As engenheiras de minas que estão conquistando o espaço delas no mercado da mineração apontam problemas que em outros ambientes podem passar desapercebidos. Além disso, embora algumas estejam posicionadas no mercado como profissionais de sucesso na área, muitas outras se veem obrigadas a aceitar cargos de menor remuneração
Obter trabalho à altura do diploma conquistado após cinco anos de curso na Universidade Federal de Catalão (UFCat), é um dos problemas enfrentados. A instituição é a única a oferecer Engenharia de Minas em Goiás, como mostraram reportagens anteriores do Diário de Goiás desta série especial pelo Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta sexta-feira (8).
A pedido do DG, a ex-coordenadora do curso, Elenice Maria Schons, 43, professora na UFCat desde 2010, fez um levantamento junto a ex-alunas a respeito da realidade delas. Ao contrário das entrevistadas pelo jornal, citadas na reportagem de segunda-feira (4), em que só uma não era contratada como engenheira de minas, no caso das 15 respondentes da pesquisa, nenhuma está empregada no cargo para o qual se formou.
Isso é visto como um escape das mineradoras para evitar o pagamento do piso salarial da categoria, que gira em torno de R$ 8 mil. Tanto que as engenheiras de minas entrevistadas pela reportagem, e que estão empregadas no cargo certo, recebem salários variando justamente entre R$ 8 mil até cerca de R$ 20 mil.
A pesquisa realizada pela professora do curso sinaliza que nenhuma das entrevistadas trabalha em pesquisa e prospecção mineral, área de atuação para a qual se formaram. Das participantes do levantamento, 40% trabalham em mineradoras localizadas em Goiás.
Quando o levantamento feito pela professora com as egressas do curso abriu a possibilidade para a entrevistada escrever sobre insatisfação, uma desabafou: “Gostaria de ser remunerada e reconhecida como engenheira de minas”. Outra questionou a “falta de oportunidades de crescimento”.
Chama a atenção que 66,7% delas disseram que ocupam posição de liderança. Um indicador de que a formação tornou essas engenheiras capazes, ainda que não haja ainda o reconhecimento e a formalização delas no cargo para o qual obtiveram o diploma.
Por outro lado, das 15, 60% consideram que o fato de ser mulher reduziu as possibilidades de assumir posições de liderança.
E, embora não sejam contratadas como engenheiras de minas, 53,3% afirmaram que existe paridade salarial com homens nos cargos que ocupam nas mineradoras onde estão trabalhando. Enquanto isso, 20% disseram que os homens ganham mais pelas mesmas tarefas e 26,7% não sabiam dizer.
Das 15 ouvidas no levantamento, 80% (12) não têm filhos. E 40% disseram que decidiram adiar a maternidade por causa do trabalho.
Das consultadas tanto pelo jornal (sete), quanto no levantamento realizado pela professora da UFCat (15), dois relatos sobressaem. Um deles é sobre ambiente despreparado para a presença feminina.
E um caso emblemático é exatamente a falta de banheiros exclusivos ou até em número insuficiente para as funcionárias.
O DG optou por não citar os nomes e locais de trabalho sobre os dados mais sensíveis.
A falta de banheiros agrava, conforme os relatos, especialmente nas áreas de operação que ficam distantes das estruturas administrativas das mineradoras. O assunto foi citado por todas as entrevistadas.
Uma delas enfatizou: “Menstruamos, e por isso precisamos sim de um ambiente para higiene íntima adequado, o que não tira em absolutamente nada nossa competência nas nossas funções”.
Outra, apontou que no início, para não indicar fragilidade, passava até cinco horas sem ir ao banheiro porque estava trabalhando na área de operação. “Era algo muito constrangedor. E quando a gente chegava no refeitório, percebia que havia várias na mesma situação”, contou.
Entre os relatos, uma das profissionais destacou sua surpresa ao retornar da licença maternidade. Ela tinha direito a períodos de aleitamento durante o expediente, mas não havia qualquer local preparado para isso. “Eu me virei para dar certo, mas lá existiam outras mulheres antes de mim, daí essa era uma situação que devia ter sido pensada, preparado um local”, relata.
Também teve a que registrou que há um banheiro diferenciado para os profissionais de nível superior, mas é misto entre engenheiros, homens e mulheres.
O outro relato constrangedor é sobre assédio. “Do nada, um engenheiro novo na equipe começou a me enviar mensagens por e-mail de conotação sexual. Me senti muito mal. Não sabia se realmente deveria procurar os canais da empresa e acabei eu mesma cortando ele, que felizmente desistiu”, desabafa uma delas.
Também teve a que foi pedir um favor de trabalho para um colega pelo WhatsApp e a resposta foi uma intimidade sexual. “Do nada, ele achou que podia falar aquelas coisas que ele não diria se fosse um colega homem”, reclama.
Uma terceira disse que mudou a forma de ser. “Sempre fui comunicativa e vaidosa. Gostava de fazer muitas fotos nas minhas redes sociais. Quando entrei no mercado [da mineração] parei. Fui me policiando porque as pessoas do trabalho me seguem nas redes, aí me intimidei. Hoje, se faço a sobrancelha já fico imaginando como vai ser a reação para não chamar muito a atenção no dia seguinte”, pontua.
Ela agora também só usa batons claros. “Me sinto desconfortável com as cores fortes”, conta. Essa engenheira sofreu com assédio moral desde quando ainda era estudante.
Mas deu “a sorte” de não haver vínculo com o gênero feminino. Durante um estágio em uma mineradora de silicato de potássio, ela enfrentou um chefe que gritava frequentemente com ela, mas também com outras pessoas no ambiente de trabalho. “Era do caráter dele assediar os funcionários e eu não aceitei”, conta.
Uma outra lembra que na época do estágio, os trabalhadores homens de alguns setores com menor formação profissional, como almoxarifado, por exemplo, fingiam que não estavam escutando os pedidos de material que as estagiárias de engenharia de minas apresentavam.
O ato era interpretado por elas como intencional para ignorar uma mulher que logo estaria no mercado dando ordens para esses mesmos setores. Assim, geravam desconforto e desestímulo.
“Contratar mulheres é fácil. A questão é garantir um ambiente seguro para elas. Apesar de haver canais hoje para relatar os casos, ainda é grande o assédio moral e sexual. Aliás, me sinto mais questionada, ou seja, eu tenho de provar mais que eu sei do que estou falando, do que um engenheiro homem, já percebi isso”, especifica uma delas.
Essa situação, inclusive, ainda reflete o desestímulo de algumas mulheres que encaram a profissão. “Pegaram tão pesado com uma colega engenheira que se esforçava demais na empresa, que ela não suportou e pediu demissão. Substituíram ela por um homem que não entrega nem 10% do que ela fazia e ficou tudo bem, não fizeram o mesmo com ele”, lamenta mais uma ouvida.
Uma das profissionais lembra que, no início, alguns colegas de trabalho homens, com o menor grau de formação, a viam como uma “menina de recado”.
“Quando eu dizia algo para os funcionários de menor escalão, me tratavam como a menina de recado de algum chefe, e não como a superior deles. Ou seja, a pessoa que realmente estava dizendo o quê, quando e como fazer o serviço, que era eu, não era aceita”, relata.
Mas ela também não desistiu e hoje é uma das profissionais bem sucedidas citadas na reportagem de segunda-feira.