Novos diálogos publicados pelo site The Intercept na manhã desta quinta-feira (29/08) revelam que os próprios procuradores da força-tarefa da Lava Jato utilizaram-se de vazamentos com o objetivo de manipular suspeitos. Dessa forma, os procuradores os induziam a acreditar que a denúncia era inevitável, mesmo quando não era. A intenção era tácita: intimidar seus alvos e força-los a fazerem delações.
As conversas revelam que os vazamentos eram discutidos, planejados e realizados apesar de em abril de 2017, Dallagnol negar categoricamente que isso acontecia. “Não temos instrumento eficiente para identificar vazamentos”, declarou à época em entrevista a BBC Brasil. O que Dallagnol desconsiderava era que as conversas seriam descobertas e publicadas num futuro: o próprio coordenador efetuou o exato tipo de vazamento que ele negou na entrevista.
“Meus vazamentos”
O site The Intercept tornou público um exemplo: Em 21 de junho de 2015, o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, em um grupo que reunia membros da força-tarefa: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando, mas, com escancarada franqueza, afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.”
O procurador assumiu que usava a imprensa para simular um ambiente hostil aos acusados forçando-os às delações por meio de manipulações. A lei das organizações criminosas estipula que as delações devem acontecer com a pessoa acusada colaborando “efetiva e voluntariamente”.
O contexto da conversa se dava logo após a 14ª fase da Lava Jato que mirava às empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht. Os procuradores estavam debatendo estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus escapou da operação, porque havia se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão preventiva com alerta da Interpol.
No chat, Santos Lima assume que vazava informações para a imprensa. Além disso, deu a entender que era uma prática habitual quando usa o plural “meus vazamentos”.
No mesmo dia, Deltan e Orlando anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, como forma de pressionar o investigado. Eles estavam antecipando a um jornalista uma movimentação da investigação. Foi Dallagnol o responsável pelo vazamento, como mostra sua conversa como o repórter do jornal. “O operador da Odebrecht era o Bernardo, que está na Suíça. Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA relacionado aos depósitos recebidos por PRC. Isso é novidade. Vc tem interesse de publicar isso hoje ou amanhã,SUPRIMIDO, mantendo meu nome em off? Pode falar fonte no MPF. Na coletiva, o Igor disse que há difusão vermelha para prendê-lo, e há mesmo. Pode ser preso em qualquer lugar do mundo”, mencionava. O repórter respondeu dizendo que publicaria ainda naquele dia. Na sequência, o jornalista volta a falar com o procurador e disse que a matéria ficaria para o outro dia porque ela seria capa do jornal.
A capa do Jornal O Estado de São Paulo do dia 22 de junho de 2015 foi a seguinte: “Americanos vão ajudar a investigar Odebrecht”. Apesar dos esforços, a estratégia fracassou: Bernardo Freiburghaus não delatou.