12 de setembro de 2024
Lênia Soares

20 centavos de revolução

Foi por volta das 18 horas desta quinta-feira, 20, que as rosas se encontraram com o aroma das ruas em frente ao Palácio das Esmeraldas, em Goiânia, sede do governo de Goiás. Lá, os manifestantes da Capital se fartaram de uma democracia há muito tempo não servida na história política do Estado.

 

Saciaram-se da sede de revolução de um povo carente de Saúde, Educação, Segurança Pública, Infraestrutura, Transporte Público e de 20 centavos. Sim, eles gritaram por 20 centavos de lisura na esfera pública brasileira.

Emocionados, lutaram juntos a Marina, o João, o Thiago e o José. Completamente desconhecidos, unidos pela exaustão da política vigente.

Também gritaram o Lucas, o Matheus, o Saulo e a Sofia. Completamente desguarnecidos de discurso, porém afinados com o grito de guerra. Eles gritaram sem saber, ao certo, o porquê. Erraram o hino nacional. Mas… Gritaram!

Eu estava lá. Eu vi. Eu vivi a manifestação do grito.

Ouvi também o suplício de demagogos e de gênios por vocação.

Vi um menino, com aparentemente quatro anos de idade, que elaborou o seu cartaz e também esteve lá. Nas ruas. E do pescoço do seu pai, que gritava pela reforma política “já”, o pequeno exigia, no tom imperativo que exigência pressupõe, “brinquedos mais baratos”.

Como definiria o próprio governador do Estado, Marconi Perillo (PSDB), um dos principais alvos da manifestação, um pouco mais tarde: “Uma verdadeira festa democrática.”

Sim governador, uma verdadeira festa democrática em meio ao tempo de “uma página infeliz da nossa história”. Página assinada pelo próprio.

Contradições à parte, o fato é que foi um pouco antes, ali pelas nove horas da manhã, no pátio da Universidade Federal de Goiás, que alguns jovens esboçavam o valor desses 20 centavos de revolução.

Estudantes, dos mais diversos cursos, estampavam o chão da Universidade na elaboração de suas armas de protesto.

Cartazes com letras infantis, daquelas desenhadas nos cadernos de caligrafia, eram coloridos com giz de cera e tinta guache, que coloriam também os dedos, os rostos e as roupas dos agentes do progresso nascituro.

Eles falavam sobre política, sobre democracia, sobre a ditadura, sobre a revolução. Enquanto falavam, não era difícil perceber, nos braços finos da maioria, o arrepio provocado pela contagiante emoção.

Foram eles que determinaram o roteiro da marcha e elaboraram os gritos de guerra. Eles também improvisaram escudo e incluíram em suas táticas a (boa) intenção de manter todos os manifestantes protegidos por suas armas. “Temos que garantir que todos ficarão atrás da linha de proteção. Ninguém pode se machucar”, determinou um dos líderes da manifestação, estudante de Jornalismo da UFG.

E eles foram pras ruas. Andaram quilômetros carregando os cartazes e escudos improvisados.

Ora sorriam, ora se empenhavam na rigidez da expressão. Ora gritavam, ora de dispersavam nas conversas sem qualquer direção. Eles seguiam.

No trajeto, jovens solitários, outros enturmados, iam engrossando o coro da revolução.

Fizeram um bom uso do jingle da Fiat, cantado pelo Rappa: “Vem pra rua!”, repetiam, convocando os expectadores debruçados nas janelas por todos os lados.

Um aqui, outro ali, um pouco mais acolá… E mais de 50 mil pessoas marcharam, pacificamente, na direção do Palácio das Esmeraldas.

Lotaram as ruas na súplica por políticos de verdade. Por política de verdade. Pela política que carrega o “povo” em seu significado etimológico e o respeita em seu significado metodológico.

Sem brigas ou conflitos, a manifestação goiana foi um sucesso. Um sucesso que não estampará os noticiário nacionais. Foi pacífica.

Mais que pela forma, a marcha goiana venceu pelo conteúdo. Pela vontade de mudança. Pela mobilização incitada pelo desrespeito à opinião pública, ao eleitor, ao cidadão.

A cidadania ganhou, governador. A sexta-feira amanheceu com a nota oficial do chefe do Executivo presente nos noticiários e ausente da boca do povo. Da boca do povo se ouve outra coisa. Outra nota. Não menos oficial.

A sexta-feira amanheceu e não ouvi, neste país do futebol, comentário sobre os dez gols da Espanha. Não ouvi sobre o jogo do Brasil contra a Itália. Nas ruas, eu ouço: “Você também foi? Foi incrível, não achou?”.

Eu não cobri a manifestação da Capital goiana. Eu participei dela.

Esta é uma reportagem assinada pela minha alma. Ela tem razão. O que vivi, não dá pra não contar de outro jeito. Eis a objetividade dos meus olhos, a honestidade dos meus (poucos) anos de estudo, a placidez do meu encantamento.

Eu sou a Lênia. Jornalista. Multidão. E todos em mim escrevem e gritam ao mesmo tempo. O ponto final é o começo de tudo, de hoje em diante.


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