A literatura política do Brasil está enxergando um momento turbulento. O ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot no final da semana passada começou a dar os contornos ‘tsunâmicos’. Anunciou que no livro que tinha preparado: “Nada menos que tudo”, onde relatava sua visão e vivência dos bastidores da operação Lava-Jato, o ex-procurador geral expunha sua intenção em matar o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. A repercussão foi um verdadeiro alvoroço com direito à busca e apreensão na casa de Janot. Vazado em grupos de Whatsapp desde o fim de semana, o livro pode ser lido antes de seu lançamento oficial.
“Cunha é um louco”
No livro, Janot relata diversos rebuliços políticos que teve de passar. Nos primeiros capítulos, o ex-procurador Geral da República narra um pedido do então vice-presidente da República, Michel Temer para que arquivasse todas as possíveis denúncias contra Eduardo Cunha, que acabara de se tornar presidente da Câmara dos Deputados pelo então PMDB. “Cunha é um louco, pode reagir de forma imprevisível e colocar o Brasil em risco”, argumentou o ex-deputado federal Henrique Alves, também do PMDB. O argumento era que, uma possível denúncia contra Cunha poderia provocar retaliações que mexeriam com as instituições republicanas. Janot afirma que não cedeu. Saiu do Palácio do Jaburu bufando palavrões inimagináveis.
Acordo indecente
Relata a tentativa das empreiteiras denunciadas pela Lava Jato para um “acordo” para abafar a Operação e impedir a continuidade das investigações. A proposta foi feita pelo advogado José Geraldo Grossi, advogado criminalista que defendia as empresas Camargo Corrêa e Odebrecht. Ele reconheceu que seus clientes haviam errado e que estavam dispostos a deixar o passado vil para trás e fazer um acordo em que assumiriam seus pecados e “o pagamento de uma multa vultosa – por alto, uma cifra em torno de R$ 1 bilhão”. Janot explica que qualquer acordo deveria ser feito com os procuradores da Operação Lava-Jato e rejeitou dar continuidade à conversa. Também concluiu brincando: “Tem que ser um valor suficiente para pagar a construção de várias penitenciárias no país”. As especulações em torno do acordo logo ganharam corpo e chegaram aos procuradores da Força Tarefa de Curitiba, que ficaram ensandecidos e ameaçaram renunciar à missão caso fosse à frente. Não deu em nada e os procuradores continuavam tocando a Lava Jato.
Tiros no Senado?
Parece que as cenas dos thrillers políticos de ação poderiam se tornar realidade em terras brasileiras. Antes de ser reconduzido ao cargo de Procurador Geral da República, Janot teve de ir ao Senado para uma nova sabatina. Ele havia assumido em setembro de 2013 e dois anos depois pisaria novamente os pés no plenário do Senado em agosto de 2015 quando Janot conta que rumores começaram a ganhar força que o então senador da República Fernando Collor, filiado ao PTB, poderia fazer uma loucura contra Janot. “Estão dizendo que o Collor vai armado para sua sabatina”, disse o senador Jorge Viana, do PT do Acre.
Janot revelou a conversa para dois jornalistas e um par de senadores, entre eles, Renan Calheiros, do PMDB, como forma de se preservar. Foram discretos e a audiência aconteceu de maneira ordeira com sua recondução à PGR consumada e sem que ninguém fosse ferido. A única coisa fora do protocolo, segundo o relato de Janot, foi Collor resmungar algumas vezes em baixo volume que iria ‘pegar’ o então procurador. “Eu vou te pegar, filho da puta. Eu vou te pegar, filho da puta”.
Cerveja artesanal
Reconduzido, Janot revela um encontro que teve com Dilma Rousseff com direito até a cerveja artesanal produzida pelo marido de Ideli Salvatti, então ministra da Secretaria de Relações Institucionais. O procurador chegou a imaginar que Dilma faria sondagens sobre a Operação Lava Jato ou até mesmo pedidos não republicanos. A oportunidade estaria aberta já que não havia mais ninguém no local, exceto a presidente e o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Janot relata que isso não aconteceu e os assuntos tratados na conversa passaram longe de qualquer questão.
“Lá vem problema…”
Janot indica aquilo que os partidos de esquerda e defensores do ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva tanto sustentam: houve uma caçada dos procuradores para à todo o custo colocá-lo na prisão passando por cima das regras do jogo da justiça democrática. Procuradores da Lava-Jato saíram de Curitiba para Brasília com objetivo de conversar pessoalmente com Janot que mantinha relações amigáveis, com o chefe da Operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, conforme indicam os vazamentos publicados pelo site The Intercept e outros veículos de comunicação.
O apelo dos procuradores era para que Rodrigo Janot denunciasse com urgência Lula por “organização criminosa”. Para que o fizesse, o procurador deveria ignorar as denúncias que deveria formular até então. Eram quatro, segundo Janot e a ordem seria: “primeiro a do PP, depois a do PMDB da Câmara, em seguida a do PT e, por último, a do PMDB do Senado.”
“Precisamos que você inverta a ordem das denúncias e coloque a do PT primeiro” , disse Dallagnol, logo no início da reunião. Janot então respondeu que não daria para fazer e que ele continuaria mantendo os “critérios” adotados. “A que estiver mais evoluída vai na frente”, sustentou.
O procurador da Lava Jato Januário Paludo então revelou que era necessário ele inverter os processos porque, se não fosse assim, a Lava Jato não teria como denunciar Lula como articulador de uma “organização criminosa”. “Sem a sua denúncia, a gente perde o crime por lavagem” , disse o procurador.
Janot sustentou que não alteraria os processos e Dallagnol sem que houvesse uma consulta prévia ao procurador-geral nem qualquer outro membro da equipe foi à público em setembro de 2016 acusar Lula de ser o “grande general” , além do “comandante máximo da organização criminosa”. No episódio do “PowerPoint” que eternizou a frase de Dallagnol: “Não tenho provas mas tenho convicção”.
A denúncia da PGR aconteceu apenas um ano depois já em setembro de 2017. “Em 1 o de setembro de 2017, denunciamos o quadrilhão do PP. Quatro dias depois, fizemos uma denúncia por organização criminosa contra Lula e outros do PT, ou seja, quase um ano após a denúncia da força-tarefa de Curitiba. Em 8 e 14 de setembro, protocolizamos as denúncias contra o PMDB do Senado e da Câmara. A troca da ordem, uma diferença de poucos dias, se deveu tão somente ao andamento natural das investigações”, escreveu Janot em seu livro.
Quando iam como grupo se encontrar com Janot, o então procurador confessava que pensava em seu íntimo: “Lá vem problema”.
“Nada menos que tudo” também dá pequenas pitadas pessoais da vida de Janot como seu apreço por vinho. Ele revela que no dia em que recebeu o convite da ex-presidente da República, Dilma Rousseff para se tornar o próximo chefe do Ministério Público, vomitou antes de encontro por conta das taças de vinho que havia tomado no almoço.
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