Na véspera do início do recesso do Poder Judiciário, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu uma liminar que parecia ter aberto caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a euforia dos petistas durou apenas algumas horas.
No início da noite desta quarta-feira (19), o presidente da corte, Dias Toffoli, suspendeu a decisão do colega e enterrou a possibilidade de o petista, preso em Curitiba desde 7 de abril, ganhar a liberdade, ao menos ainda neste ano.
Por volta das 14h, Marco Aurélio, de forma inesperada, suspendeu a prisão de condenados em segunda instância antes do trânsito em julgado –ou seja, quando esgotadas todas as possibilidades de recurso.
É a situação em que se encontra Lula. O ministro também mandou soltar as pessoas que estão presas nessas circunstâncias.
Pouco antes das 20h, contudo, Toffoli reverteu a decisão, argumentando que o plenário do Supremo já havia decidido anteriormente pela possibilidade de prisão em segunda instância e que isso deveria ser respeitado.
“A decisão já tomada pela maioria dos membros da corte deve ser prestigiada pela presidência [do STF]. E é por essas razões, ou seja, zeloso quanto à possibilidade desta nova medida liminar contrariar decisão soberana já tomada pela maioria do tribunal pleno, que a presidência vem a exercer o poder geral de cautela”, declarou Toffoli.
No início da semana, o presidente da corte marcou para abril do ano que vem sessão do STF para novamente discutir a questão da prisão após segunda instância.
Marco Aurélio lamentou o fato de sua liminar ter sido suspensa. “A autofagia é péssima para a instituição”, disse à reportagem.
A decisão beneficiaria Lula e outros presos por corrupção, como o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB) e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.
No total, até 169,5 mil presos condenados em segunda instância, pelos mais variados crimes, também poderiam ser afetados.
Marco Aurélio deu sua liminar atendendo a ação movida pelo PC do B. O partido pediu para o STF reconhecer a harmonia entre o artigo 283 do Código de Processo Penal, que só prevê prisão após o trânsito em julgado, e a Constituição.
O ministro afirmou, para fundamentar a decisão, que a constitucionalidade do artigo 283 não comporta questionamentos.
“Ao tomar posse neste tribunal, há 28 anos, jurei cumprir a Constituição Federal, observar as leis do país e não a me curvar a pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo, última trincheira da cidadania, se é que continua sendo”, escreveu Marco Aurélio.
Apenas os condenados em segunda instância que também tivessem contra si prisões preventivas ficariam presos, o que não é o caso do ex-presidente Lula.
Menos de uma hora após a divulgação da decisão de Marco Aurélio, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, pediu a soltura do petista à Justiça Federal no Paraná.
“Essa decisão é importante porque restabelece o que consta do texto constitucional”, disse Zanin.
Dezenas de manifestantes do PT se concentraram junto à sede da PF em Curitiba, aguardando a saída de Lula.
Mas a decisão de efetivar a soltura cabia à juíza Carolina Lebbos, que indicou que não tomaria essa atitude de imediato. Ela pediu a manifestação do MPF (Ministério Público Federal).
“Embora haja menção ao deferimento de liminar, em decisão proferida monocraticamente, não há indicação de efetiva publicação da decisão no Diário de Justiça Eletrônico. Tal quadro afasta a impressão de efeito vinculante imediato à decisão”, escreveu Lebbos.
“Tem-se decisões colegiadas, inclusive no caso concreto [o de Lula], no sentido do cabimento da execução provisória da pena”, escreveu.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu da liminar, que também foi criticada pelos procuradores da Lava Jato no Paraná.
“A decisão contraria o sentimento da sociedade que exige o fim da impunidade. Ela na verdade consagra a impunidade violando pretendentes estabelecidos pelo próprio STF”, disse Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
Em Brasília, o ex-juiz Sergio Moro, responsável pela condenação de Lula, não quis comentar. “Não vou falar sobre isso”, disse à reportagem o futuro ministro da Justiça de Jair Bolsonaro.
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