23 de novembro de 2024
Publicado em • atualizado em 23/04/2023 às 10:33

Remédios caseiros e benzimentos

“Limão é bão!... Faz um chazim de limão e bebe que a dor passa!” (Foto divulgação).
“Limão é bão!... Faz um chazim de limão e bebe que a dor passa!” (Foto divulgação).

Outro dia ouvi um questionamento de um amigo das antigas, querendo saber por que hoje em dia há tanta farmácia instalada aqui e ali, até mesmo nas pequenas cidades, se no tempo dele mais jovem esse tipo de estabelecimento era uma raridade!

Disse mais que, na sua época, em vez de farmácia era sempre encontrado um boteco em cada esquina. Muito diferente de hoje, que em cada esquina a gente encontra um comércio de remédios. E indagou, mais a título de gracejo, se o povo de hoje é mais doente do que os de antigamente.

Por fim, concluiu, melancólico: “Por um lado foi bom, que a gente tem mais facilidade pra comprar os remédios do nosso consumo, né!… Mas por outro, cadê os botecos? Sumiram!… Agora, pra tomar uma o indivíduo tem que andar até lá longe, na periferia. Só lá que tem!”.

Guardados os devidos exageros e as brincadeiras, é certo que ali pela metade do século passado era insignificante o número de farmácias e farmacêuticos existentes nas cidades menores, até mesmo nas adjacências da capital do Estado. Nesses casos, e com o intuito mesmo de satisfazer a pouca demanda, o farmacêutico não precisava ser formado na faculdade: bastava ter prática no ofício (era chamado de farmacêutico prático) e se apresentava muitas vezes como se fosse médico ou em substituição à figura do médico, o qual só era encontrado nas cidades mais adiantadas.

O chamado farmacêutico prático era uma espécie de clínico geral, que não cobrava pela consulta, pois seu intento era vender o remédio. Médico de verdade, quando com grande trabalho se conseguia um com disposição para ir até o interior, quase sempre o profissional tinha de andar a cavalo léguas e léguas, para atender o paciente em estado terminal, agonizando em alguma fazenda.

Desta forma, fora da cidade grande a saúde da população era cuidada pelo farmacêutico. Consultado o paciente, com o rigorosismo necessário, ele próprio, o farmacêutico prático, receitava os medicamentos e os vendia ao paciente, a fim de curar o mal que afligia aquele ou aquela que o procurava. Mais propriamente, parte desses remédios era produto de manipulação (fabricação local), ali mesmo na farmácia.

Havia também as figuras dos raizeiros, tratadores, curandeiros e dos benzedores, incluindo-se as famosas e respeitadas benzedeiras. Em razão da realidade da época, notadamente deficiência dos meios de transporte e escassez de medicamentos e de profissionais da medicina, a cultura interiorana determinava que os males de menor intensidade, que assolavam a população eram tratados ou por pseudos farmacêuticos, que se tornavam confiáveis e até mesmo famosos na sua localidade, ou por raizeiros, tratadores, curandeiros e benzedores, que também eram exaustivamente procurados pelo povo.

Muitos desses benzedores e curandeiros conseguiam ganhar fama até mesmo regional, pelos trabalhos realizados em favor da sociedade daquele tempo. Benziam de mau-olhado, espinhela caída, cobreiro, quebranto, vento virado, mordida de cobra e outros males. Havia alguns que recebiam encomendas pra retirar ou dar sumiço em cobras que matavam animais nas propriedades rurais, mediante a força das orações que faziam com fé. Havia casos ainda de pessoas que procuravam os seus préstimos de rezadores para mandar um punhado de cobras venenosas para a propriedade de seu inimigo ferrenho.

Para mencionar um fato pitoresco, contou-me um amigo a história de uma consulta que fez com um tratador famoso na sua cidadezinha. Havia passado a noite labutando com um desconforto muito grande no intestino e levantou logo cedinho, para tomar uma providência sobre o assunto. Abriu a janela que dava para a rua e nisso vinha passando Domingos Baiança, a pessoa certa para ajudá-lo a sair daquela situação, pois se tratava de um benzedor e tratador de fama considerável na região, embora muito sistemático. E foi logo desembuchando:

– Bom dia, Seu Domingos!… Foi bom eu ver o senhor. Tou meio que precisando de um remédio pra curar um desconforto. O senhor pode me atender agora?

– Bom dia!… Quê que foi?… Desembucha!…

– Passei a noite com a barriga meio que querendo desandar, será que o senhor tem um remédio pra me passar?

O famoso tratador, que por ser famoso e de poucas palavras só conversava o necessário, permaneceu parado onde estava, só ouvindo. Em seguida, olhou para um lado e para outro e, sem dizer uma palavra, seguiu caminhada e foi embora. O meu amigo achou um desaforo aquela atitude, mas não disse nada, afinal uma consulta naquelas condições, ali no meio da rua, parecia meio esquisito mesmo. Nisso sua mulher providenciou um chá indicado por uma vizinha, e o incômodo passou.

No outro dia, mais ou menos no mesmo horário, ou seja: cedinho, por acaso ele abriu a janela novamente, e o Domingos Baiança vinha passando de volta. E sem falar “Bom dia”, foi logo respondendo à pergunta que lhe fora feita pelo morador da casa, no dia anterior: “Limão é bão!… Faz um chazim de limão e bebe que a dor passa!”. E deu prosseguimento à sua jornada, sem olhar para trás.

E esse meu amigo pagou com a mesma moeda: Não respondeu nada, até por que já fazia quase vinte e quatro horas que a dor havia passado.

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Elson Oliveira

Elson Gonçalves de Oliveira foi professor de Língua Portuguesa, é advogado militante e escritor, com vários livros publicados.