O tratamento precoce da Covid-19, defendido pelo presidente da república Jair Bolsonaro, pode, na verdade, contribuir no aumento do número de mortes de pacientes graves. A afirmação foi feita por médicos diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), de hospitais de referência, à BBC News Brasil.
Chamado de Kit Covid, o tratamento inclui a administração de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina. Não há comprovação de eficácia no tratamento ou prevenção do Coronavírus, de acordo com pesquisas científicas. No entanto, mesmo após um ano de pandemia, Bolsonaro continua defendendo sua utilização. “Muitos têm sido salvos no Brasil com esse atendimento imediato. Neste prédio mesmo (Palácio do Planalto), mais de 200 pessoas contraíram a Covid e quase todas, pelo que eu tenha conhecimento, inclusive eu, buscaram esse tratamento imediato”, disse o presidente, no início do mês de março.
À BBC, o médico intensivista Ederlon Rezende, coordenador da UTI do Hospital do Servidor Público do Estado, em São Paulo, explicou que cerca de 80% a 85% das pessoas não vão desenvolver forma grave de covid-19 e, para esses pacientes, fazer uso do “kit covid”, pode não prejudicar, mas também não vai ajudar em nada.
No entanto, essas drogas podem prejudicar o tratamento para as cerca de 15% a 20% das pessoas que precisam de internação, podendo contribuir até mesmo para a morte. “A preocupação maior é com os 15% que desenvolvem forma grave da doença e acabam vindo para a UTI. É nesses pacientes que os efeitos adversos dessas drogas ocorrem com mais frequência e esses efeitos podem, sim, ter impacto na sobrevida”, ponderou.
Outra forma prejudicial relacionada ao “Kit Covid” está, de acordo com os médicos intensivistas do Hospital das Clínicas, Albert Einstein e Emilio Ribas, no retardo da procura de atendimento pela população, levando à intubação pelo fato de comprometimento nos pulmões, levando em consideração que pacientes que recebem máscara de oxigênio ou ventilação mecânica invasiva antes de chegar à insuficiência respiratória aguda têm mais chances de sobreviver.
“Alguns prefeitos distribuíram saquinho com o ‘kit covid’. As pessoas mais crédulas achavam que tomando aquilo não iam pegar Covid nunca e demoravam para procurar assistência quando ficavam doentes”, disse diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo, Carlos Carvalho.