“Não esperem da Vale nada. Vocês que vão conseguir, unidos, resolver o problema de vocês”, disse o promotor do Ministério Público de Minas Gerais, André Sperling, a cerca de 200 atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, na sexta (25), em Brumadinho.
Na tarde desta segunda (28), os atingidos do bairro Parque da Cachoeira fizeram sua segunda assembleia sobre o caso e receberam orientação do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Movimento dos Atingidos por Barragens.
Uma funcionária da Vale, designada para ser o canal com aquela comunidade, também participou e respondeu a questionamentos dos moradores, prometendo resolver problemas. Foi a primeira comunicação direta efetiva da mineradora com os atingidos da região desde sexta.
Lauriane Pereira, 34, perdeu a casa em que vivia com o marido e dois filhos. “Não levamos nem documento”, conta ao narrar a correria quando viram a lama se aproximando. Cerca de 30 casas foram destruídas no bairro.
Ela não sabia, por exemplo, que existe um centro de apoio da Vale em Brumadinho, onde ela pode solicitar estadia em hotel. Atingidos e familiares de vítimas reclamam da falta de informações por parte da empresa.
A família está vivendo na casa de um pastor do bairro. “Agora eu estou lutando para eles [a Vale] alugarem uma casa para mim aqui no bairro. Eles falaram para eu escolher o imóvel e passar para eles.”
Foi no domingo (27) à tarde que representantes da Vale estiveram no centro comunitário do bairro com a intenção de cadastrar os atingidos. O cadastro, segundo o Ministério Público, trazia perguntas indevidas, como levantamento de itens perdidos.
Na opinião dos promotores, é preciso que os atingidos forneçam dados básicos para terem demandas emergenciais (como abrigo) atendidas, mas o momento de listar todas as perdas seria posterior, e não deve ser feito pela Vale.
A partir da recusa dos atingidos em fazer os cadastros, organizou-se uma primeira assembleia e ficou definido que a comunidade, os órgãos públicos e a empresa se reuniriam novamente nesta segunda para listar demandas e estabelecer uma comissão de representantes.
A recomendação de não fazer os cadastros, assim como muitas outras passadas na assembleia, ecoa o aprendizado com Mariana. Os atingidos pelo rompimento da Samarco não sentiram que o cadastro de perdas conseguia abranger todos os seus danos. O Ministério Público questionou e negociou com a mineradora ponto a ponto de um novo cadastro –mas isso se arrasta por três anos.
“Não é o momento de fazer cadastramento com a Vale. Vocês vão buscar indenização por meio de uma assessoria técnica escolhida por vocês, com assistente social, advogado, engenheiro. Não é a Vale que vai dizer o direito que vocês têm, são vocês”, completou Sperling.
O primeiro acordo entre Samarco, BHP e Vale, feito com os governos federal e estadual em março de 2016 e que estabeleceu a Fundação Renova, não previa assistência técnica aos atingidos, o que, para a Defensoria Pública e o Ministério Público, levava a uma negociação desigual com a empresa, gerando abusos e violações de direitos.
Somente em novembro de 2017, dois anos após a tragédia, os órgãos públicos conseguiram que as mineradoras bancassem assistência técnica a todos os atingidos. Em junho de 2018 foi assinado um acordo mais amplo, que prevê a participação dos atingidos nas decisões da Renova.
Para evitar que os atingidos de Brumadinho levem tanto tempo para ter sua voz ouvida, os promotores e defensores já orientaram que eles se mantenham unidos e escolham uma assessoria técnica. Em Mariana, quem faz esse trabalho é a Cáritas e a Fundação Ford. No restante da Bacia do Rio Doce, esse trabalho ainda está sendo implementado.
“A gente tem uma bagagem do acidente de Mariana e o que a gente percebeu é que muitos erros estão propensos a acontecerem aqui igual aconteceram lá. A nossa atuação aqui é desde o início para tirar o protagonismo das empresas e passar para os atingidos. A gente quer evitar uma reedição, uma Renova 2.0”, disse Aylton Magalhães, defensor público de Minas Gerais.
“Nada vai ser de mão beijada. Vocês precisam formar uma comissão e se manter unidos. Normalmente, os culpados tentam dividir a comunidade, por exemplo, dando auxílio emergencial para uns e não para outros”, afirmou Sperling, também antevendo situações de Mariana.
Em sua fala à comunidade, o promotor ainda defendeu uma negociação extrajudicial com a Vale, já que as ações judiciais são lentas.
DEMANDAS
A reunião teve momentos de tensão (“vamos lá na Vale quebrar tudo”) e de serenidade (“temos que respeitar os funcionários da Vale, eles também perderam amigos”). Chegou a haver uma interrupção porque uma luminária queimou e soltou fumaça -as pessoas correram achando que era incêndio.
Durante três horas, a assembleia prosseguiu com atingidos fazendo questionamentos e listando demandas. Uma delas, por exemplo, já não estava sendo cumprida pela Vale: que os funcionários estivessem identificados.
Em meio a pedidos de que a empresa deveria ter um representante ali para responder, Cleuza Jesué, gerente da parte ambiental, saiu da plateia e se apresentou como porta-voz para aquela comunidade.
Outros pedidos da comunidade, feitos no domingo, a empresa já tinha providenciado: uma tenda e cadeiras para a realização da assembleia e distribuição de marmitas.
Moradores que tiveram parte da casa invadida pela lama querem saber, por exemplo, quando o rejeito será retirado. Agricultores querem saber de quê vão viver com as plantações soterradas. Vizinhos à lama querem saber se podem voltar para suas casas ou se há risco.
Jesué não teve respostas para essas perguntas. Mas prometeu outros encaminhamentos, alguns em até 24 horas: montar uma cozinha comunitária, fazer análise química da água e da lama, montar um posto de atendimento da Vale no bairro, prestar atendimento médico, posto policial para evitar saques das casas sem moradores, quadro com telefones de contato da Vale e até melhorar a internet.
Um representante da Defesa Civil também foi questionado sobre áreas de risco e sobre uma avaliação na estrutura das casas parcialmente atingidas, o que até agora não foi feito.
A Copasa, estatal de água, enviou um representante para atestar que a água é segura, pois vem de poço e não de lençol freático. Disse ainda que o governo isentou temporariamente os moradores do local da conta de água em solidariedade. Representantes da prefeitura e do governo de Minas não se mostraram presentes na reunião.
Em entrevista à imprensa, Jesué confirmou que a empresa só teve conhecimento das demandas em Parque da Cachoeira no domingo. “Estamos trabalhando em campo, são várias frentes de trabalho, é quase que impossível no mesmo dia atingirmos todas as localidades”, respondeu sobre a demora. (CAROLINA LINHARES, BRUMADINHO, MG (FOLHAPRESS)