SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Wada (Agência Mundial Antidoping) divulgou nesta sexta (9) a segunda parte de um relatório produzido por uma equipe liderada pelo professor Richard McLaren.
Segundo as novas revelações, mais de 1.000 atletas russos se beneficiaram de um sistema estatal criado para encobrir resultados de exames antidoping. Elas aprofundaram dados divulgados na primeira parte do levantamento, no dia 18 de julho. Relatório independente de uma equipe constituída pela mesma Wada abordou as implicações russas em novembro de 2015 pela primeira vez, e pediu à IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo) que banisse o país dos Jogos Olímpicos do Rio, o que acabou acatado. Apenas uma atleta, Daria Klishina, foi liberada para competir.
O país também foi proibido competir nos Jogos Paraolímpicos. Segundo McLaren afirmou nesta sexta, que apresentou suas descobertas em um hotel em Londres, competidores de mais de 30 esportes olímpicos e paraolímpicos envolveram-se nas trapaças, o que chamou de “conspiração institucionalizada”.
As práticas de acobertamento ocorreram pelo menos desde 2011 e se estenderam até depois dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, realizados em 2014.
“A equipe olímpica da Rússia corrompeu os Jogos Olímpicos de Londres em uma escala sem precedentes”, afirmou o canadense McLaren.
Naquela Olimpíada, competidores russos teriam recebido coquetéis de esteroides indetectáveis à época por oficiais, que os orientavam a cumprir ciclos de “limpeza” para não serem flagrados. Nenhum atleta do país foi pego em exames antidoping em Londres-2012 ou em seus meses subsequentes. Dez deles tiveram suas medalhas cassadas.
Porém, o COI (Comitê Olímpico Internacional) decidiu processar novamente os testes colhidos nos Jogos, com técnicas de detecção mais modernas, e dezenas de casos positivos russos surgiram.
Além de Londres e Sochi, a Universíade de 2013, realizada em Kazan, e o Campeonato Mundial de atletismo de Moscou, no mesmo ano, também tiveram amplo esquema de dopagem posto em prática.
Porém, de acordo com os investigadores, é impossível precisar desde quando exatamente vigorava a estratégia de acobertamento e qual foi sua real extensão. “O quadro é claro, mas não completo. Nós tivemos acesso apenas a uma pequena fração de provas.”
O sistema envolveu atletas, treinadores, médicos, a agência antidoping da Rússia (Rusada), o laboratório de Moscou -que era credenciado pela Wada- e agentes do serviço secreto russo (FSB).
Além destes órgãos, A segunda parte do relatório põe como figura central no esquema o Ministério de Esporte do país. Mais precisamente, o ministro Vitaly Mutko, que exerceu o cargo entre 2008 e outubro passado e atualmente é vice-primeiro-ministro. Apesar de indicar a participação dele, a Wada não encontrou evidências diretas de sua atuação. McLaren ressaltou que os atletas jamais atuavam de maneira isolada, mas sim faziam parte da rede ilícita. Os nomes dos mais de 1.000 competidores envolvidos no esquema não será revelado pela Wada. De acordo com McLaren, cabe às federações esportivas pertinentes decidirem quanto à divulgação. Elas serão informadas pela Wada das descobertas.
Suas evidências foram obtidas por meio de entrevistas, correspondências interceptadas e planilhas de oficiais russos. Esta segunda parte do relatório tem 144 páginas.
SAL E NESCAFÉ
Entre as revelações trazidas à tona por McLaren está a que autoridades russas usavam técnicas rudimentares para encobrir eventuais testes positivos.
Elas utilizam, principalmente, sal e até grãos de café -ele citou especificamente Nescafé– para esconder ou manipular amostras de urina que continham substâncias proibidas. Os atos decorriam geralmente no laboratório de Moscou, que atualmente está descredenciado pela Wada. Agentes do laboratório de Sochi também foi acusado de promover adulterações.
Em algumas análises foram encontradas quantidades enormes de sal, impossíveis de serem aceitas em um corpo humano saudável. As adulterações foram além. Em amostras de urina colhidas de duas jogadoras femininas de hóquei foram encontrados DNA masculino.
“É uma confirmação sem direito a controvérsia de que as coletas originais foram adulteradas ou trocadas”, disse McLaren.
“Um grande número de pessoas foi enganado. Competidores honestos e fãs foram iludidos. Mas eu não acho que o que ocorre na Rússia é frequente ao redor do mundo”, complementou.
Vasilhames contendo contraprovas de doze atletas medalhistas nos Jogos de Sochi tinham violações, o que, de acordo com o professor, também configura adulteração.
REPERCUSSÃO
A IAAF comentou rapidamente a divulgação do relatório. Ela disse “concordar (…) que é hora de parar com a manipulação”. “Baseado nos nomes de atletas que a equipe do professor McLaren compartilhou conosco, mais da metade (53%) deles já receberam sanção ou estão enfrentando processos disciplinares”, complementou o comunicado.
A associação disse que 35 atletas do país foram punidos por resultados analíticos adversos -sem contar casos envolvendo Meldonium. “Vamos continuar a testar inteligentemente, retestar com esperteza, trabalhar colaborativamente e procurar justiça”, afirmou o presidente da IAAF, Sebastian Coe.
Ele disse que amostras colhidas de atletas russos em Campeonatos Mundiais, sobretudo da edição de Moscou-2013, serão reavaliadas para descobrir eventuais ilegalidades.
O Comitê Paralímpico Internacional também se manifestou e disse que “os resultados do relatório não têm precedentes e são surpreendentes. Eles atingem o cerna da integridade e da ética do esporte”.
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