O deputado federal Gustavo Gayer (PL) foi indiciado pela Polícia Federal (PF) nesta quinta-feira (11) no inquérito que investiga uma associação criminosa para desviar recursos públicos por meio das cotas parlamentares. A denúncia também atinge um filho e vários assessores do deputado, segundo confirmou ele próprio em vídeo enviado pela assessoria ao Diário de Goiás.
Conhecida também como verba indenizatória, a cota parlamentar deve ser usada por deputados em atividades e gastos relacionados ao mandato, tais como passagens aéreas, aluguel de carros, combustível e alimentação, entre outras despesas funcionais.
Gayer foi alvo de operação em 2024
Gustavo Gayer foi alvo de operação da PF em outubro do ano passado. A Diretoria de Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor) da PF apura a falsificação de documentos para criação da Organização de Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) usada pelo gabinete do deputado.
Segundo as investigações da PF, a associação criminosa usou documentos falsos para criar a Oscip com o objetivo de beneficiá-la com recursos da cota parlamentar de Gayer. E o deputado é apontado como o mentor e líder do esquema.
Ao pedir autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), a PF argumentou que, “no caso concreto, identificou-se com nitidez que Gustavo Gayer era quem dava a última palavra (autoria intelectual)” para a montagem de um esquema de fachada para desviar recursos públicos.
Crianças de 01 a 09 anos eram sócias
No relatório da PF enviado ao STF, a PF afirma que o quadro social da organização era formado por crianças de 01 a 09 anos.
De acordo com a apuração feita pela PF na Operação Discalculia – alusiva a um transtorno de aprendizagem relacionado a números – foi identificada falsificação na Ata de Assembleia da constituição da OSCIP, consistente em data retroativa que seria equivalente ao ano de 2003.
Os crimes que foram investigados pela PF na operação são os mesmos dos quais Gayer foi indiciado: associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e peculato.
Na operação, PF apreendeu R$ 70 mil em dinheiro vivo com um assessor de Gayer. Ao todo, a corporação cumpriu 19 mandados de busca em Brasília e em mais quatro cidades de Goiás: Cidade Ocidental, Valparaíso de Goiás, Aparecida de Goiânia e Goiânia.
Deputado envia vídeo
Procurado, o deputado optou por enviar pela assessoria um vídeo de 10 minutos. Nele Gayer cita o indiciamento do filho e de “quase todos os assessores”, faz ataques à PF e ao STF, especialmente ao ministro Alexandre de Moraes, sobre quem ironiza, fala sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro e faz um histórico para dar sua versão sobre o caso que levou ao indiciamento dele.
Gustavo Gayer é cotado na disputa para o Senado em Goiás pelo PL em 2026.
Relembre o caso
O caso começou a ser apurado após a prisão de João Paulo de Souza Cavalcante, ligado a Gayer, que foi acusado de ter financiado os atos golpistas de 8 de janeiro de 2022 em Brasília. No celular dele, segundo a PF, foram capturadas mensagens que revelavam “condutas ilícitas” praticadas por Gustavo Gayer. A suspeita foi de que inclusive o parlamentar tenha desviado recursos públicos para ajudar no financiamento dos atos antidemocráticos.
Em um trecho de diálogo, o próprio João Paulo, que participa ativamente dos esquemas, destaca que está preocupado com o nível de risco. Ao secretário parlamentar de Gayer, Marco Aurélio Alves Nascimento, João Paulo afirma: “Eu fico preocupado. Já falei para o Gustavo, um dia chamei a atenção dele sobre a questão da escola de inglês, mas fica tendo aula, sabe (…) Ou seja, a escola tá sendo paga com recurso público (…) nesse sentido a gente tá pregando uma coisa e tá vivendo outra… infelizmente a gente tem muitas coisas erradas acontecendo aí”.
Organização inativa foi reaberta para receber verba pública
As investigações apontaram que Gayer e sua equipe adquiriram a “Associação Comercial das Micros e Pequenas Empresas de Cidade Ocidental” (ASCOMPECO), uma entidade inativa que foi reativada e reorganizada para se adequar aos requisitos legais para o recebimento de verbas públicas. De acordo com o inquérito, documentos como atas de reuniões foram falsificados para legitimar o funcionamento da entidade e garantir sua certificação como uma OSCIP.
Para operacionalizar o esquema, a PF afirma que Gayer organizou a ASCOMPECO com uma diretoria formada por pessoas próximas a ele e a seus assessores. O grupo, conforme apontado na investigação, gerenciava a organização como fachada. Segundo a PF, a ASCOMPECO funcionava formalmente como uma entidade sem fins lucrativos, mas, na prática, servia para canalizar verbas parlamentares que eram desviadas para atender a interesses privados do deputado e de seu grupo.
Entre as práticas ilícitas que teriam sido identificadas, a investigação aponta que o desvio de recursos ocorria por diferentes métodos fraudulentos. Um dos mecanismos utilizados foi a contratação de uma empresa de fachada, para atuar oficialmente como prestadora de serviços de publicidade e marketing.
No entanto, na realidade, a PF afirma que essa empresa assumia atividades típicas de assessoria parlamentar, como o gerenciamento da agenda do deputado. Essa prática permitia repasses de verba pública para João Paulo de Sousa Cavalcante, que, apesar de atuar como assessor, estava impedido de ser oficialmente contratado pelo gabinete.
Outro aspecto denunciado pela investigação é o uso da cota parlamentar para fins privados. Segundo a investigação, o gabinete político de Gayer em Goiânia era utilizado para atividades de empresas de propriedade do deputado ou parentes. Uma delas é a Loja Desfazueli marca criada para fazer oposição ao presidente Lula, ligada a Gabriel Sander de Araújo Gayer, filho do parlamentar. Além dela, também está a escola de inglês Gayer Language Institute, do deputado.
A apuração chegou a documentos que demonstrariam que secretários parlamentares, pagos com recursos públicos, desempenhavam funções nessas empresas, configurando o uso indevido de verbas destinadas ao exercício do mandato legislativo.
Manipulação de associação
Além disso, a investigação detalha o processo de manipulação da associação ASCOMPECO. Por meio da reativação e da adulteração de documentos, a entidade foi qualificada para captar recursos de emendas parlamentares, que, na teoria, deveriam ser destinados a projetos de interesse social. Contudo, conforme a denúncia, esses fundos foram redirecionados para interesses privados ligados ao deputado, o que caracteriza crimes de peculato-desvio, falsificação de documentos e associação criminosa.
Os indícios de irregularidades envolvendo a ASCOMPECO, segundo a denúncia, são substanciais e incluem provas documentais e testemunhais que apontam para a existência de uma estrutura organizada para o desvio de recursos públicos. As autoridades sustentam que o esquema tinha como objetivo camuflar a apropriação indevida de verbas, mascarando os reais beneficiários e dificultando o rastreamento do dinheiro desviado.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos demais indiciados. O espaço permanece aberto para a versão deles.
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