“Congelar os recursos das universidades públicas significa congelar também essa atividade de pesquisa e pós-graduação, que são essenciais para o desenvolvimento do país”, afirmou o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Orlando Amaral, em entrevista ao Diário de Goiás.
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Para o reitor, o governo federal deverá decidir se irá cumprir as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014, que vale até 2014. Segundo Orlando, com a diminuição ou congelamento de recursos para a Educação, sobretudo a Educação Superior, não será possível atingir as metas.
“Uma das metas para a Educação Superior é que o Brasil, que hoje tem apenas 17% dos seus jovens na faixa etária de 18 a 24 anos matriculados em universidades públicas ou privadas, que esse percentual passe a 33%. Uma meta como essa obviamente demanda investimentos. Se você congela o orçamento das universidades por um período de 20 anos é praticamente impossível atingir uma meta como essa. É como se estivéssemos dizendo ‘Estamos abandonando essa meta do PNE’”.
De acordo com Orlando Amaral, caso a PEC 55 seja aprovada no Congresso Nacional, não haverá mais a garantia de um percentual dos tributos arrecadados pelo governo federal que são destinados à Saúde e Educação.
“É uma insegurança, o que vai em direção contrária ao que existe hoje. E nada garante […] que o Ministério da Educação ou da Saúde vão ter um tratamento diferenciado, com orçamento maior do que o de outros. Tudo indicado que nós teremos uma regra que vai restringir o orçamento da Universidade, talvez a correão pela inflação por um período de 20 anos. Essa é a grande preocupação”, ressaltou.
Altair Tavares: O senhor fez uma crítica contundente à PEC 55 baseada em quais pontos?
Orlando do Amaral: Qual é a essência da Proposta de Emenda Constitucional? É o Brasil adotar um novo regime fiscal e nesse novo regime fiscal, que está estabelecido na PEC, agora, 55, é uma definição do orçamento anual da União com um reajuste anual desse orçamento baseado na inflação do período precedente, por um período de 20 anos. Essa é a essência da PEC. O que ela traz de preocupações? Que ao se propor um regime como esse, diga-se de passagem, isso vai valer para cada um dos poderes da União: Executivo, Judiciário e Legislativo; de forma individualizada. O orçamento do Executivo será corrigido anualmente pela inflação, da mesma forma que do Judiciário e Legislativo e outras instituições do Estado. Mas dentro do Executivo existem vários ministérios, órgãos vinculados. A correção que será feita será no global do orçamento do Executivo. Como essa regra da correção pela inflação vai se distribuir entre os vários ministérios? Isso é o governo que vai decidir. Ele pode, se quiser, priorizar o Ministério da Educação e aí termos um tratamento diferenciado e um orçamento que pode ser, inclusive, além da inflação. Mas a pergunta é: será que o Ministério da Educação, na disputa entre os vários outros ministérios, terá condições de conseguir isso? A nossa dúvida é de que na disputa, no orçamento que vai ser limitado pela correção da inflação, se o Ministério da Educação, da Saúde e outros ministérios mais ligados às áreas sociais terão forças suficiente na queda de braço com os outros ministérios, da Fazenda, de Minas e Energia, do Planejamento, ter força para tirar uma parte mais significativa desse orçamento para que a Educação e Saúde possam de fato ter uma correção no seu orçamento que permita esses ministérios atender às carências do Brasil nessas duas áreas em particular.
Altair Tavares: Pode gerar certa insegurança orçamentária?
Orlando do Amaral: É uma insegurança, o que vai em direção contrária ao que existe hoje. Hoje existe um dispositivo constitucional que garante um percentual dos tributos arrecadados pelo governo para Educação e Saúde. Com essa nova regra, nós perdemos essa vinculação dos recursos destinados à Educação e Saúde. Então, quando se vai para a disputa geral do bolo, que vai ser limitado pela correção e inflação, nós não sabemos. O governo, muitas vezes, o ministro da Educação, o próprio presidente, o ministro da Saúde, em algumas oportunidades, dizem que a PEC em si não determina diminuição de recursos da Educação e Saúde. O que é verdade. Mas o orçamento do Executivo vai estar limitado por essa regra que é muito dura. Por conseguinte, na melhor das hipóteses, digamos que fosse distribuído igualmente para todos os ministérios, todos eles teriam seu orçamento corrigido pela inflação, o que já é muito duro, mas pode ser que inclusive um ou outro ministério tenha orçamento maior ou menor dependendo das prioridades do governo. E nada garante, porque não há uma regra estabelecida para isso, que o Ministério da Educação ou da Saúde vão ter um tratamento diferenciado, com orçamento maior do que o de outros. O que não acontece hoje. Hoje tem a regra bem definida, que é do recurso dos tributos arrecadados pela União, 18% são destinados à Educação. Tirados recursos, são repassados aos Estados e municípios. Então, tem uma regra bem definida e com ela a gente tem uma certa tranquilidade, digamos, de saber qual será o orçamento. Nessa nova regra, nós não sabemos. Tudo indica que nós teremos uma regra que vai, de fato, restringir o orçamento da Universidade, talvez a correção pela inflação, por um período de 20 anos. Essa é a grande preocupação.
Altair Tavares: Para 2017, a UFG já cortou em seu orçamento?
Orlando do Amaral: Esse é um detalhe importante e é uma questão que envolve dados técnicos que a gente tem que, infelizmente, entrar em detalhes. O governo disse, com razão, que o orçamento do Ministério da Educação para 2017 é o orçamento deste ano corrigido pela inflação. Porque é verdade. O orçamento de 2017 do Ministério da Educação é maior do que o de 2016. Mas se a gente vai no detalhe para saber qual o orçamento das universidades para 2017, para manutenção das atividades da universidade que é distribuído pelo governo, o recurso é menor que o de 2016. Então, embora o orçamento do MEC esteja corrigido pela inflação ou aproximadamente pela inflação, o orçamento para manutenção das universidades não está sendo corrigido pela inflação. Porque isso? Na verdade, o Ministério da Educação, com vários outros ministérios, mas sobretudo Educação, tem um contingente muito grande de professores contratados, técnicos. Então, boa parte do orçamento do MEC é para pessoal. E o orçamento de pessoal tem os aumentos salariais, o crescimento vegetativo da folha. Então, boa parte desse aumento vai para os compromissos com folha de pagamento. E a manutenção da universidade, que é essencial para o dia-a-dia, esse montante para 2017 é menor que o de 2016 num percentual de 6,7%.
Altair Tavares: Na prática, isso é um efeito da PEC?
Orlando do Amaral: Na prática, para o ano que vem a área de Educação e Saúde foram excepcionalizadas da regra da PEC, não está valendo ainda. Mas mesmo não valendo, já estamos assistindo uma diminuição dos recursos para manutenção. Não do MEC como um todo. Porque o MEC tem universidades, Institutos Federais, vários outros, Fies, Prouni, são vários órgãos e instituições dentro do MEC que também vão entrar na disputa por esses recursos. E nós não temos mais, como tínhamos até agora, essa garantia constitucional, um percentual estabelecido pela Constituição para Educação e Saúde.
Altair Tavares: Das instituições de ensino superior, a voz que o senhor coloca é unânime no sentido de questionar essa PEC?
Orlando do Amaral: Eu diria que é uma unanimidade entre os reitores, entre a própria associação que representa os reitores, que é a Andifes, que é a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Há um consenso de que a aprovação da PEC trará prejuízos para a educação de maneira geral e para as universidades. Um detalhe importante a se comentar é que nós temos um Plano Nacional de Educação, que foi aprovado em 2014 e tem vigência de dez anos, até 2024, que estabelece uma série de metas muito importantes para todos os níveis de educação, da Educação Básica à Educação Superior, e uma das metas para a Educação Superior é que o Brasil, que hoje tem apenas 17% dos seus jovens na faixa etária de 18 a 24 anos matriculados em universidades públicas ou privadas, que esse percentual passe a 33%. Então, a meta do Plano Nacional de Educação é que se dobre.
Altair Tavares: É ousada essa meta.
Orlando do Amaral: É muito ousada e necessária. Porque o percentual de 17% de jovens nessa faixa etária no Ensino Superior é muito baixo. Se você compara com Finlândia e Japão, é 50% ou mais. Então, esse percentual é muito baixo. Então, do ponto de vista estratégico para o Brasil retomar o crescimento, ter base para crescer e ser um país sólido e forte do ponto de vista econômico e social, precisa atingir essa meta, entre outras. E uma meta como essa obviamente demanda investimentos. Se você congela o orçamento das universidades por um período de 20 anos, é praticamente impossível atingir uma meta como essa. É como se estivéssemos dizendo “Estamos abandonando essa meta do PNE”. O que do meu ponto de vista e dos reitores, é um erro estratégico.
Altair Tavares: Dados de 2015 apontam investimento do PIB na educação com pouco mais de 5%. Recentemente, uma projeção do Plano Nacional de Educação é de 10% do PIB. Há uma distância grande.
Orlando do Amaral: É uma distância gigantesca. Na verdade, para atingir as metas do PNE, e essa meta de aumentar o percentual do PIB aplicado em Educação, seria essencial, porque ela que daria suporte ao cumprimento dessas metas, que são muito ousadas em relação à Educação Superior e os outros níveis também.
Altair Tavares: Essa ampliação implicaria que as escolas públicas de ensino superior tivessem um crescimento grande, o que demanda recursos.
Orlando do Amaral: Demanda recursos. É bom que se esclareça também que uma meta como esta, de dobrar o número de alunos nessa faixa etária na Educação Superior, envolve não apenas a universidade pública, mas também a particular. Esse aumento teria que ocorrer nas instituições públicas e privadas porque só a pública não seria capaz de alcançar esse objetivo. Porque hoje no Brasil, da ordem de 75% ou pouco mais dos alunos na Educação Superior estão nas universidades privadas. Apenas 25% dos alunos que estão nas universidades públicas. Então, quando se fala em dobrar o número de alunos nessa faixa etária, fala-se em dobrar não apenas na escola pública, mas também na escola particular. Mas no que nos toca, em particular, em relação à PEC é que dentro do segmento público esse aumento teria que ser dessa magnitude, é necessário pelo menos dobrar o número de alunos das universidades públicas nesse período de dez anos, que agora são menos.
Altair Tavares: O discurso de que o governo quer privilegiar a extensão do ensino privado e segurar o ensino público tem sentido?
Orlando do Amaral: Há uma preocupação que eu acredito que seria fundada em relação a esse tipo de questionamento. Se o Plano Nacional de Educação, que está em vigência, e o objetivo do governo é fazer cumprir as metas do PNE, obviamente ele teria que investir mais na educação pública. Se ele não faz isso na educação pública, com essa regra estabelecida pela PEC, se ainda quiser atingir esse objetivo, terá que fazer isso por meio das universidades particulares. Então, há uma preocupação fundada, sim, de qual é o objetivo do governo: fazer essa expansão para alcançar essa meta no setor público e no privado ou deixar que essa meta seja atingida com ampliação de vagas no setor privado? Se for esse o direcionamento, é muito ruim para o país porque todos sabemos que grande parte da pesquisa que é feita no país é feita nas universidades públicas. As escolas privadas têm um papel importante na formação de pessoas, mas quando você vai para o ambiente de pesquisa, grandes laboratórios, a pós-graduação, está concentrado nas universidades públicas, quase na totalidade. Nas universidades privadas a atuação é muito limitada nessas áreas, até porque são necessários investimentos muito altos. Então, esse papel é reservado às universidades públicas. Congelar os recursos das universidades públicas significa congelar também essa atividade de pesquisa e pós-graduação que são essenciais para o desenvolvimento do país.
Altair Tavares: O governo de Michel Temer tem conseguido aprovações com grande margem. É provável que a PEC também caminhe para esse sentido. Já devemos nos acostumar com essa realidade? A sociedade precisaria dialogar mais?
Orlando do Amaral: Eu acho que a universidade brasileira, a nossa universidade, a Universidade Federal de Goiás (UFG) cumpriu um papel importante de ampliar esse debate, aprofundar o debate sobre as repercussões da adoção desse novo regime fiscal, que é previsto na PEC. Acho que foi um papel importante, talvez a voz que mais ecoou de críticas à adoção dessa aprovação da Emenda Constitucional. De fato, o governo tem uma base muito sólida, isso ficou demonstrado na aprovação dessa proposta na Câmara. O governo teve a maioria muito expressiva. No Congresso, é provável que isso ocorra também dada a atual base do governo. Mas isso não diminui o nosso papel, que é muito importante, de toda a comunidade universitária, daqui e de outras localidades, de procurar esclarecer a população, a comunidade interna e externa, os próprios representantes nossos na Câmara e no Senado, dos efeitos danosos dessas medidas para as áreas sociais do governo. Acho que cumprimos um papel. Se isso vai resultar em alguma alteração, no texto da proposta ainda há que se ver. Nosso trabalho tem sido nesse sentido. Se foi essa a intenção do governo, de fato, de fazer esse ajuste dessa forma, que pelo menos a área da Educação e Saúde sejam preservadas por algum mecanismo.
Altair Tavares: Há pressão para essa preservação?
Orlando do Amaral: Isso. Nosso papel agora é convencer o governo de que na disputa das prioridades estabelecidas, as áreas de Educação, Saúde e sociais não sejam engolidas por outras áreas do governo.