Toda mudança de gestão da prefeitura de Goiânia desde a década de 90 aparece uma repetida polêmica sobre as contas e as da COMURG que são, na verdade, dívidas da administração municipal. A transição entre o prefeito Sandro Mabel (UB) que sucedeu o ex-gestor Rogério Cruz não é diferente. Para se ter uma ideia do histórico da polêmica, o ex-prefeito Iris Rezende apontada em 2017 que a empresa tinha “pilantrões”, mas depois deixou de fazer a referência.
Agora, a repetida polêmica sobre os valores dos salários de alguns servidores da COMURG deve ser observada pelo prisma de uma situação histórica da empresa, não resolvida pelos ex-prefeitos, mas que está dentro da legalidade. É o que diz o Acordo Coletivo entre a empresa (representando a prefeitura) e o SEACONS (Sindicato dos Empregados em Asseio e Conservação), que representa os empregados da empresa e prevê incorporações e gratificações. O prefeito Sandro Mabel critica, mas é bom que leia o que está escrito no documento (VEJA A ÍNTEGRA ABAIXO)
O atual acordo coletivo tem vigência até novembro de 2026 e, por consequência, tem que ser cumprido no que aponta em relação a gratificações por exercícios de atividades e incorporação deste deste benefício caso o funcionário da COMURG alcance 8 anos com a mesma obrigação.
Esse benefício consta da claúsula décima sexta do documento (ABAIXO) e diz que “fica concedido aos empregados pertencentes ao quadro de pessoal da COMURG, em exercício na empresa, Incorporação de Função Gratificada a seus vencimentos, tendo direito à mesma aquele que tiver 08 (oito) anos corridos no efetivo exercício da função gratificada, passando a gratificação a compor a remuneração do empregado. Devendo ser incorporada a maior gratificação recebida por período não inferior a 01(um) ano. No caso em que houver vacância superior a 90 (noventa) dias entre uma gratificação e outra o período para incorporação passara a ser de 12 (doze) anos intercalados”
Em entrevista ao Diário de Goiás, o presidente do SEACON, Melquisedeque Souza, reforçou que não há ilegalidade nos salários recém divulgados pela mídia, mesmo que considerados altos, pois estão dentro do Acordo. Ademais, disse, a empresa já aplica o redutor quando os valores ultrapassam o salário do prefeito. “O salário do servidor da Comurg é regido por esse documento, que é o Acordo Coletivo de trabalho”, afirma o presidente da SEACONS.
Melquisedeque explicou que os valores são resultado de anos de serviço público prestado, com adicional de quinquênios, gratificações e incorporações de funções, que são direito garantido ao funcionalismo público. O Acordo Coletivo apresentado por ele demonstra todos os benefícios acumulados, conforme a lei, portanto, justificando que há legalidade nos julgados “supersalários”.
Ele explicou, ainda, que quando usado o salário de novembro deve ser considerado que o funcionário recebe 50% do décimo terceiro e, em alguns casos, recebe o adiantamento do mês de férias com um terço de adicional como qualquer trabalhador regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Altair Tavares: A Comurg tem uma situação crítica, que em toda transição é alvo, quando se trata de despesas, salários…
Melquisedeque: Infelizmente, a gente tem esses momentos de polêmica, de discussão a respeito da folha salarial da companhia e estamos vivendo esse momento mais uma vez. Lembrando que nossos trabalhadores, eles têm uma vida dedicada à sociedade goianiense. Muitos deles, os mais novos, têm ali 16, 17, 20 anos de serviço prestado. Tem um histórico dentro da companhia. Então, eles merecem todo o respeito, toda a consideração por parte de todos nós.
Altair: É importante ressaltar, o salário do servidor da Comurg é regido por esse documento, que é o Acordo Coletivo de Trabalho, válido 2024 a 2026. Ou seja, na Comurg, o que tem de salário, que seja alto ou baixo, é o que está aqui?
Melquisedeque: Perfeitamente. O nosso acordo coletivo visa garantir as condições mínimas de trabalho para todos os nossos representados. Com relação a valores de salários, que são os pontos que mais são polêmicos, vale ressaltar que a Comurg tem pura obrigação, isso está na Constituição, de executar o corte de teto para qualquer trabalhador que venha receber mais do que o prefeito.
Então, qualquer rúbrica que acumulada por aquele empregado, por qualquer motivo. Às vezes, aquele trabalhador pode ter uma função operacional, mas ele pode ter exercido funções de chefia por um bom tempo, ele pode estar em outras funções, tem trabalhadores nossos que são garis, mas que se formaram em Direito, tem o registro na OAB, são advogados e prestam esse serviço para a Comurg.
Altair: A empresa e o acordo permitem que uma pessoa, mesmo para um cargo operacional, técnico, se alcança uma formação e ela for advogada, engenheiro, contabilista, assistente social, por exemplo, ela possa alcançar a função para a qual ela está formada?
Melquisedeque: O acordo permite que o trabalhador faça essa ascensão, desde que a Comurg também pague para ela a remuneração que ela tem direito. Então, essa é muitas vezes o contexto que nós nos encontramos. E mesmo que, vamos colocar aqui, um trabalhador ultrapassou o limite dos vencimentos do prefeito, a Comurg vai aplicar o corte de teto.
Altair: Isso já está válido há muito tempo?
Melquisedeque: Já faz mais de 15 anos que a Comurg pratica assim. Porque está na Constituição Federal. Então, o bruto do trabalhador pode ser o valor que for, mas vai ser aplicado o corte de teto. Vale ressaltar um outro ponto. Há momentos em que o trabalhador pode pegar valores maiores, valores líquidos maiores, mas há de se observar se naquele mês não tem férias. Então, a gente pode ter uma pessoa que pode ganhar 15 mil por mês, por exemplo, e se você pegar um mês que é pago férias para esse trabalhador, ele vai estar lá recebendo 45 mil. Mas não pode considerar isso salário, porque isso não é mensalmente. E no retorno de férias ele tem esses valores lançados no contra-cheque e tem o abatimento desses adiantamentos. Explique-me, por gentileza, uma questão.
Altair: Se um funcionário da área técnica, ou que seja um gari, ele vai para o cargo de advogado, ele incorpora o salário do advogado em quanto tempo, de acordo com esse acordo?
Melquisedeque: O nosso acordo, hoje, prevê que incorporações e gratificações devem acontecer com oito anos direto na função ou 12 anos intercalados. Já chegou a ser tempos diferentes, já chegou a ser tempos menores, tempos maiores. Isso varia muito da negociação.
Mas no nosso acordo prevê hoje oito anos direto ou 12 anos intercalados. Tem uma súmula do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que garantia que gratificações elas poderiam incorporar ao salário do trabalhador. Nesse período aí, dentre oito e dez anos, muitas empresas fazem essa incorporação. Então, isso depende muito do exercer da função e do período que ele continuar nela.
Altair: Conforme o acordo, um empregado que incorporar uma gratificação, e, após essa incorporação, se ele fica na função, pode ter ainda um novo adicional?
Melquisedeque: Se ele continuar na mesma função, ele pode ter um novo adicional. Aí, essa questão se ele vai continuar na função, se ele vai ir para uma outra função, se esse trabalhador não vai ficar, a quantidade de trabalhadores que são nomeados, que são gratificados, nesse ponto aí, o acordo não mexe, ele não fala a quantidade. Esse ponto é a Comurg que faz a sua gestão, ela que vai analisar a quantidade de trabalhadores técnicos, a quantidade de trabalhadores administrativos, ela que vai analisar a quantidade de chefia que ela vai ter. Temos um acordo que estabelece parâmetros, mas não traz engessamento para a gestão da empresa.
Altair: A empresa tem uma comissão para analisar gratificações?
Melquisedeque: Essa comissão é composta por funcionários da empresa, nomeados tanto pela diretoria, e representantes dos trabalhadores também fazem parte dessa comissão, para avaliar o cumprimento do acordo. Para que nenhum trabalhador fique sendo injustiçado e para também que não haja vantagens indevidas. A comissão tem pura essa finalidade, analisar o histórico de cada um.
Altair: Se um funcionário, um gari, vai para uma função de advogado. Ficou oito anos, incorporou, e ele depois alcança a presidência da empresa e fica lá dois, três anos. Ele incorpora o salário de presidente também?
Melquisedeque: Mas aí ele não acumula. Nesse caso, nessa segunda oportunidade, usando o seu exemplo, ele faz uma revisão do que ele já recebe. Só que a revisão que ele recebe não é cumulativa com o que ele já tinha. Ele pode escolher a que for mais proveitosa.
Altair: Analisando casos individuais, com o que nós temos hoje de discussão sobre esse assunto na transição do governo de Mabel, é provável que tenhamos um direito regular, regulamentado e garantido para todas as pessoas que são citadas?
Melquisedeque: Nós acreditamos que todos que estão na Comurg estão recebendo salários regulares. Salários que são dentro da lei. É o que nós acreditamos, pelo que está pactuado no nosso acordo coletivo. Sabemos que ajustes podem vir. Isso é faz parte da vida. A gente sempre está disposto a discutir, a debater. Mas o nosso objetivo, enquanto sindicato, é resguardar os direitos dos empregados. De todos os empregados. Nós não gostamos, enquanto entidade, de ficar especificando, olhando o trabalhador por valor de salário. Nós gostamos de olhar no coletivo. Porque não vamos segregar a nossa categoria. Não é interessante fazer isso. Compreendemos que tudo tem mudanças, mas os recebimentos dos nossos trabalhadores, pelo acordo coletivo, está conforme a lei.
Altair: A gestão municipal agora fala de extinguir gratificações. Qual a sua visão sobre isso?
Melquisedeque: A gestão pode tomar essa decisão? Eles têm que fazer uma análise pelo seguinte: aí não vai ter trabalhadores exercendo as funções que devam ter gratificação? Aí vai ser outra forma de remunerar? Nós pensamos que essa discussão, ela deve existir para a gente poder buscar um caminho que seja melhor para todos, tanto para a companhia como para o trabalhador. Porque não adianta também vir com uma regra muito dura e o trabalhador, muitas vezes, buscar o poder judiciário, que é natural, buscar a Justiça do Trabalho, e ser reconhecido aquele direito. É bom que haja diálogo para compreender quais funções, o que cada função vai receber, de que forma que vai ser.
Altair: A situação financeira da Comurg, hoje, fala-se de dívidas que chegam a R$ 2 bilhões, ela é momentânea ou é histórica?
Melquisedeque: Ela é histórica. Isso aí a gente sabe que, na verdade, quando a Comurg foi criada, ela já foi criada com uma dívida no seu CNPJ.
Altair: Qual dívida?
Melquisedeque: Ela foi criada, se não me falha aqui, ela foi criada em 1974, passou a funcionar em 1979. E ela foi criada para que o governo, na época, pegasse um empréstimo no Banco Nacional para cuidar de interesses da cidade na época, mas precisava ter um intermediário que era uma empresa de economia mista. Então, a Comurg nasceu devendo, ela nasceu com dívidas, mas ela nunca deixou de prestar um serviço para a sociedade.
A gente tem cerca de 1.500 trabalhadores à disposição, e eu reitero aqui, trabalhadores à disposição de órgãos municipais, até mesmo órgãos estaduais, e estão exercendo outras funções lá. Por exemplo, nós temos a Seinfra, que mais da metade dos trabalhadores da são da Comurg. Eles estão trabalhando. Sem a Comurg, a Seinfra para. Ela vai ficar inoperante. Então, a Comurg tem dimensões aí que é muito além das quatro paredes dela própria.
Altair: A disseminação dessa questão sobre os salários da Comurg, de forma isolada, não podemos deixar de dizer que isso impacta na opinião pública, mas gera um certo desconforto para os funcionários, uma preocupação, porque dissemina uma ideia de que a empresa tem muita gente privilegiada?
Melquisedeque: É uma discussão que a gente compreende que ela é um tanto inadequada pelo seguinte. Ninguém na Comurg faz o serviço sozinho, fazemos o serviço em coletivo. Como nós fazemos o serviço em coletivo, a empresa tem que ser analisada com os números coletivamente. Até porque, de que forma quem vai editar o salário de uma pessoa que está lá há 40 anos, exerceu diversas funções, incorporou uma gratificação?
Quem que vai fazer? Quem que vai ser a pessoa que vai falar assim, “você tem que ganhar tanto”? Nós acreditamos que tem que cumprir a lei. Os direitos que a pessoa tem que receber, tem que ser pago, mas tem os limites da lei, o teto constitucional tem que ser aplicado e a Comurg aplica esse teto.
Altair: E por falar em teto. Seria bom que o prefeito lesse esse acordo coletivo, não é?
Melquisedeque: Tem que ter conhecimento de toda a situação. A gente acredita que ele deve estar se inteirando bem. Esperamos que a gestão venha acertar todos os problemas que tem na cidade como um todo. E nós estamos claramente dispostos a criar diálogos que fortaleçam, que sejam bons para os trabalhadores e que fortaleçam a empresa também.
Altair: Para vocês também interessa uma empresa equilibrada?
Melquisedeque: Sim, a Comurg tem um histórico de serviço prestado, nós podemos ver aí que ela fez todas as praças de Goiânia. A Comurg construiu o Mutirama. A Comurg fez obras nessa cidade muito relevantes. A sociedade goianiense também ganhou muito com o serviço da Comurg. E nós temos ainda muita coisa a oferecer aí pelos próximos 40 anos que ela existir.