22 de novembro de 2024
Esportes

Ancelotti sonha com marca histórica e é admirado por perfil equilibrado e humilde

Foto - Divulgação Real Madrid
Foto - Divulgação Real Madrid
Por Pedro Ramos

Carlo Ancelotti cresceu em uma família pobre que trabalhava para o dono de uma fazenda de apenas dez vacas, na pequena Reggiolo, no norte da Itália, e pegou desde cedo conselhos importantes que o transformariam em uma pessoa admirada. Do pai, herdou a calma e aprendeu a responsabilidade da liderança. Da mãe, soube a importância de criar um ambiente agradável com quem estivesse. Seus dois primeiros “técnicos” ajudaram a transformá-lo em um dos mais vitoriosos profissionais da história do futebol. Nesta semana, ele se tornou o único treinador a vencer as cinco principais ligas europeias (Inglaterra, Itália, Espanha, Alemanha e França) e garantiu pela quinta vez uma vaga na final da Liga dos Campeões – um recorde -, o que pode deixá-lo como o maior ganhador do torneio, com quatro taças, caso vença o Liverpool no dia 28 em Paris.

Ancelotti conseguiu ter sucesso nos mais diferentes cenários. É considerado um exemplo de profissionalismo e liderança tranquila, características sempre elogiadas por ex-jogadores que trabalham com ele. Sua autoridade não é representada com autoritarismo ou rigidez. Por sua calma, é sinônimo de comando apaziguador em cenários turbulentos, como foi em muitos clubes. Apesar de ser um grande vencedor, também é alguém que ouve e gosta de participar de brincadeiras com os jogadores.

“Uma abordagem ‘tranquila’ da liderança pode soar branda ou talvez até fraca para alguns, mas não é isso o que eu quero dizer, e com certeza não é o que significa para qualquer um que tenha jogado a meu lado ou atuado sob meu comando. O tipo de tranquilidade a que me refiro é uma força. Existe poder e autoridade em ser calmo e ponderado, em construir confiança e tomar decisões friamente, em usar a influência e a persuasão e em ser profissional em sua abordagem”, conta o técnico italiano no livro Carlo Ancelotti: Liderança Tranquila.

Não importa o estilo de jogo do futebol do país, se o time conta com muitas estrelas e se controlar o vestiário é uma missão difícil. Ancelotti sabe navegar e se adaptar a diferentes cenários, sistemas e modelos de jogo. Também já comandou muitos grandes jogadores, alguns de egos por vezes difíceis de lidar, como Zlatan Ibrahimovic e Cristiano Ronaldo. Mas tanto o sueco quanto o português passaram a admirá-lo em pouco tempo.

“Como gente, ele é muito fino, muito boa gente. É um cara do bem, faz o simples, não inventa, tem trato direto com os jogadores, não é paizão. Fora a humildade absurda dele mesmo tendo vencido tanto”, conta ao Estadão o ex-companheiro de Roma e amigo Falcão, que também relembra o respeito que o italiano tem dos rivais.

“Encontrei o Carlo no Real Madrid em 2014, quando ganharam do Bayern na semifinal da Liga dos Campeões por 4 a 0. Eu estava na época lá, liguei pra ele e brinquei ‘Que barbadinha ontem’ (risos). Conversamos e ele me chamou para jantar no dia seguinte Ele avisou que tinha esquecido da outra semifinal e fomos comer em um lugar que tinha dois telões para assistir ao jogo. Eram umas 50 pessoas presentes e 99% era a torcida do Atlético de Madrid (semifinalista). Os torcedores não disseram nada para o Carlo. Era um clima de total respeito com ele”.

Declarações polêmicas e provocativas estão fora do seu repertório nas entrevistas. A serenidade impera. Mas as qualidades de Ancelotti como técnico não se resumem a ser um treinador tranquilo e de bom trato. Também é reconhecido por montar equipes organizadas, equilibradas e ter grande poder de adaptação. Se é visto como um treinador de ideias mais simples e pragmáticas, também conseguiu inovar. Sua formação do 4-3-2-1 no Milan, batizada de “Árvore de Natal” pelo formato da organização tática do meio-campo para o ataque, explorou o talento de jogadores que o levaram a grandes troféus.

Sua carreira como técnico não foi algo planejado e começou de forma despretensiosa. Enfrentando sérios problemas de lesão no joelho no Milan comandado pelo histórico técnico Arrigo Sacchi, já caminhava para o fim da vida nos gramados. Foi então que acabou convidado pelo próprio Sacchi a acompanhá-lo na seleção italiana, para onde estava indo. Mas não seria no papel de jogador e, sim, como assistente.

“A sugestão de Arrigo (Sacchi) foi uma revelação para mim. Pela primeira vez, eu me vi no banco de reservas e, confesso, gostei da ideia. Na mesma hora, vi como uma grande oportunidade”, conta no livro Carlo Ancelotti: The Beautiful Game of an Ordinary Genius, lançado em 2010. Ancelotti ficaria mais uma temporada como jogador do Milan e a relação difícil com o técnico Fabio Capello só acelerou seu processo de despedida dos gramados e entrada na nova fase da carreira.

ANCELOTTI, TITE E OS JOGADORES BRASILEIROS

O técnico italiano adora e é querido por brasileiros, tanto que contou com eles em todos os cinco títulos de ligas. Campeão com Dida, Cafu, Serginho e Kaká no Milan; Alex e Belletti no Chelsea; Thiago Silva, Alex, Maxwell e Lucas Moura no Paris Saint-Germain; Douglas Costa e Rafinha no Bayern; além de Militão, Vinicius Júnior, Rodrygo e Casemiro no Real Madrid. Na comemoração do título espanhol desta semana, mostrou seu lado descontraído mais uma vez, fumando um charuto e usando óculos escuro estiloso, como um grande chefão.

No atual Real Madrid, teve méritos importantes, como elevar o patamar de Vinícius Júnior, que virou um jogador mais decisivo sob seu comando. O atacante virou um dos principais brasileiros do futebol europeu em pouco tempo. Também por isso, recebeu contato de Tite, que queria detalhes para fazer com que a revelação do Flamengo reproduzisse na seleção brasileira as grandes atuações com a camisa do time espanhol.

Sua carreira tem admiradores por toda parte e um deles é o próprio Tite, que o tem como inspiração. Foram oito dias do treinador brasileiro em Madri, na primeira passagem do italiano pelo principal clube da capital, e total abertura entre os dois para falar de futebol. “Aquilo foi marcante. Ele fez questão de me explicar todas as posições/funções dos atletas, quais as liberdades que concedia a cada um, como a equipe atuava com seis, às vezes sete jogadores, nas ações ofensivas, como posicionava Cristiano Ronaldo para tirar o melhor dele, os gráficos de posicionamento nas bolas paradas, enfim, um minucioso material sobre a organização de sua equipe”, conta o treinador brasileiro no prefácio do livro Carlo Ancelotti: Liderança Tranquila.

Aos 62 anos e com 22 troféus no currículo, Ancelotti disse nesta semana que cogita se aposentar após o fim do seu contrato com o Real Madrid, em 2024. “Depois desta passagem pelo Real Madrid, provavelmente vou me aposentar. Mas, se o Real me quiser aqui por mais dez anos, vou treinar o time por mais dez anos”, disse o treinador, em entrevista à plataforma Prime Video, sem descartar assumir uma seleção. “Sim, poderia haver, mas é prematuro falar sobre isso agora.”

Para Falcão, o amigo Ancelotti tem um leque imenso de possibilidades, inclusive comandar uma seleção em Copa. “Talvez a Itália, quando o (técnico) Roberto Mancini sair. Penso que o Carlo teria de trabalhar numa seleção, sim, não necessariamente a italiana, já que ele tem prestígio para trabalhar em qualquer uma”.

(Conteúdo Estadão)


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