Dirigente nacional da Rede, Martiniano revela que conversa para apoiar empresário está apenas no início. As declarações foram dadas em entrevista publicada no Jornal Tribuna do Planalto.
Martiniano Cavalcante (PSB) é figura política conhecida na esquerda goiana. Já foi candidato a deputado federal, estadual, governador, prefeito de Goiânia e, por muito pouco, não foi candidato à presidência da República em 2010 pelo Psol. Hoje, participa da Comissão Nacional da Rede Sustentabilidade, partido ainda não oficializado e capitaneado pela ex-ministra Marina Silva (PSB). Como grande parte dos militantes da Rede, Martiniano se filiou ao PSB e negocia com o empresário Vanderlan Cardoso – pré-candidato do partido do governo do Estado -, a participação efetiva de seu grupo no projeto. Na entrevista a seguir, concedida por Martiniano à equipe da Tribuna em sua residência, o redista diz que o mais importante para fechar acordo com o Vanderlan é a defesa por parte do empresário de um plano que dê liga com as resoluções da Rede. “Tivemos diálogo, apresentamos nossas posições e estamos esperando um retorno do PSB”, ressalta.
Tribuna do Planalto – O senhor até pouco tempo militava no PSOL e acabou indo para o projeto Rede Sustentabilidade. Por que a mudança?
Martiniano Cavalcante – Na verdade, eu não mudei. Minha militância começou aos 16 anos no PCB. E comecei minha militância com uma ideia de emancipação social no país, com uma atualização da agenda política. Manter a perspectiva de mudança, mas adquirir potência. Isso me levou à trajetória de ter sido fundador do PSTU, fundador do PSOL e fundador da Rede. Embora ela não tenha se legalizado é, de fato, um partido no Brasil. Sempre polemizei com as forças de esquerda revolucionalistas. Eu não só defendi a candidatura de Marina em 2010, como também fui pré-candidato à presidência da República em uma agenda, propondo uma pauta, e ganhei nas prévias internas dentro do partido, mas fui barrado no aparelho partidário. Defendia uma pauta de ampliação do diálogo, transformações democráticas, emancipação social, preservação ambiental e sustentabilidade. Era uma agenda que dava continuidade a essas lutas histórias do povo brasileiro, e não uma que ficaria tentando se diferenciar a qualquer custo e que fica brincando de propor um programa de estatização das coisas, esse tipo de ridicularidade que a candidatura do PSOL em 2010 acabou protagonizando. Há pessoas acharam aquilo maravilhoso, eu achei que aquilo só funciona para quem é ególatra. (Risos)
Aquele racha que o Psol teve entre o sr. e Heloísa de um lado e Plínio Arruda Sampaio de outro foi determinante para esse afastamento do PSOL?
Foi ali que houve a diferenciação fundamental. Havia outras, mas aquela foi excepcional. Citei o exemplo do Brizola, mas há outro: Capiberibe, ex-governador do Amapá. Um homem absolutamente progressista, que pegou em armas contra a ditadura, sofreu bastante na cadeia e, quando voltou, ganhou a eleição maravilhosamente. Não é possível imaginar que vai-se realizar os sonhos da humanidade dessas lutas com um golpe de Estado sanguinário, violento e autoritário.
Agregar ao PSB do Eduardo Campos foi a melhor saída para a Rede?
É difícil dizer isso agora. Em geral, as pessoas, quando dão entrevista sobre política, costumam mentir muito, mas não sou adepto dessas técnicas. Acho que é cedo para fazer essa avaliação. Foi um movimento muito audacioso e que foi inspirado pelo intuito e pelo vislumbre político da Marina. Era visível que ela já tinha alguma coisa elaborada na cabeça, mas todo movimento extremamente audacioso também é cheio de grandes riscos. Existe, nas ruas, esse sentimento, que às vezes transborda em protestos. Marina tinha esses vínculos, porque ninguém acumula um perfil político ideológico num estalar de dedos. Não se tinha nem muitas certezas de que a candidatura do Eduardo seria real; estava tentando se viabilizar juntando cacos das forças políticas tradicionais. Um pedacinho se descolou do PSDB, outro do PMDB, um jogo de matemática eleitoral pobre que, imagino, Eduardo tentaria diferenciar a partir da sua própria intervenção na TV e nos debates. Se a Marina conseguiu transferir para ele um pedaço desse canal de interlocução com as ruas, se ele conseguiu absorver isso, se houve uma síntese das figuras mais simbólicas dos projetos, só veremos no final.
A pré-disposição do PSB, em alguns estados, de se aliar a forças mais conservadoras acaba sendo contrário ao projeto da Rede?
Na verdade, havia alianças estabelecidas e há, sem dúvida, uma contradição com a análise da Rede. O que pode definir o signo que estamos vivendo é a capacidade de enxergar a contradição entre o campo estagnado da política brasileira, que se tornou incapaz de propiciar as transformações que o povo necessita e busca. O PMDB teve seu tempo, o PSDB teve seu tempo e o PT também, mas perderam essa capacidade. Então, o centro político está estagnado. Então, estamos fazendo o debate com tranquilidade e achamos que Eduardo compreendeu isso, de tal modo que, por exemplo, o PSB era parte aliada do PSDB em São Paulo, o que não haverá mais; haverá candidatura própria. Havia uma ala do PSB que, por outro lado, queria fazer aliança com Lindberg, com o PT, no Rio de Janeiro, mas haverá candidatura própria. E também no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. E, assim, estamos discutindo. É evidente, também, que haverá alguns Estados em que essas alianças permanecerão. Não acredito, e nem estamos fazendo essas exigências, de que haja uma verticalização de norte a sul do país, em todos os municípios, para que tenha o mesmo formato. Não podemos passar simbolicamente a ideia de que a candidatura do Eduardo representa ou o espectro do PT ou o espírito do PSDB. Nem uma coisa, nem outra. Ela tem que ser a representação, mesmo que não consiga se materializar como tal, do desejo e humildade de buscar o diálogo com esse setor social. Foi isso que fez o PMDB ser a ponte para a democracia, foi isso que fez o PSDB ser a ponte para a estabilidade e foi isso que fez o PT ser a fonte sucedânea do PSDB com todas as limitações que esses projetos podem ter, e têm. Fiz oposição a todos eles, mas não sou cego. Eles tiveram sentido histórico.
A Rede não foi criado legalmente. Vocês pretendem legalizá-la no futuro?
O partido existe e funciona, o que estamos discutindo, que é uma decisão nacional da Rede, é qual o momento adequado para legalizá-lo. À época do julgamento, já tínhamos as assinaturas necessárias para a legalização, mas houve uma mão extremamente pesada da Justiça Eleitoral. O voto do Gilmar Mendes é absolutamente claro em relação ao que estava por detrás daquilo, que era obstaculizar uma alternativa que não está dentro desse jogo político estagnado, desse compadrio dessa elite política. E eles foram bem sucedidos. Essa questão da legalidade das assinaturas, mesmo com a mão pesada, o que eles conseguiram barrar foi algo em torno de 40 mil assinaturas, que é um número muito pequeno. A questão problema é que a Lei do Edinho proíbe isso, oportunisticamente, com a emenda piorada do Ronaldo Caiado, tornando essa Lei do PT ainda mais autoritária. Foi uma aliança entre DEM e PT contra a Rede. Fez-se o compromisso de que, terminadas as eleições, a gente conclui o registro. E as pessoas que se elegeram por outros partidos voltariam. Mas isso só pode ser feito depois da posse, em 1º de janeiro do ano que vem.
Aqui em Goiás, como está o diálogo com o Vanderlan?
Mal iniciado, bastante incipiente. Nós nos manifestamos duas ou três vezes em reuniões, não mais do que isso, acerca dessa nossa concepção política. E temos dialogado com o Vanderlan sobre isso. Qual o sentido de uma candidatura alternativa em Goiás? É uma candidatura que combate, se opõe e quer superar os vícios do PMDB – que o Marconi chamou de ‘panelinha’ em 1998 – que se mantém até hoje. A diferença de que agora ele não precisa pagar o boi, ele é dono do frigorífico e a panela aumentou a quantidade de mocotó. (risos). Marconi sintetizou uma crítica, naquela época, muito importante ao autoritarismo, ao mandonismo, à corrupção, à falta de participação popular. Mas o que ocorre é que quem criticava o coronel virou general; quem criticava a corrupção virou Ali Babá; quem era crítico em relação à participação popular virou ditador. Pergunte aos professores e aos policiais civis o que acham do governo do Estado. Qual o diálogo que esse governo tem com as forças sociais que estão representadas na sociedade brasileira de Goiás? Marconi, ao assumir o governo do PSDB, que era chamado de Tempo Novo, apenas reciclou, do ponto de vista do marketing, a mesma forma de poder que o PMDB, e particularmente, a personalidade do Iris instituiu, aguçando os defeitos. Iris tem características como quadro político que são mais positivas que a do atual governador porque ele, de certo modo, tem um viés populista. E isso, por mais que se critique, é o que mais se aproxima do povo. Marconi tem um viés patronal. A relação preferencial dele é com os clubes dos empresários, dos produtores rurais, do patronato, específica e exclusivamente. Já superamos tanto PMDB, que está com o PT hoje, quanto o PSDB, se aliando à pré-história disso, assumindo um programa do Caiadismo. Isso não cola mais. Respeito a lealdade pessoal, a gratidão que se possa ter com o ex-governador, a pessoa que te apoiou e abrigou? Disse ao Vanderlan que isso mostra bem o seu caráter. Se Cidinho (Alcides Rodrigues) é seu amigo, ele esconde de você e te ajuda lá da casa dele. Como é que você quer se contrapor ao que está aí, tendo como referência algo mais frágil? Não tem jeito.
O pré-requisito número um da Rede é o Vanderlan não se unir com nenhuma dessas vertentes, nem Caiado, nem PMDB, nem PSDB?
Não é isso. O problema com o Caiado é um problema de militância antigo. Ele tinha uma militância ativa contra as posições políticas que a Rede apresentava e, particularmente, contra a legalização da Rede. A Emenda dele foi um tiro na testa do nosso partido. Evidentemente, isso já se resolveu lá atrás. Não é um problema das pessoas.
É o programa que eles representam?
Sim. Se o Vanderlan assume um programa político que dialogue com essas necessidades, e essas pessoas queiram apoiar esse programa e participar dele, ótimo. O que não pode é haver um jogo de acochambramento. Nós não fazemos parte disso. Militamos em Goiás há muitos anos e sempre tivemos posições. Às vezes erramos, mas acho que na maior parte das vezes estivemos com uma posição crítica, correta e independente. Não nos vergamos, não nos vendemos, não entramos nesse jogo do pragmatismo vazio, carreirista e oportunista. Procuramos escolher o lado predominante, com os interesses mais avançados e majoritários. Se o Vanderlan assume essa posição, creio que ele pode agregar. Sabemos que jamais Vanderlan será Martiniano, e nem queremos isso. Não tem nenhum sentido e seria estupidez propor isso a ele. O que não pode ser é que seja outra coisa, que seja oligárquico, que seja do passado.
Há simpatia do sr. no eixo que o Vanderlan apresentou em 2010, em sua campanha para o governo?
É muito tímido. Pra nós não é suficiente para os dias atuais. Não responde às necessidades atuais, não responde… A ideia de apenas gerir bem o que está aí, na nossa opinião, é insuficiente. Gerir bem o que está aí pode agravar as desigualdades sociais e regionais. O Estado de Goiás passou por um processo de crescimento econômico bastante significativo. Por que será que com esse crescimento econômico todo Goiânia é umas das cidades mais desiguais do mundo? A segunda cidade mais desigual da América Latina. Por que será? O cerrado é o bioma mais destruído do Brasil. Por incrível que pareça, o cerrado é a fonte das águas do país e que tem 8% de toda a água doce do planeta e tem perspectiva de perder 40% disso nos próximos anos. A pessoa fura um poço artesiano e a Saneago é incapaz, incapaz, não dá conta de prover esse serviço tão básico. E a Celg? Quantas indústrias estão paradas no Estado de Goiás por falta de energia. As eleições chegaram a um ponto tão exacerbado, tão paradoxal, que um homem rico como Iris Rezende virou um gatinho na mão no tigrão, né? O tigrão que passa no pasto e leva um boi a cada patada. O Iris virou um gatinho. Um homem milionário mobilizador de fortunas para a campanha não é capaz de competir nessa conciliação de contas bancárias. Já o Marconi é capaz.
Para se apresentar um programa viável hoje nas eleições, não é necessário recursos?
Algum, mas não é necessário isso tudo aí não. Escreva o que eu estou dizendo: Junior do Friboi não ganha a eleição em Goiás. E o Marconi vai perder. E os dois têm dinheiro que não se pode calcular. A minha última eleição foi para deputado estadual. Eu queria muito ser deputado estadual.
Hoje a oposição é fraca na Assembleia?
Não existe ninguém, nenhum opositor. Quem faz um pouquinho de oposição é o Major Araújo (PRP).
E o deputado Mauro Rubem (PT)?
Mauro Rubem é uma boa pessoa, mas, efetivamente, veja quais foram as batalhas travadas aí na Assembleia. É um homem de esquerda, que sabe exatamente tudo que acontece aí. Então eu acho que a oposição é fraca.
Tem algumas pessoas que se assustaram quando viram o sr., que milita na esquerda, se unir com o deputado Major Araújo, que vem da carreira militar, de um berço mais de direita. Isso traz algum problema entre vocês?
Não. Ao contrário. Inclusive eu estabeleci uma relação muito interessante com a PM, embora eu não defenda a militarização. Acho que isso foi um resquício que permaneceu da época da ditadura. Eu não sou daqueles que trato as pessoas da segurança, sequer do Exército, das forças armadas brasileiras como uma parte que deve ser banida. Há uma parte da esquerda que considera isso. Eu não. Minha primeira referência política foi o Luís Carlos Prestes. O Prestes era militar. Eu tive muita admiração por outras figuras que vieram do exército. Eu gostaria de ter uma organização muito forte das pessoas públicas, dos ambientalistas, da juventude e também dos setores de segurança, por que não?
Como vocês vão discutir espaço na chapa com o Vanderlan?
Na verdade não se trata bem disso. Se nós quiséssemos espaço a cotoveladas nós já teríamos. Eu sou parte da negociação. Por que eu nunca negociei espaço na chapa majoritária para Goiás se eu estou discutindo a candidatura de São Paulo, Rio de Janeiro e etc…? Por um motivo muito simples, a candidatura do Vanderlan já está posta, não é uma candidatura promíscua, não é uma candidatura do regime. Se entre nós houver alguma sinergia, muito bem, nós vamos trabalhar, se ele quiser. Se ele não quiser, nós não vamos dar cotoveladas nele. Nós nunca fizemos isso. Eu espero que o Vanderlan reflita e espero que nós sejamos uma parte vigente. Se assim for, nós estaremos na chapa majoritária.
Então a decisão está nas mãos do Vanderlan?
Nesse momento sim. Isso depende dele. Vamos incorporar as pessoas, abrir a participação e fazer o projeto. Fui candidato a governador, senador, deputado, fui pré-candidato à presidência da República. Hoje o pessoal da Rede quer que eu seja candidato. Até o final de março eu resolvo.