Antes do ano de 1950, não havia delegacia de polícia nem cadeia pública na grande maioria das cidades do interior de Goiás. Os Delegados eram nomeados a pedido dos chefes políticos de cada um desses lugares. Eram os chamados “Delegados de calça curta”. E o prédio que os abrigava era quase sempre dividido em duas partes: a da residência do Delegado com sua família e a da burocracia judiciária. Esta, por sinal, de estrutura bem modesta: mesinha de madeira, máquina de escrever e os papéis necessários para o desempenho dos trabalhos, além de outras peças pequenas de importância singular. Às vezes era visto ainda um quartinho escuro geminado, destinado ao castigo dos presos mais perigosos.
Os crimes mais frequentes eram os de lesão corporal e os homicídios. É que havia muito pagode nos finais de semana, muita cachaça e muita briga. Após a meia-noite, o que mais se ouvia eram disparos de revólver, pois não havia proibição para ninguém andar armado. Depois, vinham os furtos de cavalo e os de galinha.
Quase sempre as execuções das penas para os casos mais graves eram realizadas ao ar livre, em meio à movimentação popular, onde o preso era amarrado de costas numa árvore ou num toco qualquer, com as mãos para trás, permanecendo naquela posição até segunda ordem do Delegado. Às vezes o preso varava a noite naquele suplício. E tinha de ser ali mesmo, no meio do povo, para servir de exemplo e impor medo aos malfeitores. Isso durou décadas. Depois, tudo foi mudando aos poucos.
Conta-se que numa cidade não distante de Goiânia, que nasceu em consequência da construção da Estrada de Ferro de Goiás – fato que proporcionava a chegada constante de aventureiros de toda estirpe e localidade do Brasil –, de tanto receber reclamações do povo o Delegado inventou uma armação, em que o criminoso era amarrado a uma corrente presa a uma roda de carro de bois, encaixada em um toco de madeira resistente, bem fincado no chão, ao ar livre. Assim era que, na extremidade da tal roda, colocavam-se várias correntes de ferro e aço, tantas quantas fossem suficientes para amarrar os criminosos que eventualmente aparecessem, e o infeliz que tinha a má sorte de ser levado para o castigo permanecia ali, atado pelos pés e exposto ao sol, ao sereno, à chuva e ao frio.
Outra modalidade de cumprimento de pena comum à época era a aplicada aos ladrões. Uma vez a cada dia, o preso era conduzido a pé pela cidade afora, passando pelos locais e em horários de maior movimento de pessoas, algemado e ladeado por policiais, dizendo em voz alta: “Eu estou preso por que roubei!… Eu estou preso por que roubei!… Eu estou preso…”. E se não pronunciasse tal frase em voz alta, quase gritando pra todo o mundo ouvir, tomava uma bordoada de cassetete, que era pra aprender a respeitar a autoridade.
Havia uma tropa de elite, da polícia militar, que entrava em ação somente em ocasiões especiais: era a chamada Captura. Quando a polícia local não dava conta do recado, a Captura precisava ser convocada. Era o terror da época. Falasse em Captura e todos silenciavam, morrendo de medo. Muita gente do passado presenciou atrocidades de dar arrepios. Tudo em nome da lei e da justiça.
É de conhecimento público a história ocorrida há muitos anos (muitos anos) na cidade de Cristianópolis, em que um garoto de uns dezessete anos de idade, de boa família, teve um pequeno entrevero com os policiais. E por isso ficou jurado de entrar no cassetete a qualquer hora.
Certo dia, encontrava-se ele jogando bilhar em um bar no centro da cidade, quando o bate-pau (Cidadão comum que ajudava a polícia a prender malfeitores) o viu e foi logo chamar os soldados, para prendê-lo.
Estava na delegacia apenas o cabo da polícia, que, embora sozinho, acabou convencido a prender o menino com a sua ajuda, isto é, com a ajuda do bate-pau. Com esse propósito, chegaram e abafaram o ambiente. O garoto, entretanto, portava um revólver calibre 22 no bolso da calça, escondido. Em meio à tentativa de imobilização, durante alguns instantes de luta corporal, ele conseguiu sacar a arma e acertar dois disparos no cabo da polícia, à queima-roupa.
Por causa desse fato, a Captura foi imediatamente chamada. A morte do policial clamava por justiça. Vieram de Goiânia seis soldados da cara feia e bem armados, com a missão de prender o criminoso a qualquer custo e fazer justiça. Se não o encontrassem, a sua família é que deveria pagar o pato. E foi o que aconteceu.
A Captura rastreou o município de ponta a ponta, ameaçou a população e disseminou o pânico por onde passou. Uma semana de buscas e de torturas ao pai do garoto para contar o paradeiro do filho. E nada. Ninguém sabia onde encontrá-lo.
Por fim, acharam-no e prenderam-no. Depois de torturar o garoto até o limite de suas condições físicas, mandaram-no caminhar na frente, algemado – dizem as más línguas que era pra depois alegarem que o preso empreendera fuga –, e o executaram a tiros.
O corpo foi levado para o centro da cidade, onde, após sua exposição pública, com a finalidade de intimidar e de dar exemplo à população, recebeu sepultura.
Foi uma semana de pânico e de angústia, em que a população ficou em polvorosa. As pessoas do lugar, que presenciaram aquele acontecimento trágico, eram acometidas de pesadelos constantes causados pela síndrome da revolta e do medo. Mas nada podiam fazer. Coisas assim que só o tempo é capaz de apagar.
Passados os anos, bem mais de meio século do ocorrido, até hoje as pessoas mais antigas da região ainda contam, de forma ressentida e traumática, essa história macabra.