O “PL do Veneno” continua indefinido após vetos de Lula que podem cair na volta do recesso no Congresso Nacional. A princípio, em fevereiro está prevista a retomada dos embates em torno da questão dos agrotóxicos no Brasil, embutida no projeto. Depois de 24 anos de idas e vindas, originalmente chamado Projeto de Lei (PL) 1459/2022 deve ter seu destino definido pelos parlamentares.
Apelidado por ambientalistas de “PL do Veneno”, o projeto foi proposto em 1999 pelo ex-senador Blairo Maggi (PP), que foi ministro da Agricultura de Lula e de Michel Temer. O projeto acabou sancionado pelo presidente Lula no final de 2023, mas com 14 vetos nos pontos mais sensíveis e criticados pelos ambientalistas.
Contudo, exatamente estes vetos desagradam a chamada bancada ruralista no Congresso. Por isso, a briga deve ser revigorada.
Ainda não se sabe que dia o assunto entrará na pauta. Inclusive porque somente medidas provisórias (MPs), que têm prioridade, são 20 já enfileiradas na pauta do Congresso.
Série especial
O projeto é o tema da última reportagem da série especial que o Diário de Goiás vem publicando sobre as polêmicas envolvendo os agrotóxicos, desde o dia 8 de janeiro.
Deputado federal do PT, partido do presidente da República, Rubens Otoni aponta para a evidência nacional e internacional da questão envolvendo o uso de agrotóxicos, alinhada em grande parte com os pontos que Lula vetou. Mesmo assim, admite que não vai ser fácil a tarefa de manter os vetos na volta do recesso.
Governo terá de articular, diz deputado petista
Ele afirmou ao Diário de Goiás que “o próprio governo terá que articular para que isso ocorra”. O deputado considera que a força do governo nesse sentido é superior à capacidade do PT e partidos alinhados de atrair votos pela manutenção dos vetos dentro do parlamento.
O deputado tem ciência das dificuldades. Especialmente tendo em vista a própria aprovação expressiva do PL na Câmara dos Deputados e no Senado Federal no ano passado.
Situação difícil igual ao Marco Temporal
Além disso, lembra Otoni, a aprovação do projeto do Marco Temporal (mudando o reconhecimento sobre as terras indígenas), que também tinha sido vetado por Lula, sinaliza igualmente o tamanho da dificuldade agora frente ao “PL do Veneno”.
“Temos que definir estratégias para minimizar os efeitos desse projeto já que não temos maioria para manter os vetos. E a sociedade precisa debater o assunto e criar mecanismos porque é um tema que merece uma blindagem maior para o bem da própria sociedade”, argumenta.
Uma das alternativas, caso os vetos ao “PL do Veneno” sejam derrubados, é a judicialização junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Talvez este recurso seja necessário porque, a despeito dos vetos, o governo vinha negociando com os ruralistas a aprovação do PL. A moeda de troca foi a Proposta de Emenda à Constituição do arcabouço Fiscal que já foi aprovada e sancionada.
Frente do agro articula derrubar vetos
Já a deputada federal do MDB, Marussa Boldrin, disse que a articulação para a derrubada dos vetos presidenciais ao PL 1459/2022 iniciou durante o recesso mesmo. Ela representa o agronegócio e é a vice-presidente pela Região Centro-Oeste da Frente Parlamentar da Agropecuária do Congresso.
“São 20 anos de debate e pesquisa até chegar a esse projeto. Temos todo um processo de pesquisa sobre novas moléculas para irem ao mercado [aguardando a vigência das mudanças]”, afirma ela. A parlamentar é agrônoma e também atua com pesquisa para o agronegócio.
Segundo a deputada, a bancada do agro está unida no propósito. “Temos grande chance da derrubada. Além de ser um tema em discussão há tantos anos, precisamos dar segurança jurídica para quem está produzindo, está investindo milhões de dólares há cinco, dez anos, e perdendo tempo por parte burocrática, por documentação”, sustenta ela.
Perguntada se há abertura para a manutenção de alguns dos vetos, ela disse que a intenção da frente sempre foi de “dialogar primeiro, antes de ir para o embate”.
De acordo com Marussa, somente após a volta do período regimental no Congresso os vetos serão analisados pontualmente pela Frente Parlamentar. Com isso, não sabe dizer, por enquanto, se questões como a manutenção do poder tripartite dos órgãos que aprovam ou não o registro de agrotóxicos seria negociável, como perguntou o DG.
Vetos mantiveram modelo tripartite
Em vigor desde 1989, a Lei de Agrotóxicos atual estabelece o sistema tripartite nas definições sobre registros de agrotóxicos. Nele, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), e o Ministério da Saúde, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estão ao lado do Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa).
Dessa forma, a exemplo de outros países, cada um dos três órgãos tem poder regulatório. Ou seja, atuam sobre as aprovações de agrotóxicos. Antes dos vetos, o que o PL propunha era desmontar esse sistema tripartite e concentrar no Mapa a palavra final.
Isso, mesmo sem o ministério ter pessoal suficiente nem o conhecimento técnico específico sobre os riscos sanitários e ambientais envolvidos em cada situação, que é uma das grandes críticas dos ambientalistas, por exemplo.
Divergência entre os ministérios
Fortalecido, o Mapa defendia a aprovação do projeto na íntegra. No sentido oposto, o veto foi defendido pelos ministérios da Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e até o da Fazenda.
Os 14 trechos foram vetados por Lula com a justificativa de que a ampliação do uso de agrotóxicos poderá apresentar riscos ao meio ambiente e à saúde humana. Agora os vetos serão apreciados no Congresso na volta do recesso parlamentar que acontece em fevereiro
A mudança mais gritante no PL 1459/2022, vetada pelo presidente, era exatamente a que limitava o papel da Anvisa e do Ibama. Ambos não participariam mais do registro de novos agrotóxicos se não fosse o veto presidencial. Se o veto cair, o risco se torna realidade, a menos que surja uma mudança via judicial.
Além disso, o esvaziamento da competência dos dois órgãos federais também se estendia à reavaliação de pesticidas já autorizados, mas cujos efeitos nocivos tenham sido objeto de novas pesquisas científicas.
Enfraquecimento é o risco
O risco de retirada de poder de técnicos e cientistas das duas áreas na tomada de decisão sobre agrotóxicos preocupa ambientalistas e profissionais da saúde.
As fabricantes de defensivos foram dispensadas de colocar nas embalagens a advertência de que o recipiente não pode ser reaproveitado, o que foi interpretado como autorização para o reuso dos vasilhames de agrotóxicos, algo inaceitável pelos órgãos de saúde e pesquisa. E esse é outro ponto polêmico que foi vetado.
Mais de 20 organizações protestaram contra “PL do Veneno”
Especializada no assunto, a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) por exemplo, não mediu as palavras. A Fiocruz acusou a tentativa de cercear as duas instituições de “colocar a vida da população em risco”. Ainda em outubro, a fundação enviou comunicado ao Senado Federal, onde o PL tramitava em fase final, com o alerta.
Outras organizações, somando mais de 20, também se manifestaram contra o projeto. O Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Conselho Nacional de Saúde, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), foram algumas.
A Abrasco enviou manifestação ao presidente alertando para o “agravamento que advirá às inúmeras ameaças à saúde, ao ambiente e aos direitos humanos”. Também foi reforçada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida”, e o lançamento do Atlas dos Agrotóxicos no Brasil, citados pela reportagem do DG.
Mesmo assim, as novas regras foram aprovadas pelo Senado em novembro, com apenas um voto contrário. Aí coube ao presidente o enfrentamento dos insatisfeitos no mês seguinte.
Associação das fabricantes se manifesta
Se declarando surpresa com os vetos, a CropLife Brasil (CLB) – uma associação reunindo especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nas áreas essenciais de germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos – se manifestou logo após os vetos, no fim do ano passado. De cara, informou que faria a articulação parlamentar pela derrubada.
Para as associadas, por exemplo, a liderança do Mapa garantiria “maior previsibilidade para o setor privado e eficiência para a administração pública”. De acordo com nota divulgada pela CropLife Brasil, isso poderia ocorrer sem que houvesse prejuízo aos rígidos critérios técnico-científicos da Anvisa e do Ibama.
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