduziria no Brasil a figura de um primeiro-ministro. A diferença é que no parlamentarismo, o presidente aparece como peça decorativa apenas representando o país em viagens internacionais e relações diplomáticas. Quem comanda o governo é o primeiro-ministro. No semipresidencialismo, o presidente tem algum poder de decisão, mas quem comanda o governo também é um premiê escolhido pelo Congresso Nacional.
“Nesse caso do semipresidencialismo a figura do primeiro-ministro entraria no sistema de governo e aumentaria o poder do Congresso porque quem nomearia o primeiro-ministro seria o Congresso Nacional. Mesmo que tenhamos um presidente eleito pelo voto direto, o regime político ficaria a cargo da chefia de governo relacionado ao primeiro ministro que seria nomeado pelo Congresso e esse primeiro ministro nomearia um Conselho de Ministros”, explica.
O modelo é pouco utilizado nas Américas e mais comum na Europa. A França e Portugal, por exemplo, conduzem seus sistemas de governo com o semipresidencialismo. O grande lance aqui, é que esse debate coloca em xeque a necessidade de questionar o chamado “presidencialismo de coalizão” que existe no Brasil, avalia Domingos. “Hoje, basicamente o executivo precisa barganhar constantemente com forças dentro do legislativo e não existe o poder de recall do presidente da República. Se o presidente da República se mostra incompetente politicamente, não é dever do Congresso Nacional substituí-lo, diferentemente do semi-presidencialismo onde o primeiro ministro pode ser substituído a mercê de um trabalho mal feito. É uma ideia de fortalecer o Congresso Nacional porque ele escolhe o primeiro ministro e esse primeiro ministro escolheria um Conselho de Ministro”, destaca.
Projeto importante não houvesse tantos ‘interesses escusos’
Domingos entende que o debate posto à mesa é uma pressão sobre o executivo para fortalecer grupos dentro do parlamento. “A gente sabe que o Congresso Nacional funciona sob bancadas muitas vezes tuteladas por interesses escusos”. Mas a ideia em si não é uma iniciativa interessante? O sociólogo avalia que sim, mas faz ressalvas. “desde que tivéssemos partidos bem consolidados, pouco fisiologismo partidário, baixo grau de clientelismo e personalismo político, aí nós poderíamos pensar que poderíamos ter a condição de adotar um parlamentarismo estilo Repúblicas consolidadas na Europa como Itália, Alemanha, Polônia, etc”, destaca.
No momento, Domingos defende que há no Brasil a necessidade de uma reforma, não no sistema de governo, mas em como os partidos são organizados. “Hoje eu vejo no Brasil essa discussão um pouco defasada, em detrimento do nosso próprio sistema político ainda ter muitos vícios principalmente: partidos fracos, congresso fisiológico, clientelismo político e personalismo na hora do eleitor depositar o voto na urna”, pondera.
Pressão sobre o Executivo
Em tese, avalia Domingos, não há “fundamentação política” para um possível impeachment do presidente da República, Jair Bolsonaro, afinal das contas, o “jogo precisa estar favorável para esse processo”. E após as deposições de Fernando Collor de Mello, em 1992 e Dilma Rousseff, em 2016, o Brasil “não aguentaria mais um processo de impeachment – em tese”, salienta.
“Isso não significa que o impeachment não seja interessante institucionalmente. Talvez o presidente da Câmara, Arthur Lira esteja jogando essa discussão sobre o semipresidencialismo ou o parlamentarismo com algumas pitadas de fortalecimento do poder executivo para justamente fazer pressão junto ao Executivo e junto a setores oposicionistas. Estão deixando bem claro a mensagem: O Congresso Nacional quer garantir a tutela sobre o fortalecimento do capital político das relações entre o executivo e o legislativo”, destaca o pesquisador. Daí, mais pressão ao governo de Jair Messias Bolsonaro.
Isso pode sobrar até para a próxima gestão, caso Jair Bolsonaro não consiga a reeleição. “O que eu estou percebendo é que o presidente da Câmara Arthur Lira, está jogando um pouco e deixando claro para a oposição que tem um capital político consolidado para poder eleger um candidato em substituição a esse da situação. As pesquisas mostram que Bolsonaro tem uma rejeição muito grande e os indicadores de aprovação dele vem caindo constantemente. Qual a ideia do presidente da Câmara? É mostrar para o atual governo que o Congresso Nacional está disposto a fazer qualquer coisa efetivamente para limitar os poderes do Executivo caso seja reeleito e por outro lado, para deixar evidente caso a oposição entre nas eleições do ano que vem, que no fundo isso será por tempo limitado que depois de quatro anos evidentemente teremos o chefe do governo sendo nomeado pelo Congresso Nacional e não pelo voto direto”, concluí.