O vazamento de trechos descontextualizados de uma entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Record TV, que seria exibida com exclusividade, teve dois desfechos inesperados. O primeiro foi no mercado financeiro, que reagiu mal aos trechos distorcidos vazados antes mesmo da entrevista ir ao ar.
O segundo foi na emissora. A Record confirmou nesta quinta (18) que demitiu a jornalista Renata Varandas, entrevistadora e supostamente autora dos vazamentos, através de uma empresa da qual seria sócia.
O desligamento da jornalista ocorreu na sequência da repercussão negativa externa e interna causada pelo que foi classificado de séria quebra de confiança por interesse particular. Descontextualizada, a fala presidencial causou ruído no mercado financeiro e fez o dólar disparar. Somente após a exibição do trecho original, comprovando que houve distorção do que Lula disse, o mercado acalmou.
A confusão começou na terça (16), quando Renata Varandas entrevistou Lula no Palácio do Planalto, em Brasília. Conforme o portal Uol, a entrevista foi realizada e gravada por volta de 9h30, com programação para ser exibida na íntegra no Jornal da Record, o principal noticiário da emissora, transmitido às 19h55.
Durante a programação do dia, a emissora foi divulgando pequenas pílulas da entrevista para incentivar o público a assistir. Por volta de 13h48, a Record TV postou um trecho em que o presidente fala sobre a sucessão no Banco Central e da questão fiscal no Brasil. Dois temas polêmicos e caros ao mercado financeiro e ao governo de Lula.
No entanto, de forma surpreendente, cerca de uma hora antes desse trecho ir ao ar, o mercado financeiro já estava ciente da informação, ou pelo menos de uma versão distorcida sobre ela. O fato, claro, chamou a atenção de internautas e da própria emissora.
Chegou ao mercado um texto divulgado pela corretora BGC Liquidez cuja fonte era atribuída à Capital Advice. Essa é uma agência da qual Renata Varandas, a entrevistadora da Record, é uma das três sócias.
A empresa tem endereço em Brasília. Segundo seu site, vende boletins de análise política, acompanha o legislativo, faz apurações por demanda, projeção de cenários e mapeamento de riscos políticos.
No texto distribuído, segundo o Uol, a empresa conta que repassou a declaração de Lula aos investidores. O trecho vazado estava fora do contexto geral da entrevista, e acrescentava números na parte em que o presidente falava que ainda precisava ser convencido sobre a necessidade de cortes de gastos e que a meta fiscal não necessariamente precisava ser cumprida, embora tenha se comprometido com o arcabouço fiscal.
Era como se os números tivessem sido ditos por Lula. As agências e bolsas que operam no mercado financeiro negociando títulos, moedas e ações, entre outros, cobram corte de gastos e metas.
Dessa forma, ainda na terça, por volta de 12h20, antes sequer do trecho da declaração presidencial gravada ser veiculada em sua originalidade, os efeitos do trecho “extra-oficial” afetaram o mercado. “O dólar começou a acelerar na frente do real. Às 12h43, a moeda americana passou a registrar alta, subindo até atingir a máxima da sessão, às 13h40, a R$ 5,462 — valorização de 0,33% em relação ao fechamento do dia anterior”, citou o portal nesta quinta.
Quando a Record divulgou o trecho da entrevista que estava gerando especulações no ramo financeiro, às 13h48, o dólar voltou ao sinal negativo. No final do dia, a moeda fechou em baixa de 0,31%, a R$ 5,428.
O Uol procurou a Capital Advice, que optou por não comentar vazamento da entrevista de Lula à Record, enquanto Renata Varandas ainda não foi localizada para se manifestar. Já a BGC Liquidez, por sua vez, informou que está apurando os fatos internamente.
Uma fonte próxima do Palácio do Planalto informou ao jornal Folha de São Paulo que o presidente Lula considerou o episódio “um absurdo”. Coube ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informar que as falas tinham sido tiradas do contexto.
Ainda sem saber quem causou a distorção impactante, o que se sabe, por enquanto, é a diferença entre o que vazou e o que Lula realmente disse na entrevista.
“Em entrevista à Record TV, que será veiculada hoje [dia 16] ao longo dia, o presidente Lula disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 bi e 20 bi no relatório de 22 de julho. Disse ainda que se precisar modificar a meta, ele não se opõe.”
É necessário esclarecer que na entrevista que foi ao ar integralmente na noite de terça, Lula não fala em cortes entre R$ 15 bi e 20 bi. Esses números estavam na pergunta feita pela entrevistadora. Na verdade, Lula se limita a dizer que precisa ser convencido da necessidade de corte de gastos em 2024, destacando que tem uma “histórica divergência de conceito com o mercado” sobre isso, o que já disse em outras oportunidades. Geralmente ele está se referindo a investimentos que o governo realiza e que o mercado critica como se fossem gastos.
“[Meta fiscal] É apenas uma questão de visão. Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer. Esse país é muito grande. Esse país é muito poderoso, o que é pequeno é a cabeça de dirigentes e de alguns especuladores”, é a fala original.
A íntegra da entrevista