Duas pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil de São Paulo, na última segunda-feira (6), devido ao acidente que matou 18 passageiros de um ônibus na rodovia Mogi-Bertioga, em junho do ano passado. A sócia-proprietária da empresa União do Litoral, à qual pertencia o veículo, Daniela de Carvalho Soares Figueiredo, e o gerente de manutenção da companhia, Adriano André do Vale, foram denunciados por homicídio e lesão corporal.
Em 8 de junho de 2016, um ônibus que ia de Mogi das Cruzes (interior de SP) para São Sebastião (litoral) e transportava 35 pessoas, a maioria deles jovens universitários, desgovernou e bateu no sentido contrário. No acidente, morreram 17 passageiros, além do motorista, e outros 17 ficaram feridos. Segundo boletim de ocorrência sobre o caso, o veículo perdeu a direção, invadiu a pista contrária, atingiu uma rocha, capotou e parou virado, na altura do km 84 da rodovia Mogi-Bertioga, próximo ao município de Biritiba-Mirim.
O veículo, que pertencia à União do Litoral, era fretado pela prefeitura de São Sebastião para levar e buscar jovens que moravam na cidade e estudavam em Mogi das Cruzes. À época, o trauma foi tão forte que foi difícil para muitos dos envolvidos retornar à rotina de estudos e viagens. Procurada, a gestão municipal de São Sebastião não se manifestou até a publicação desta reportagem.
O advogado que representa 12 das vítimas do acidente e familiares, José Beraldo, afirma que tanto a proprietária quanto o gerente de manutenção da empresa ainda podem responder por “dolo eventual” das mortes (quando alguém tem conhecimento da possibilidade de cometer crime). “Diante do laudo que diz que o ônibus estava sucateado, havia previsão do resultado morte. Em um ônibus daquele jeito, sem freio, sem manutenção, poderia ocorrer a tragédia, como ocorreu.”
Falhas nos freios e a condução do veículo em alta velocidade foram apontados como prováveis causas do acidente, segundo a perícia no início das investigações sobre a causa do ocorrido. Para Beraldo, a proprietária da União do Vale e o gerente da manutenção sabiam ao menos do problema com o equipamento frenagem e, por isso, devem responder por crime na Justiça.
Segundo o advogado, sobreviventes do acidente e familiares das vítimas pretendem realizar uma manifestação na quarta-feira (8), no final da tarde, em frente ao Fórum de São Sebastião, para relembrar oito meses desde que o acidente aconteceu.
Em nota enviada à imprensa na tarde desta terça-feira (7), a União do Litoral declara que “juntou documentos que comprovam que a manutenção do coletivo estava em ordem”. A empresa ainda diz que pediu a um outro perito em trânsito que analisasse o caso. “O resultado […] demonstra que não foi a suposta e alardeada falta de manutenção nos freios do coletivo a causa do acidente. Foi, isso sim, uma fatalidade e a soma de diversos fatores, que conjugados, ensejaram aquela ocorrência.”
A companhia também afirma que oferece assistência às vítimas e familiares do acidente. “A União do Litoral prestou, desde o momento do acidente, toda a solidariedade e ajuda tanto financeira como de logística aos familiares das vítimas e às vítimas de lesões corporais. Tudo isso está registrado nos inúmeros documentos que comprovam a assistência dada.”
A reportagem conversou com o perito Márcio Montesani, engenheiro mecânico que fez a análise do caso para a União do Litoral. Segundo ele, a hipótese de causa do acidente defendida no inquérito -de que o veículo estava ultrapassado e com problema de manutenção- não parece provável. O especialista afirma que, devido às condições em que os tambores de freio do ônibus foram encontrados, há outras duas linhas para entender o acidente.
Na primeira possibilidade, o motorista estava em alta velocidade, acima do permitido, e, com a chance de colidir com outro veículo na estrada, desviou o veículo bruscamente, perdendo o controle até capotar. Na segunda hipótese, que também leva em conta velocidade maior do que o limite, o freio aqueceu, devido ao movimento, e não respondeu como deveria.
“O laudo mostra que, em grande parte do trajeto, o veículo estaria acima da velocidade máxima permitida. Em média, ele trafegava cerca de 30 ou 40% acima do permitido”, afirma Montesani. “Nessa situação, você aciona o freio de maneira mais frequente e intensa. Com isso, o que pode ter acontecido, pode ter ocorrido um aquecimento mais elevado do tambor do freio”, acrescenta.
Por volta das 23h30 de quarta (8), ônibus que levava estudantes tombou na rodovia Mogi-Bertioga (SP)
1. O ônibus seguia pela Mogi-Bertioga no sentido litoral, em trecho onde só há uma pista (existem duas pistas no sentido Mogi)
2. A neblina havia acabado após uma região da serra conhecida como “tobogã”, e a rodovia tinha boa visibilidade
3. Próximo a uma curva à direita, sem acostamento, ele ultrapassou um carro, chegando a encostar no veículo
4. Nessa hora, começou a balançar, indo de um lado para o outro, prestes a virar
5. Tombou, deslizou pela pista e bateu em uma rocha na margem da via, parando de lado em uma vala
O percurso até Mogi das Cruzes é feito todos os dias, com cerca de 250 universitários, por 6 ônibus fretados pela Prefeitura de São Sebastião
40 a 60 km/h é o limite de velocidade no trecho da serra da Mogi-Bertioga (40 km/h com pista molhada e 60 km/h em pista seca)
64 acidentes aconteceram na rodovia em 2016; neles, seis pessoas morreram
4 ônibus, pelo menos, tombaram neste ponto desde 2006, deixando 54 feridos e 4 mortos. O último foi neste ano, mas sem vítimas
Modelo do ônibus do acidente: Marcopolo Viaggio G6 1050
Empresa: União do Litoral
Ano de fabricação: 2005
Fontes: Prefeitura de São Sebastião, Polícia Rodoviária Estadual, DER, União do Litoral e Cezar Donizetti Vieira, 54, que dirigia o carro atingido pelo ônibus
Folhapress