Enquanto o Brasil desenvolveu uma política industrial muito baseada em subsídios, outros países da América Latina, como México, Colômbia, Chile e Peru, trilharam o extremo oposto, ao tentar evitar concessões setoriais.
O sucesso não foi obtido por nenhum dos dois lados, diz o ex-ministro da Produção peruano, Piero Guezzi.
Ghezzi reconhece que os escândalos na região –incluindo no Peru, cujo presidente enfrentou um impeachment–, sinalizam que é preciso mudar o jeito de fazer política industrial. “A relação entre governo e empresa não pode ser muito distante, para não faltar comunicação, nem muito próxima, de modo que haja corrupção”, diz.
A corrupção, afirma, reduz a confiança das pessoas na política e coloca os países da região sob o risco de serem governados por ‘outsiders’ [pessoas de fora da política].
Pergunta – Subsídios à indústria dão retorno à sociedade?
Piero Ghezzi – O principal desafio do nosso tempo é produtividade e, para elevá-la, existem dois tipos de políticas: as mais horizontais, que buscam fortalecer o capital humano, a inovação; e a velha política industrial, muito disseminada no Brasil, que compensa um setor com subsídio ou isenção tributária em razão de ineficiências na infraestrutura ou na regulamentação.
Qual delas é considerada boa?
Ghezzi – As políticas modernas em que governo e setor privado colaboram entre si. A relação não pode ser muito distante, para não faltar comunicação, nem muito próxima, de modo que haja corrupção.
Como fazer isso?
Ghezzi – Não posso conseguir algo do governo porque o ministro foi do mesmo colégio que eu ou conhece o meu pai. Dar subsídio ao setor privado para neutralizar um problema é compensar a ineficiência. A política industrial moderna vai à raiz da dificuldade. Se o problema é infraestrutura, é preciso trabalhar nisso.
Dar subsídio é coisa de latino-americano?
Ghezzi – Mais do Brasil do que no resto da América Latina. A maioria dos países da região adotou políticas-padrão mais conectadas ao chamado Consenso de Washington [regras formuladas na década de 1990 por economistas de instituições como FMI], que diz que todas as políticas têm que ser horizontais e que políticas industriais não precisam desempenhar um grande papel. Estou falando de México, Colômbia, Chile e Peru. Eles foram para o outro extremo.
Por que “extremo”?
Ghezzi – Porque essas políticas não são suficientes. O México, por exemplo, não cresceu muito e, em 2014, 2015, se dividia em dois: um vibrante, ligado à economia americana, com ganhos de produtividade; outro com muita gente na economia informal trabalhando como “tortilleras” –vendedores de sanduíches. É óbvio que algo não está funcionando.
Alguns desses países se moveram das políticas ortodoxas para algo mais ligado à política industrial moderna. Não tanto dando subsídios, mas verificando o que poderiam fazer para ajudar a consertar os problemas do setor privado.
E o Brasil?
Ghezzi – Não há outra instituição como o BNDES na América Latina. A capacidade do Estado brasileiro é mais forte do que em qualquer outro lugar da região, incluindo Chile. E o Brasil usa de modo mais proeminente essas políticas industriais antiquadas.
O que fazer para convencer empresas a fazer a transição?
Ghezzi – Minha experiência é que deveria ser uma transição gradual, na qual se começa a dar bens públicos e não subsídios. Como o Brasil não tem dinheiro, não tem escolha. Com a situação fiscal insustentável, as políticas industriais precisam ser redimensionadas.
A Lava Jato é o resultado da coordenação excessiva entre público e privado?
Ghezzi – Claro. Captura total. E isso vai além do Brasil. É o resultado da falta de transparência nas decisões de infraestrutura, investimentos públicos etc., em troca de dinheiro. É um claro exemplo de por que é preciso mudar o jeito de fazer política industrial. A região tem sido associada à tomada de decisões públicas em troca de dinheiro. Portanto, é ainda mais óbvio agora que se precisa de transparência.
Há mais corrupção na América Latina?
Ghezzi – Há muita corrupção na Grécia, na Itália e na Espanha. Um país onde a Operação Lava Jato não tem sido uma questão forte é o Chile. Lá, para se conseguir uma permissão municipal não se presume que é preciso oferecer propina para o burocrata nem para a polícia. Mas isso ocorre bastante no resto da América Latina. Não há nada institucionalizado nessas sociedades que as façam mais corruptas, mas alguns países conseguem lidar melhor com essas questões do que outros.
Você viu esse tipo de coisa quando estava no governo?
Ghezzi – Eu não vi, claro, mas acontecia. Quando estava no governo, a Lava Jato já existia, então acho que as pessoas estavam mais receosas.
A Lava Jato afetou o Peru?
Ghezzi – Claro. A verdade é que existe muita incerteza sobre a sustentabilidade do crescimento porque temos um arranjo institucional deteriorado. Temos velhos políticos afetados por escândalos [todos os mandatários peruanos desde a saída de Fujimori, em 2000]. Isso reduz a confiança das pessoas no establishment político. O risco é aparecer um ‘outsider’ [alguém de fora da política].
Qual o futuro da região?
Ghezzi – Desafiador. É difícil acreditar que as condições externas mais benignas vão se sustentar e teremos outro super ciclo de commodities. A situação fiscal está mais apertada, a produtividade está estagnada.
O caminho para o desenvolvimento parecia simples: seguir o que os países asiáticos estavam fazendo. Mas precisamos encontrar nosso próprio caminho. O México é menos exportador de commodities do que a América do Sul. No Chile, a mineração é mais forte. O Brasil tem uma indústria de base mais sofisticada, embora menos competitiva. Não há receita mágica. É preciso se mover além da ideologia. No debate entre políticas horizontais e verticais é preciso entender que elas são complementares.
O sr. se vê como heterodoxo?
Ghezzi – Me vejo como alguém tentando não ser ideológico, mas pragmático. Se você está pregando ideologia, está fazendo má economia.
Qual o seu principal aprendizado como ministro?
Ghezzi – Entender a brecha enorme entre as decisões tomadas nos níveis mais altos e o que acontece nos mais baixos. O trabalho não está feito só porque o governo conseguiu passar por uma maratona de sessões no Congresso e teve uma lei aprovada. Isso é se enganar. É preciso ter certeza que a lei foi implementada, está funcionando e, se não estiver, fazer correções. É muito fácil acreditar que o trabalho está feito porque o Banco Mundial diz isso. Você faz de conta que está fazendo seu trabalho, mas em muitas vezes não está.
Leia mais sobre: Política