A nova matéria da série de diálogos trocados entre pessoas envolvidas na operação Lava Jato, como procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro mostram que a Força Tarefa ignorou algumas conversas captadas em tempo real e na integralidade que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva tinha com até então presidente Dilma Rousseff (PT). Moro também utilizou a gravação de uma conversa que bombardeou o país e praticamente selou a iminência do impeachment e praticamente impediu que Lula assumisse o Ministério da Casa Civil. Também mostra um Lula relutante em aceitar o cargo mas disposto em conciliar a crise e manter conversas com o então vice-presidente, Michel Temer (MDB).
A reportagem foi publicada neste domingo (08/09) pela Folha de São Paulo, parceira na apuração das conversas adquiridas pelo site The Intercept. Era 16 de março de 2016 quando Lula sinalizou positivamente à Rousseff o aceite ao cargo à ministro da Casa Civil. Não era o primeiro convite para integrar o governo. Em conversa com uma assessora, adquirida pela reportagem da Folha, Lula falou sobre seu desconforto. “Diz que acabou de se foder” e que tinha “mais incerteza do que certeza”. A preocupação foi manifestada com outras pessoas da sociedade civil, mas para outros políticos a narrativa era outra: estava animado em ajudar Dilma a recompor a base do governo e dar ânimo para o restante da gestão.
Ele sinalizou até que poderia tentar uma conciliação com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB) com quem Dilma havia rompido meses antes. Em uma conversa com Temer, Lula pediu para que preparasse o “uísque e gelo”. O tom da conversa parecia ser amigável e Temer falou que sempre “teve um bom relacionamento” com Lula.
Apesar disso, naquele dia 16 de março, uma ligação foi publicizada após autorização do então juiz Sérgio Moro. Dilma que estava enviando a Lula um “termo de posse” para “uso em caso de necessidade”, por meio de um assessor, o “Messias”, numa conclusão que ficou cravado nos anais do impeachment: “Tchau, querida”, terminou Lula.
A ligação telefônica foi feita às 13h32, mas horas antes Moro já havia determinado o fim das escutas telefônicas por ver que os grampos tornaram-se desnecessários após as buscas na casa do ex-presidente Lula semanas antes, quando ele foi conduzido coercitivamente pela PF Para depor em São Paulo. O Supremo Tribunal Federal (STF) também não havia sido informado da divulgação.
O procurador Eduardo Palella, chefe de gabinete do então procurador geral da República, Rodrigo Janot chegou a entrar em contato com Dallagnol para compreender o que havia acontecido, visto que ninguém sabia nada. “Vocês sabiam do áudio da Dilma? Moro não menciona na decisão. E a gente não falou sobre isso”, questionou. “Parece que foi hoje cedo”, respondeu Deltan. Palella manifestou seu espanto: “Putz”.
Membros da força tarefa também colocaram dúvidas na legalidade do vazamento. Eles passaram a discutir em torno delas após o PT passar a se manifestar em várias cidades do Brasil. Dilma, advogados de Lula e outros juristas também começaram a questionar a forma como foi feito. Além da ligação ter sido feita após o Moro decidir pelo término do grampo, o fato de Dilma ser a presidente em curso também deu musculatura à defesa de Lula e de petistas. “Estou preocupado com moro! Com a fundamentação da decisão”, disse o procurador Orlando Martello no Telegram. “Vai sobrar representação para ele.”
Outros procuradores seguiram a mesma linha. “Vai sim”, respondeu Carlos Fernando. “E contra nós. Sabíamos disso”. A procuradora Laura Tessler preferiu ir por outro caminho: caso sofressem represálias ou sobrasse para Moro ter de responder algo, sugeriu que os procuradores pedissem demissão coletiva. Em sua tese, a Força Tarefa tinha ganhado grandes proporções e eles contavam com o apoio popular. A demissão coletiva poderia causar uma onda de protestos. Jogar para a platéia era uma boa forma de suplantar as ilegalidades jurídicas manifestadas.
‘Prepara o whiskey’
Quando aceitou o cargo de ministro da Casa Civil, Lula começou a fazer seus contatos tentando melhorar a relação do governo com outros parlamentares. Decidiu telefonar para Michel Temer, então vice-presidente e tido como um dos principais articuladores do impeachment. O que se vê no registro das conversas publicadas conseguidas por meio dos relatórios da Polícia Federal é um vice-presidente disposto a colaborar. Disse que tinha um “bom relacionamento” com o Lula e estava disposto a se reunir com ele.
Os registros da PF ainda mostram um certo teor amigável e descontraído entre os dois. Lula chega a perguntar se Michel Temer ainda tem whiskey no seu gabinete. O futuro presidente responde que já havia tomado um pouco mas que tinha sim. ‘Prepara o whiskey e gelo”, pediu Lula na sequência. As reuniões nunca chegaram a acontecer.
Após a divulgação da ligação entre Lula e Dilma, o Supremo Tribunal Federal impediu que o ex-presidente tomasse posse. A relação do governo com à Câmara se deteriorou ainda mais e foi o estopim para o processo de impeachment encerrado meses depois, em 2016.