15 de novembro de 2024
Lênia Soares

Demóstenes e a defesa pouco fabulosa de Kakay

“Deixando pelo chão rastros do próprio sangue,

Uma astuta raposa audaz, que outrora fora

Enérgica, sutil, leve, jazia agora,

Sobre um monte de lama, inanimada e exangue.

Tinha-a ferido em cheio um caçador valente…

E a Mosca, a parasita alado do monturo,

Vinha alegre, num vôo enérgico e seguro,

Cevar-se no seu corpo ainda vivo e quente.

E o mísero animal, com as pupilas foscas,

Invectivava triste o seu terrível norte,

Por lhe ter conferido a desgraçada sorte

De, com seu próprio corpo, alimentar as moscas.

– Fazerem-me sofrer assim um tal vexame,

A mim, ao mais sutil vivente das florestas!

Quando é que uma raposa alimentou as festas,

Os banquetes cruéis de esfomeado enxame?!

De que me serve a cauda? Acaso é um fardo antigo,

Inútil? Ah! que o céu te pague, Mosca bruta!

Vai cevar noutro corpo a tua fome astuta,

E deixa só ficar a minha dor comigo.” (Trecho de A Raposa, as moscas e o ouriço, Esopo)

A melhor, e maior, defesa em favor de Demóstenes Torres foi escrita em 620 AC. Ela não apaga os defeitos, mas relembra a existência de um ser humano – errante – que pode não ser tão horrível quanto pintam os jornais. Uma defesa fabulosa. Uma Fábula. A única de alguma forma eficaz, pois a apresentada pelo melhor criminalista do país conseguiu apenas 56 votos favoráveis à cassação do mandato do senador e o repúdio da maioria dos goianos. Demóstenes teve seu mandato cassado no Senado Federal. Em Goiás, está caçado como homem público.

Aquele que outrora fora astuto, enérgico e sutil, agora tem sua cabeça pendurada em praça pública em uma tentativa, praticamente nula, de limpar a honra dos políticos brasileiros. Demóstenes vendeu sua vaga no Senado. Outros venderam cargos públicos, Palácios e palacetes, um Estado… Foram redimidos com a cassação do senador? Demóstenes, o redentor redivivo? Era este o moral de sua história, Kakay?

Em seu discurso, o então senador se dizia bode expiatório de um processo criado pela mídia. Resguardados os devidos exageros, pois Demóstenes tem um cartório de dívidas nesta história, pode ter cabimento sua reclamação. Alguém precisava atender às demandas de manchetes. Não pensou que seria o governador, pensou? Seus companheiros de ontem são hoje como a mosca bruta. Passeiam alegres em voos enérgicos e seguros, alimentando-se do sangue que é fruto da desgraça sorte. Sua desgraça sorte, Demóstenes. Deu zebra.

Mas… Voltemos à defesa. Kakay tem seus méritos. Esopo não pegaria o caso, investiria na reconstrução da imagem. Não a política, esta ele também não veria solução, mas na pessoal. A única que pode vislumbrar qualquer futuro neste momento. Morreu ontem o homem político Demóstenes Torres. E sim, ele existiu. Bem existiu. Á sua maneira convenceu dois milhões de eleitores. Muito provavelmente, você, leitor. Em algum momento todos fomos convencidos por seu discurso. Nos últimos dias, ninguém. Nem as velhas moscas.

Pegar o caminho inverso não será fácil. Trilhar o rumo do esquecimento. O Senado já lhe deu o primeiro passo. 


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