02 de setembro de 2024
Publicado em • atualizado em 06/07/2020 às 18:54

O que é o fascismo contemporâneo? Em livro, ex-secretária norte-americana explica

Além de sua experiência acadêmica e diplomática, Madaleine Albright cresceu sobre a égide de governos fascistas.
Além de sua experiência acadêmica e diplomática, Madaleine Albright cresceu sobre a égide de governos fascistas.

Depois que as torcidas de times de futebol foram às lutas com seus movimentos antifascistas e o youtuber e empresário Felipe Neto fez um longo vídeo manifestando-se contra o presidente da República, Jair Bolsonaro e disparando que o Brasil está debaixo de um governo fascista o assunto tomou conta das redes de forma exaustiva. As buscas pelo termo no Google por exemplo, cresceram 1126% apenas na primeira semana de junh e desde então, nós que vivemos debaixo de duas pandemias: a do coronavírus e a da informação, fomos expostos à uma série de definições, versões e opiniões sobre “o que que é esta coisa que estão falando de fascismo e antifascismo na atualidade”. 

Madeleine Albright foi a primeira mulher a servir como secretária de Estado dos Estados Unidos. Nomeada por Bill Clinton, por 4 anos Albright esteve a frente da costura de relações diplomáticas delicadas. Foi a responsável pela primeira comitiva norte-americana a pisar na Coréia do Norte, em 2000. Tem uma biografia respeitada e admirada na terra do Tio Sam.

Em “Fascismo: um alerta”, Albright faz um apanhado de diversos líderes em todo o mundo que se chegaram ao poder pelo fascismo ou tornaram-se fascistas ao longo de seus governos. Seja no espectro à esquerda ou à direita, não poupa ninguém. Trata-se de uma ilusão pensar que o fascismo é uma característica ideológica que tem um lado apenas e qualquer ideologia governante pode pender ao fascismo. Ela apresenta algumas características na prática: o silenciamento de instituições e o ataque à imprensa, o ataque e supressão à direitos de minorias, como se “eles fossem mais privilegiados que nós”.

Só é fascista quem dá golpe?

Ao contrário do que se pensa dificilmente um fascista chega ao poder por conta de golpes. O fascismo começa de baixo para cima e elege, por meio do voto, um herói que “resolverá os problemas”. Albright explica que o populismo está arraigado de alguma forma nos políticos e que isso não os torna intolerantes.  “A maior parte dos movimentos políticos de importância significativa é populista em algum grau, mas isso não os torna fascistas nem mesmo intolerantes. Se procuram limitar a imigração ou expandi-la, criticar ou defender o islã, promover a paz ou causar agitação clamando por guerra, todos são democráticos desde que suas metas sejam perseguidas por meios democráticos.”, pontua.

Há uma delimitação mais notável:  “O que torna um movimento fascista não é a ideologia, mas a disposição de fazer tudo o que for necessário – inclusive lançar mão de força e atropelar os direitos dos outros – para obter a vitória e a obediência às ordens.”

Quando um candidato à algum cargo público infla seus discursos estimulando o eleitorado à violência, ignorando à ciência e também o trabalho da imprensa. Por exemplo, quando um candidato à presidência de qualquer país alimenta sua campanha com os dizeres: “Escolha seu lado”, taxando à imprensa como inimiga, como que colocando-as “do lado de lá” e em convenções e encontros com o eleitorado o combustível é aplicado chamando os jornalistas de de inimigos da nação. Talvez aqui tenhamos um bom recado de uma forma de fascismo que está sendo posta à mesa. 

Onde começa o fascismo

Um livro necessário para entender características contemporâneas do fascismo

Madeleine lembra que “raramente o fascismo faz uma entrada triunfal”. “No geral, começa com um personagem de aparência menor – Mussolini em um porão lotado, Hitler em uma esquina – que só toma as rédeas à medida que acontecimentos dramáticos se desdobram. A história avança quando se apresenta a oportunidade para agir e os fascistas estão preparados para atacar por conta própria. É nesse momento que as pequenas agressões, se não forem contestadas, tornam-se maiores, o questionável torna-se aceitável e as vozes contrárias são silenciadas”, alerta.

Daí começam a silenciar instituições maiores e fortalecidas. “O governo que silencia uma fonte de notícias encontra mais facilidade para abafar a voz de outra. O parlamento que torna um partido político ilegal tem um precedente para fazer o mesmo com outro. A maioria que retira direitos de uma minoria em particular não para por aí. A força de segurança que espanca manifestantes sem consequências não hesita em fazê-lo de novo, e quando a repressão ajuda um ditador no país A a ampliar seu poder, o governo do país B segue caminho paralelo”, explica.

Ao longo do livro Madeleine nos mostra acontecimentos em outros lugares do mundo e as frases são muito parecidas com o que vivemos hoje: Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria, desde 2010. Recep Tayyip Erdoğan, primeiro-ministro também parece querer se perpetuar no poder até 2030. Detalhe: desde 2003 alterna entre a presidência e o cargo de primeiro ministro do país turco. Albright nos apresenta a situação política de diversos países de modo claro e dinâmico. 

Madeleine passou seus primeiros anos de vida embaixo de governos fascistas

É interessante e necessário observar o alerta que Madeleine faz, não só pela sua experiência na política diplomática norte-americana mas por toda sua biografia. Nascida na Tchecoslováquia, seus pais sofreram na mão dos nazistas e fugiram para a Inglaterra de rompante. Era isso ou a morte. Os anos do nazismo se passaram e sua família retorna para uma Tchecoslováquia buscando os retalhos da democracia, quando 5 anos depois, os comunistas passam a ocupar o território tcheco. O caminho não foi outro a não ser mudarem-se para os Estados Unidos.

Sua experiência acadêmica e diplomática não devem ser ignoradas. No mundo em que a polarização cresce, ameaças ao Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional aqui no Brasil parecem são cada vez mais exponenciais, seu alerta nunca foi tão importante. Um livro que merece ser lido.

Domingos Ketelbey

Jornalista e editor do Diário de Goiás. Escreve sobre tudo e também sobre mobilidade urbana, cultura e política. Apaixonado por jornalismo literário, cafés e conversas de botequim.