Nas cidades do interior, as opções de lazer nunca foram lá muito satisfatórias, tanto nos tempos mais longínquos quanto nos dias atuais, com raríssimas exceções. A população sempre se ressentiu de melhores oportunidades de divertimentos, não só para os jovens, como também para as crianças, os adultos, as famílias e os da terceira idade. E quando não se tem muita escolha, contenta-se com o melhor ou com o menos ruim do que é colocado à disposição dos populares.
Em Goiás, na região da estrada de ferro, por exemplo, um dos pontos mais atrati-vos que havia no passado era a estação ferroviária, nos horários de paradas do trem passageiro. Aproximando-se a hora marcada, o povo andava apressado e encaminhava-se para a estação, a fim de ver o trem e as caras novas que viajavam confortavelmente nas poltronas duras dos vagões.
Nos finais de semana, então, especialmente à tarde ou à noite, era uma verdadeira romaria. Parecia festa. O agente da estação mostrava-se preocupado com a segurança dos visitantes que se aglomeravam na plataforma, notadamente os estudantes, até porque adolescente tem muita dificuldade de ficar quieto. Contudo, era inútil qualquer medida proibitiva nesse sentido, visto que se tratava de local público, aberto ao usuário e aos frequentadores costumeiros que buscavam tão somente diversão, nada mais.
As estações ferroviárias se prestavam ainda a outros palcos que não guardavam nenhuma afinidade com os meios de transporte. Para quem viveu essa realidade, numa das cidades agraciadas com o transporte ferroviário, eram inevitáveis as lembranças dos finais de semana, que se faziam festivos, notadamente quando comparecia o Sr. Orlando Preto, como era popularmente conhecido na minha região, ex-ferroviário e sanfoneiro dos mais ilustres, e punha-se a alegrar o público com as mais variadas músicas, dentre elas Saudades de Matão e Saudades de Ouro Preto. A última melodia, inclusive, sempre era tocada quando ali chegava o Sr. Euzébio de Oliveira, pessoa muito querida e respeitada.
O único colégio da cidade distava mais ou menos cem metros da Estação. E justo na hora do recreio, o “P” apitava ainda distante, mas já se apresentando na reta de chegada, aguçando a expectativa de todos.
Nisso, toda aquela renca de jovens estudantes saía em numa correria danada, muitos tropeçavam e caíam, o que era motivo de risos e de farra para os mais espertos, e ganhavam rapidinho a área plana alteada e concretada que dava acesso ao embarque dos passageiros. Como conter a fúria de mais ou menos uma centena de adolescentes ávidos por um divertimento qualquer, já que a cidade não oferecia nada parecido?
Depois que o trem apontava lá longe, livrando-se da curva, apresentava-se de maneira arrogante, prepotente, repicando seu sibilo e diminuindo cada vez mais a velocidade, à medida que se aproximava de sua parada obrigatória.
Coitado do chefe da estação! Ele era tomado por enorme preocupação nesses momentos da chegada do “trem passageiro”. O trem de carga já não chamava a atenção de ninguém, a não ser para proporcionar a curiosidade de ficar distantes contando os vagões que acompanhavam a locomotiva: 38, 39, 40…
Pessoas vinham dos diversos cantos, na hora certa, só para ver o trem. E os jovens estudantes ali, assiduamente, correndo para lá e para cá, na plataforma, para desespero dos responsáveis pela segurança do local e para desgosto e agonia da direção da escola.
Por sua vez, a direção da escola lançava proibição verbal, esbravejava, punia através de castigos severos e diversificados, aplicava suspensão, chamava os pais… Entretanto, de nada valia o esforço. Era só descuidar um pouquinho e a turma saía correndo em direção à estação.
A escola não se fazia cercar-se de muro nem nada. Não comparando mal, parecia uma boiada em disparada. Bastava o primeiro puxar a fila que os outros se achavam no direito de acompanhá-lo. Incontrolável o tumulto.
Um pouquinho da história…
Segundo dados dos mais ilustres historiadores, no ano de 1896 os trilhos da Estrada de Ferro Mogiana chegaram à cidade de Araguari, no Triângulo Mineiro. Posteriormente, o Governo Federal baixou o Decreto nº5.394, de 18 de outubro de 1904, determinando que o seu ponto inicial viria a ser a Estrada de Ferro Goiás, na cidade de Araguari, e o seu terminal, a capital de Goiás, distante cerca de 480 quilômetros. A estrada foi criada pelo Decreto nº5.949, de 3 de março de 1906, do então presidente Rodrigues Alves.
Assim, a Estrada de Ferro Goiás saíra lentamente de Araguari, Minas Gerais, e em seu primeiro trecho chegou à ponte do Rio Paranaíba, na divisa dos Estados de Minas Gerais e Goiás, no ano de 1911, prosseguindo até a estação denominada Roncador, em Pires do Rio, inaugurada em 1914. Foi um passo gigantesco para fomentar o progresso da região, pois viabilizava a comercialização dos diversos produtos de consumo vindos especialmente de São Paulo, para abastecer as inúmeras cidades que se formavam a custas da exploração aurícula já em extinção.
No entanto, a partir da inauguração da estação de Roncador, houve grande paralização e demora no prosseguimento dos trabalhos de construção da ferrovia. E só após fortes ingerências políticas foi que o projeto retomou o seu curso, chegando a Goiânia no ano de 1950. E alguns anos mais tarde, a linha foi prolongada em dois quilômetros, até Campinas, parando em seguida.
Com a entrada em operação da linha para Brasília, a partir da estação de Roncador, o trecho até Goiânia perdeu em importância. Hoje, boa parte da linha está em operação para trens cargueiros: trens de passageiros acabaram nos anos 1980.