Por sugestão do Supremo Tribunal Federal (STF) as procuradorias-gerais (PGEs) de Goiás e Tocantins vão se sentar para um diálogo sobre um impasse complexo e polêmico: a quem pertence uma área de quase 13 mil hectares na região da Chapada dos Veadeiros? A área é conhecida como “Quilombo Kalunga dos Morros” e fica na mesma região da Reserva Kalunga – que se espalha por Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, municípios vizinhos no Nordeste de Goiás.
Como mostrou o Diário de Goiás em novembro, a PGE goiana ajuizou a Ação Cível Originária (ACO) n.º 3.734 para forçar os tocantinenses a desocuparem o trecho do território goiano que tem forte apelo turístico. Isso alegando ainda não ter tido êxito em outras negociações junto ao governo tocantinense e órgãos federais, como se explicará mais abaixo.
A argumentação do governo goiano é de que essa presença, que é inclusive institucional, tem causado diversos problemas administrativos e financeiros na região, especialmente de cinco anos para cá. Goiás alega que a competição administrativa do Tocantins prejudica até a oferta de saúde e educação.
Ministro quer mediação antes de apreciar liminar
Na semana passada, o ministro do STF, Cristiano Zanin, relator da ação, sugeriu a conciliação antes de decidir sobre o mérito da liminar que, se concedida de imediato, suspenderia serviços públicos que o Tocantins começou a oferecer na região.
Autor da ação, o Procurador-Geral do Estado, Rafael Arruda, já declarou que vê a conciliação como o melhor caminho, se mostrando aberto ao diálogo.
Conforme a Tv Anhanguera informou nesta terça-feira (23) também a PGE do Tocantins, que já foi citada na ação, parece disposta ao diálogo – procurada pelo DG em novembro, ela nunca respondeu.
Por outro lado, o Tocantins criou um grupo de trabalho para reunir dados técnicos no sentido de comprovar a legitimidade da atuação tocantinense na região. Um provável indicador de que a disputa vai ser ferrenha.
Erro de nomes em Carta Topográfica do Exército gerou situação
Em sua sustentação no STF, a PGE de Goiás historia que o Tocantins passou a ocupar, “de forma irregular”, a área de 12,9 mil hectares na região e que essa presença inclui a oferta de serviços públicos daquele estado. Além disso, mostra imagens da instalação de um portal turístico no “Complexo do Canjica”, em área que pertence constitucionalmente a Goiás, de acordo com a PGE.
A ocupação irregular, cita a procuradoria goiana, viola a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil. Isso, após 37 anos da divisão do território de Goiás e criação do Estado do Tocantins, em 1988.
Segundo a PGE, a origem do problema está em erro de toponímia (referente ao nome de lugares) na Carta Topográfica “São José”, elaborada pela Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) do Exército Brasileiro em 1977. “O documento identificou equivocadamente o Ribeirão Ouro Fino como Rio da Prata, o que gerou confusão sobre os limites estaduais entre Goiás e Tocantins”, argumenta a PGE.
Ocorre que, “se aproveitando da falha e do crescimento do turismo, a movimentação dos tocantinenses na região cresceu nos últimos anos”, segundo declarações recentes do prefeito de Cavalcante, Vilmar Kalunga (PSB), ao jornal O Popular. A partir daí foi instalado o portal turístico e iniciado inclusive patrulhamento por pessoas do Tocantins.
Consequências do erro cartográfico no Censo
De acordo com a PGE, o erro cartográfico e a consequente ocupação irregular têm gerado reflexos sociais, fundiários, eleitorais e tributários na região.
Um deles, prejudicou diretamente a chegada de recursos ao município de Cavalcante. Isto porque parte de sua população não foi contabilizada no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), “o que resultou em redução dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)”, aponta a ACO.
Vilmar Kalunga relatou perda de aproximadamente R$ 200 mil de FPM, embora os investimentos públicos na região invadida sejam realizados pela prefeitura de Cavalcante. Foi ele quem acionou a PGE, órgão apto judicialmente a demandar em litígios territoriais como esses.
Goiás tentou resolver antes de ir ao STF
Ao divulgar a ACO, em novembro, a PGE ressaltou que o Governo de Goiás buscou soluções administrativas e técnicas junto à DSG/Exército, ao IBGE e ao próprio Estado do Tocantins, sem êxito.
“Diante disso, com base em levantamentos técnicos da PGE e do Instituto Mauro Borges (IMB), o Governo de Goiás requer ao STF o reconhecimento da área como integrante do território goiano, a desocupação imediata da região pelo Tocantins e a retificação dos limites territoriais oficiais”, destacou o órgão.
O PGE Rafael Arruda observou na época que “a ação não se restringe à tutela de um interesse local ou patrimonial, mas representa o restabelecimento da verdade geográfica e jurídica sobre o território nacional, em estrita observância ao desenho federativo traçado pela Constituição Federal”.
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