No dia-a-dia do trabalhador que utiliza o transporte coletivo goianiense para se deslocar para o trabalho, conforto talvez não seja a palavra mais acertada. Ao contrário, “pastores, fiéis, idosos e estudantes” disputam espaço dentro dos ônibus. Na “espinha dorsal do transporte de massa”, o Eixo Anhanguera, os ambulantes tentam vender como podem, suas quinquilharias para sobreviver. “Oi, oi, oi, oito pilhas um real”.
Esse cenário é muito comum não apenas para os passageiros do transporte coletivo, mas também para a Monster Bus que há pouco mais de 12 anos transformou o trajeto peculiar de “14 mil metros” do Eixo Anhanguera em música. Rock pesado. Heavy Metal. Monster Bus, um heavy metal sobre o Eixão, virou sucesso meteórico em território goianiense e chegou a ganhar prêmio levando o IV Festcine Goiânia como melhor vídeo-clipe caseiro.
O contexto metropolitano de Goiânia serviu de pano de fundo para mais outras duas músicas que formam a “trilogia do trânsito”. O tempo passou e Waller, Moyz, CZ e Flávio amadureceram. Após um hiato a banda voltou no começo de 2018 com ensaios e novas composições. A cidade também é assunto das letras, mas o contexto “metafísico da sociedade”, como define o baixista Waller, está inserido.
Pudera, na última semana de 2020, lançaram o videoclipe de “A Máquina do Mal” que fala sobre a raiva e o ódio que a sociedade tem vivenciado em tempos de polarização política. “Em Máquina do Mal, o que é a Máquina do Mal? Vivemos numa sociedade com polarização, gabinete do ódio, todo mundo xingando todo o mundo… A letra não é sobre a cidade, mas tem uma questão metafísica em torno dela que tem a ver com o momento que estamos vivendo”, destaca Waller.
Monster Bus, um heavy metal sobre o Eixão
Uma das características que tornam a Monster Bus mais interessante é que a banda canta sobre o cotidiano da cidade. O transporte coletivo, por exemplo, é o protagonista da grande obra do grupo. Outro fator é o heavy metal. Os riffs pesados da guitarra, a bateria acelerada e o vocal agressivo com aquele refrão chiclete que você ouve uma vez e guarda para sempre na memória. Junte tudo isso e acrescente que as músicas são cantadas em português.
Mas “o heavy metal do eixão” quase não virou música. A ideia de Waller, um dos compositores da música, era fazer um documentário. “Ele chegou com 4 horas de gravações em vídeos e um livro de pesquisa sobre o Eixo Anhanguera num ensaio”, relembram CZ, o vocalista e Moyz, o guitarrista.
Moyz foi quem deu a ideia de comprimir todas as imagens em uma música que se tornaria videoclipe. A música dá contornos inclusive para o início da banda. “A ideia na verdade do Monster Bus surge quando o Waller fala que queria fazer um documentário sobre o Eixo Anhanguera. E aí ele tinha um montante de quatro horas de imagens e eu falei ‘puts, cara. pra fazer uma trilha sonora para esse documentário a gente vai precisar de umas oito músicas que é praticamente um álbum e aí eu sugeri a gente fazer um videoclipe. Fazemos uma música e reduz essas quatro horas em quatro minutos e a gente ‘espreme’ isso dessa forma”, relembra.
O resultado da música e do clipe foi um sucesso com direito à premiação. E falar sobre o cotidiano de cada um e das vivências que tinham no dia-a-dia dentro dos ônibus fez com que a banda conseguisse traduzir muito bem no ritmo pesado do heavy metal.
“Tudo que se remete ao transporte público é algo que mexe com as pessoas. E a gente nem tinha pretensão de atingir tão forte como foi atingido e a gente viveu o Eixo Anhanguera. Eu particularmente, andei muito de Eixo Anhanguera, eu saía do Vera Cruz, morava lá e ia parar no Senador Canedo. Tudo aquilo ali fez parte do nosso cotidiano. Temos muita facilidade para falar de coisas que vivemos e vivenciamos e é uma característica bem marcante da banda”, define CZ.
Se queres ser universal, pinta e descreve sua aldeia
Alguns pintam, outros escrevem, mas alguns procuram cantar ao descrever sobre o lugar onde vivem. Foi o caso da Monster Bus. E para falar de Goiânia por meio da música, não fazia o menor sentido que isso fosse feito em inglês, como a maioria das bandas de heavy metal – mesmo as brasileiras – optam.
“Essa frase é creditada ao Tolstói, ‘se queres ser universal, pinta e descreve sua vila’, a ideia sempre foi essa. A única coisa que a gente conhece de fato é Goiânia, então a gente quis escrever Goiânia. Na época, me chamou demais a atenção. O Eixão é de 98 e quando a música foi feita o Eixão tinha mais ou menos 10 anos. O Eixão é um marco na urbanização de Goiânia é o atestado de que Goiânia virou uma metrópole e as pessoas gostam de se ver, a gente fez o negócio e as pessoas se reconheciam com aquilo. Achavam divertido e engraçado. Ai deu certo, vamos continuar nessa cena. A trilogia do trânsito vem daí. As três músicas amarramos no transporte público e na mobilidade urbana”, descreve Waller.
De fato, CZ rememora sobre as peculiaridades em torno da música. “Tinha algo peculiar sobre essa letra da música, Monster Bus, ela na realidade, parecia muito mais um conto. O Waller chegou com essa letra para nós, a gente nem tinha pretensão de ser uma banda de rock”, descreve.
Retomada, novas músicas e… show no Eixão!
A Monster Bus teve um período produtivo de composições entre 2008 e 2013 mas após isso entrou em um intervalo. No começo de 2018, CZ e Waller decidiram retomar os trabalhos em torno de novas produções. A volta foi gradativa: inicialmente com covers de outras músicas e pouco-a-pouco novas composições surgindo.
“A gente sempre teve contato, por mais pequeno que seja, mas a gente sempre tava conversando e acompanhando a vida de cada um e há uns dois anos atrás. Eu e o Waller e mais um outro amigo, o Ricardo, decidimos retomar os trabalhos da banda. Foi bem antes da instauração da pandemia, a gente já tava trabalhando tentando produzir algumas coisas e ficamos um ano e meio batendo cabeça até a gente chegar nessa formação que hoje está aí, que é praticamente é a formação praticamente original da banda”, destaca CZ.
Nessa retomada, com ensaios e músicas novas, surgiram convites para apresentações em espaços públicos. “Fizemos alguns shows, a gente traz aqui com bastante relevância um show bem bacana na Praça Cívica no final do ano passado num evento da OVG que foi um grande marco recente na nossa carreira. Fizemos também shows no Bolshoi”.
Mas para além disso, foram parar no Eixão. É que em setembro de 2019 a banda tocou em dois terminais de ônibus da Região Metropolitana de Goiânia: o Cruzeiro e o Padre Pelágio, que é uma das estações que compõem o Eixo Anhanguera.
A retomada da banda se dá num contexto desafiador para a banda: o cenário metal em Goiânia não anda lá dos melhores. A cidade foi tomada por uma onda de grupos que só tocam covers de outros grupos e as casas de shows na maioria das vezes, escolhem essas bandas para tocar. A “cena underground” que um dia já lotou DCE’s, hoje não encanta mais tanto assim os jovens. A pandemia, veio para golpear muito mais as bandas.
O baterista Flávio acredita, no entanto, que a Monster Bus pode se tornar um elemento motivador para que outros grupos surjam com o passar do tempo, fortalecendo o cenário. “O nosso cenário, querendo ou não, deu uma pequena enfraquecida, bandas como a Monster Bus e tem outras que estão correndo atrás você quase não vê por conta das dificuldades de conseguir gravar algumas coisas. Tem que correr com recursos próprios. A Monster Bus está numa luta que é sensacional e está fazendo parte cada vez mais do fortalecimento do nosso cenário do heavy metal, que eu vejo que está enfraquecido e a Monster Bus tem buscado fortalecer esse cenário.”
Mas o futuro é promissor para a banda. Ao menos, os membros estão animados. Recentemente, lançaram um EP com cinco músicas, sem perder a pegada urbana: O Homem da Mala, faixa título, tem no videoclipe um dos principais corredores de trânsito de Goiânia: a Avenida 85. A obra conta com outras três músicas: A Lei da Estrada, A Casa Caiu e Máquina do Mal, que teve um projeto audiovisual lançado recentemente. Estamos com muitos projetos para o ano que vem, estamos até brincando dizendo que precisamos nos organizar porque queremos fazer tanta coisa e eu tenho certeza que a gente conseguiu encontrar nosso caminho ao longo desse período.
Veja a entrevista completa na íntegra: