02 de setembro de 2024
Publicado em • atualizado em 10/07/2020 às 12:01

Em 2009, no ápice de uma pandemia e com portões abertos a bola rolou na final de uma Libertadores

Em 2009, Estudiantes e Cruzeiro protagonizaram uma final de Libertadores em meio a uma pandemia
Em 2009, Estudiantes e Cruzeiro protagonizaram uma final de Libertadores em meio a uma pandemia

Não se fala em outra coisa para quem acompanha esportes e futebol sobre o retorno do calendário futebolístico em 2020. Nesta quinta-feira (09/07), a CBF anunciou a tabela de jogos do Brasileirão começando já no próximo mês de agosto. No Rio de Janeiro, os jogos já estão rolando com a fase final dos Estaduais. Enquanto os campeonatos europeus e a Fórmula 1 por exemplo, estão fechando seus palcos para os públicos, o prefeito carioca Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) chegou até a emitir um decreto que o Rio poderia receber público em seus estádios a partir de hoje. A Federação do Rio de Janeiro, já anunciou que os próximos dois jogos das finais serão realizados com portões fechados.

O Rio de Janeiro pode ser considerado com um dos epicentros do vírus aqui no Brasil. São mais de 11 mil mortes registradas nesta data e 128.324 casos confirmados. O cenário seria desalentador para qualquer pessoa em sã consciência, mas para as autoridades cariocas, talvez “seja ok” todo essa cena. 

Eu estava falando com meu amigo e parceiro na criação do Esquina Futebol Clube, o Múcio Bonifácio que esse cenário todo não era nenhuma novidade. Ele veio com uma lembrança muito pertinente: não se trata de nenhuma novidade tudo que estamos vivenciando. Inclusive escreveu isso em nosso projeto (vocês podem ler o texto na íntegra. Corram pro Instagram e nos acompanhem). 

A final da Copa Libertadores de 2009 marcava o encontro entre dois campeões continentais. De um lado o Cruzeiro. Do outro, o Estudiantes de La Plata. Apesar da tradição das equipes e dos ídolos de uma geração de torcedores (Fábio e Verón, respectivamente) que buscavam escrever seus nomes na história, essa final ficou marcada pela imprudência: mesmo com o recente surto da gripe A (H1N1) na Argentina, o jogo de ida foi confirmado – e com portões abertos.⁣

Torcedores cruzeirenses utilizam máscara para evitar o contágio da H1N1, na Argentina (Foto: GazetaPress)

O status de “pandemia em curso” foi declarado pela OMS em junho de 2009, pouquíssimo tempo antes da grande final continental. Vale lembrar que os primeiros casos da gripe A (ou “gripe suína”) ocorreram no México e logo se espalharam pela América do Sul. ⁣

No final daquele mês de junho, início do inverno, a Argentina conviveu com um surto da doença. Na semana da primeira partida da final, o país registrava o maior número de novos casos no mundo.⁣

Ao mesmo tempo, os bastidores da final se agitavam. O então presidente do Cruzeiro, Zezé Perrela (ele mesmo, “Fala Zezé! Bom dia”), chegou a abrir mão de seu mando de campo para que os dois jogos pudessem ser disputados em um país neutro. Os dirigentes do clube mineiro tentaram envolver autoridades brasileiras nas áreas do esporte e da saúde, na esperança de conseguir uma alternativa que evitasse enfrentar os argentinos na casa deles, por causa das notícias vindas do país vizinho. A preocupação cruzeirense chegou a ser destaque na imprensa argentina. A proposta foi recusada pelo Estudiantes, que fazia questão de exercer o seu mando de campo no novíssimo Estádio Único de La Plata.⁣

O goleiro e capitão daquela equipe Fábio, não escondeu a apreensão dos cruzeirenses à época: “Os jogadores ficam apreensivos, com a epidemia, principalmente na Argentina, já que os focos são muitos. Mas a diretoria nos passou todas as informações. O clube está fazendo de tudo para que a gente tenha um mínimo de contato possível fora do hotel” disse em entrevista coletiva. 

Apesar dos protestos, a partida foi confirmada. Uma operação de guerra foi montada pela equipe cruzeirense: em voo fretado, a delegação chegou a Buenos Aires na noite anterior à peleja e se isolou em um andar do hotel até o horário de saída para o estádio – tudo com muito álcool em gel.⁣

⁣No final, o empate sem gols frustrou as 36 MIL PESSOAS que se aglomeraram no estádio naquela fria noite em La Plata. O destaque mesmo foi a quantidade de pessoas usando máscaras nas arquibancadas – cena bastante incomum. O assunto foi repercutido nos jornais argentinos após a partida. Uma semana depois, o Estudiantes seria tetracampeão da América após épica virada no Mineirão: um amargo 2×1 que os cruzeirenses até hoje lamentam. O resultado deu ainda mais força a um Alejandro Sabella, treinador do time de La Plata, condicionando há dois anos depois assumir a seleção argentina e leva-la ao melhor desempenho em Copas do Mundo após a “era Maradona”, ficando com o vice-campeonato em 2014.

Torcedora do Estudiantes protegida contra H1N1. “Anti gripe “B”, escrevia em sua máscara. (Foto: Redes Sociais)

⁣Bem, as estatísticas da gripe A (H1N1) nem de perto se comparam às da Covid-19. A imprudência dos dirigentes, no entanto, continua desconhecendo cifras ou respeitando vidas.⁣ A imprudência não é de hoje…

Domingos Ketelbey é jornalista, assessor de imprensa e pai recém-nascido. Falo sobre futebol, música, cultura popular e um pouco de política.

Domingos Ketelbey

Jornalista e editor do Diário de Goiás. Escreve sobre tudo e também sobre mobilidade urbana, cultura e política. Apaixonado por jornalismo literário, cafés e conversas de botequim.