23 de dezembro de 2024
Publicado em • atualizado em 21/03/2021 às 19:49

As redes sociais se tornaram um obituário da Covid-19

Abrir as redes sociais e não se deparar com alguma notícia trágica em torno da Covid-19 tem sido raro nos últimos dias
Abrir as redes sociais e não se deparar com alguma notícia trágica em torno da Covid-19 tem sido raro nos últimos dias

Abrir o Facebook ou Instagram nos dias atuais é um desgastante exercício de manutenção da sanidade mental. Há pouco tempo, as redes sociais eram um misto de alegria fantasiosa com glamourização das invejas. Hoje, é deparar com mensagens de luto, tristeza e dor, em sua grande maioria pela Covid-19.

Neste domingo (21) abri o Instagram e pude contar pelo menos cinco pessoas próximas escrevendo textos de despedida pela morte de algum familiar ou amigo. Alguns dias atrás, fui eu quem fiz o mesmo ao lamentar a morte de um ex-colega de trabalho. Seu Adolfo era de um humor peculiar que só quem o conheceu viu igual. Deixou a esposa, dois filhos e uma neta. Antes, víamos pessoas públicas partirem. Alguns comentários distantes de algum conhecido que se foi pela Covid-19. Agora, ela está aí, cada vez mais próxima a nós.

Trabalhar num jornal é ainda mais complicado. Certas pessoas insistem que nós, jornalistas, gostamos da tragédia. “Dá dinheiro, visualizações. Quanto pior, melhor”. Essas argumentações me dão vontade de sair por aí procurando uma parede para bater minha testa. Nós, jornalistas, não gostamos de apurar que não há leitos de UTI disponíveis e que as filas de espera estão ficando cada vez maiores, mas essa é a realidade. Corta o coração de qualquer repórter contar a história de alguém que morreu, por conta da desinformação ou alguma notícia falsa e fora de contexto sobre a pandemia. Destrói noticiar qualquer morte. 

A jornalista da Record TV, Sylvie Alves, que apresenta o Balanço Geral, não aguentou ao ver um filho tocando violino à beira da cova da mãe, que estava sendo enterrada pela Covid-19. “Meu deus eu não dou conta. Me perdoa… A imagem é tudo, né? Não precisamos falar em cima da emoção das pessoas. A gente sabe o quanto todo mundo está sofrendo neste momento… É muito difícil… As pessoas acham que a gente é de ferro. Mas a gente não é…”, disse em meio às lágrimas a jornalista. “Eu não aguento mais ver gente pedindo UTI pra gente. Quem sou eu? Quem é o Oloares? Quem são os apresentadores? A gente não consegue gente…”.

Fato. Nós não somos de ferro. São mães, pais, filhos… Idosos, adultos que se tornaram pais há pouco… Parece não existir grupo de risco com as novas variantes. Se abrir as redes sociais, ler e ver jornais tem sido um profundo exercício de sanidade mental para os leitores e usuários das plataformas, o que dizer de quem está produzindo, editando, apurando, contando histórias por trás de tantos números: que não param de subir… Que parecem não acabar… 

Pelos comentários nas redes sociais, parece que os jornalistas são os grandes patrocinadores do caos. Como se tivéssemos ao nosso alcance a possibilidade de negociar vacinas e estabelecer medidas preventivas eficazes à Covid-19. 


Fechar nossas contas nas redes sociais poderia ser um alento, pelo menos nesses tempos, mas não vão resolver o problema: a pandemia está aí e enquanto não conseguirmos controlá-la de forma efetiva, continuaremos nessa sina de inserir esses depoimentos e notícias em nossas rotinas. Com ou sem imprensa noticiando os números, com ou sem as redes sociais para prestarmos nossos solidários desabafos.

Domingos Ketelbey

Jornalista e editor do Diário de Goiás. Escreve sobre tudo e também sobre mobilidade urbana, cultura e política. Apaixonado por jornalismo literário, cafés e conversas de botequim.