No Brasil, duas em cada dez mulheres (21%) já foram ameaçadas de morte por parceiros atuais ou ex-parceiros. Além disso, seis em cada dez conhecem alguma mulher que vivenciou essa situação e 3% já receberam ameaças de mais de um homem. Em todos os casos, as negras (pretas e pardas) aparecem em maior número.
Os dados são da pesquisa Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pela empresa Consulting do Brasil e divulgada nesta segunda-feira (25), Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Confira ao final as formas de pedir socorro!
O levantamento mostra ainda que seis em cada dez mulheres ameaçadas romperam com o agressor, após a intimidação, sendo essa decisão mais comum entre as vítimas negras do que entre as brancas. A pesquisa contou com o apoio do Ministério das Mulheres e foi viabilizada por uma emenda da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP).
Descrença e medo de denunciar
Embora 44% das vítimas tenham ficado com muito medo, apenas 30% delas prestaram queixa à polícia e 17% pediram medida protetiva, mecanismo que pode determinar que o agressor fique longe da vítima e impedido de ter contato com ela. Esses dados têm relação com outros citados pela pesquisa, o de que duas em cada três mulheres acreditam que os agressores de mulheres permanecem impunes e o de que um quinto apenas acha que acabam na prisão.
“Para 9 em cada 10 entrevistadas, todo feminicídio pode ser evitado se a mulher receber proteção do Estado e da sociedade. Mas a ampla maioria das entrevistadas considera que de nada vale a mulher ter uma medida protetiva se o agressor não respeita essa ordem e nem a polícia garante sua segurança”, aponta o instituto.
Impunidade estimula
Para a maioria das brasileiras (60%), a sensação de que os agressores não pagam pelo mal que fazem tem relação com o aumento dos casos de feminicídio. No questionário online, respondido, em outubro deste ano, por 1.353 mulheres maiores de idade, 42% das participantes concordaram com a afirmação de que as mulheres ameaçadas de morte imaginam que os agressores jamais vão colocar em prática o que prometem, ou seja, acham que a ameaça não representa um risco real de serem assassinadas por eles.
Ao mesmo tempo, há, no país, um contingente de 80% de mulheres avaliando que, embora a rede de atendimento às mulheres seja boa, não dá conta da demanda. Em relação a formas de enfrentamento à violência, proporção idêntica destaca as campanhas de estímulo a denúncias e as redes sociais como ferramentas poderosas.
Uma parcela significativa, também de 80%, pensa que nem a Justiça, nem as autoridades policiais encaram as ameaças e denúncias formalizadas com a seriedade devida. Também são maioria (90%) as respondentes com a opinião de que as ocorrências de feminicídio aumentaram nos últimos cinco anos.
Histórias reais de mulheres ameaçadas pelos parceiros
Vítima de violência doméstica praticada pelo ex-marido, a diarista Zilma Dias perdeu uma sobrinha em 2011, como revelou em depoimento à Agência Brasil. Não por causa natural, nem acidente. Camila foi morta, aos 17 anos, pelo ex-companheiro, de quem engravidou e tentava se desvencilhar. Como diversas vítimas, a jovem duvidava de que as agressões atingissem seu ponto máximo. Ambas as mulheres pretas.
Quase todas as respondentes da pesquisa, 89%, atribuem ao ciúme e à possessividade do agressor as causas por trás do feminicídio, quando envolve atuais ou ex-parceiros das vítimas. Para Zilma, foi o caso de sua sobrinha. Ela disse que ele chegou a trancá-la em casa e, como é típico nos casos de violência doméstica, tentou isolar a companheira, privando-a de todo convívio, inclusive o com familiares. O objetivo é fazer com que as mulheres fiquem sem ter a quem recorrer.
Risco real não é percebido
“Ela dizia que ele era mosca-morta”, compartilha a pernambucana, para sinalizar que a filha de seu irmão nunca calculou realmente o risco que corria.
O assassino de Camila mudou-se de cidade onde vivia com ela. Depois de certo tempo, porém, ele retornou e ficou à espreita da ex-companheira. Quando a jovem passava por um cemitério, matou-a com 12 facadas, diante da filha dos dois, Raíssa. O homem, que tinha 25 anos, só foi localizado porque cometeu outro crime, de falsidade ideológica. Então, foi condenado a 13 anos por feminicídio.
Hoje Zilma entende que a obediência que achava que devia ao ex-parceiro era um valor construído culturalmente, algo incutido por ele na sua mente e que não tinha origem nem mesmo em sua família. Hoje, diz a trabalhadora doméstica, ela compreende que vivia em cárcere privado e que racionar comida para si, para não ser punida pelo marido, era um alerta escrito em letras garrafais. Ser proibida de ver os pais e de trabalhar não era normal.
O companheiro praticou contra ela, enquanto estiveram juntos, diversos tipos de violência. Da psicológica à patrimonial. Zilma não sabia nem sequer o sexo das bebês, pois não fez exame pré-natal, algo fundamental para verificar se a saúde da criança está em dia e detectar patologias graves precocemente.
Medo dos parceiros é o que cala as mulheres ameaçadas
“Eu não sabia a quem recorrer. Deus me livre chamar a polícia. Não contava nem à minha mãe que ele me batia. Quase todos os dias, ficava machucada. Grávida, apanhava. Ele chegou a ir ao médico comigo, eu estava toda machucada e já grávida de oito meses da minha primeira filha. Ele, do meu lado, me cutucando e o médico me perguntando ‘O que foi aquilo [os hematomas e ferimentos]?’ Ele me proibiu de falar. Aí, eu disse ‘Eu caí’. Estava do meu lado me ameaçando”, recorda Zilma.
Idas e vindas depois, a diarista conseguiu se livrar do marido. Anos depois foi informada de que o ex-companheiro havia matado sua então parceira e a esquartejado. O caso saiu em jornais locais. Ele foi condenado a cumprir 25 anos de prisão.
Dados da ONU ilustram massacre mundial de mulheres
Em 2023, 85 mil mulheres e meninas foram mortas intencionalmente em todo o mundo, sendo que 60% desses homicídios foram cometidos por um parceiro íntimo ou outro membro da família. O índice equivale a 140 mulheres e meninas mortas todos os dias ou uma a cada dez minutos.
Os dados foram divulgados pela ONU Mulheres e pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) nesta segunda (25), também como parte do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.
De acordo com o relatório Feminicídios em 2023: Estimativas Globais de Feminicídios por Parceiro Íntimo ou Membro da Família, o Continente Africano registrou as maiores taxas de feminicídios relacionados a parceiros íntimos e familiares, seguido pelas Américas e pela Oceania.
Na Europa e nas Américas, a maioria das mulheres assassinadas em ambiente doméstico (64% e 58%, respectivamente) foram vítimas de parceiros íntimos, enquanto, em outras regiões, os principais agressores foram membros da família.
“Mulheres e meninas em todo o mundo continuam a ser afetadas por essa forma extrema de violência baseada no gênero e nenhuma região está excluída”, destacou o relatório.
“Além do assassinato de mulheres e meninas por parceiros íntimos ou outros membros da família, existem outras formas de feminicídio”, alertou a publicação, ao citar que essas demais formas representaram mais 5% de todos os homicídios cometidos contra mulheres em 2023.
“Apesar dos esforços feitos por diversos países para prevenir os feminicídios, eles continuam a registar níveis alarmantemente elevados. São, frequentemente, o culminar de episódios repetidos de violência baseada no gênero, o que significa que são evitáveis por meio de intervenções oportunas e eficazes”, concluiu o documento.
Como encontrar informações e pedir ajuda
Há diversas formas de pedir socorro, caso seja necessário. Entre elas, o telefone 180, específico para atender vítimas de violência doméstica. No caso de Goiás, a Polícia Militar mantém a Patrulha Maria da Penha que é acionada no atendimento normal pelo 190, o aplicativo Mulher Segura, a Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, o Protocolo Não é Não (para bares e similares) e delegacias especializadas no atendimento à mulher.
Em outros estados existe ainda a Casa da Mulher Brasileira, que tem unidades em Campo Grande; Fortaleza; Ceilândia, no Distrito Federal; Curitiba; São Luís; Boa Vista; São Paulo; Salvador; Teresina; e Ananindeua, no Pará – em Goiânia, o projeto de construção foi lançado em 2020 e tinha inauguração prevista para este mês, mas ainda não foi entregue, com nova previsão para março de 2025.
(Com informações da Agência Brasil)
Leia mais sobre: Pesquisa Patrícia Galvão / Violência contra a mulher / Violência de gênero / Brasil / Cidades / Geral / Goiânia