23 de novembro de 2024
Publicado em • atualizado em 04/03/2021 às 19:49

Bolsonaro contesta discurso de isolamento social adotado por governadores: “Vão ficar chorando até quando?”

O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) não fez menção aos 1.910 óbitos registrados ontem (03/03) por conta Covid-19 apesar de num contexto geral, dizer que ‘lamenta as mortes’, mas muito além disso, seu discurso durante inauguração de trecho da Ferrovia Norte-Sul, na cidade de São Simão, em Goiás nesta quinta-feira (04/03) não seria seu de fato caso não houvessem críticas ao PT, à imprensa e também de forma tácita e indireta, aos governadores e prefeitos que tem adotado medidas de restrição numa tentativa de conter a segunda do coronavírus no país. 

“Nós temos de enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar nossos problemas”. A contestação acaba sendo uma indireta ao governador de Goiás e um dos seus principais aliados, Ronaldo Caiado (DEM). “Não adianta ir para debaixo da cama. Lamentamos as mortes, mas temos que conviver e vencer. O Brasil é um dos países que mais vacinam no mundo. Não tem que falar de mim, falam agora que sou negacionista. Não tem o que falar. O nosso governo está indo muito bem”, completou Bolsonaro, esquecendo-se que o país deve hoje (04/03) ultrapassar a marca de 260 mil mortos desde o início da pandemia.

O distanciamento social e até formas mais restritivas como o lockdown são ferramentas dolorosas. Ninguém gosta de ficar em casa o tempo todo, tampouco o lojista quer ver seu estabelecimento fechado. Mas quando se vê um vírus com alta capacidade transmissora, saindo por aí, enchendo os leitos de enfermaria dos hospitais públicos e privados e sem uma vacina acessível à todos, as opções não parecem ser muito confortáveis. Países europeus apelaram para tentar conter o avanço do coronavírus na primeira e segunda onda. O Reino Unido, que abriu e fechou várias vezes, agora passa a enxergar dias melhores com o avanço do processo de imunização.

Não parece o caso do Brasil. Com quase 4% da população vacina, o país vê uma alta vertiginosa nos casos, com diversos estados beirando 100% na ocupação dos leitos de UTI, uma das poucas ferramentas às mãos dos mandatários são tais medidas restritivas como os que estão em vigência em vários municípios de Goiás, tais quais Goiânia, Aparecida e cidades da região metropolitana. E nesse contexto, a declaração de Bolsonaro foi um tapa um tanto desconfortável em Caiado, que tem endossado os decretos, cedendo a sede do seu governo para as negociações e devidos anúncios. 

Mas há quem sequer se preocupe com o básico. Em São Simão, Bolsonaro, mesmo longe do microfone, não utilizava máscara. Fora do palanque e em contato direto com os apoiadores reiterava que sua condução da crise era exemplar. Também não estava paramentado com a proteção facial, uma das únicas ferramentas eficazes para evitar a propagação do coronavírus. Deu no The New York Times na semana passada: “Enquanto o Brasil enfrenta mortes recorde de Covid-19, um aumento repentino alimentado por uma variante e vacinações lentas, Bolsonaro menospreza as máscaras.”

O Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos revela que o uso de máscaras, mesmo que de pano se bem ajustáveis no rosto, pode minimizar em 80% o contágio do coronavírus e, se você utilizar a de pano e outra cirúrgica, até 95%. Não bastasse o jornal norte-americano, também somos manchete na Inglaterra. O The Financial Times revela que a variante manauara do coronavírus é mais transmissível e agressiva que as outras existentes até então.

E o PT? E a imprensa?

Retornando ao discurso do presidente, ele não teria sido completo se não tivesse o Partido dos Trabalhadores no meio. “Imagine vocês se o PT tivesse ganho as eleições. Em falar desse partido do mal, há dois anos vocês não ouvem falar em MST (Movimento Sem Terra). Porque? Fizemos a nossa parte, acabei com dinheiro de ONG para eles”, disse o presidente, com a afirmação de que, atualmente, “não há mais invasão do MST” no País.

Não faltou críticas também aos veículos de comunicação. “Que imprensa é essa nossa, que transformou-se num partideco político, de esquerda? Há dez anos, só o jornal Estado de São Paulo tinha 500 mil exemplares. Hoje os dez maiores jornais não têm 500 mil exemplares. Estão perdendo a credibilidade e eu quero uma imprensa forte, uma imprensa cada vez mais livre. Nunca ouviram falar em controle social da mídia ou democratização da mesma, que são palavras bonitas da esquerda, para fazer exatamente o contrário. Como eu sonho como uma imprensa que fala a verdade”.

 

Domingos Ketelbey

Jornalista e editor do Diário de Goiás. Escreve sobre tudo e também sobre mobilidade urbana, cultura e política. Apaixonado por jornalismo literário, cafés e conversas de botequim.