Nesta terça-feira (18), o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), administrado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), realizará a primeira cirurgia cerebral para tratamento de obesidade mórbida do Brasil e da América Latina. O procedimento inédito trata-se de uma estimulação cerebral profunda bilateral do núcleo accumbens para o tratamento de obesidade mórbida (grau III).
O neurocirgião do HC-UFG, Osvaldo Vilela, explica que o cérebro possui uma região específica, chamada de núcleo accumbens, relacionada ao sistema de prazer e recompensa, e qual a relação dela com a obesidade. “A obesidade é uma doença, usualmente gerada por uma compulsão, então fizemos um projeto objetivando atuar justamente nesses circuitos cerebrais associados a recompensa e prazer”, detalha.
A cirurgia faz parte de um projeto de pesquisa, que visa justamente analisar a efetividade do procedimento e qual a melhor maneira de realizá-lo. Desta forma, a cirurgia é experimental e não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Pesquisadores do HC e da UFG começaram a escrever o projeto sobre cirurgia cerebral para obesidade em 2017. Inicialmente, tratava-se da implantação de eletrodos, um de cada lado do cérebro, para o tratamento da obesidade mórbida.
Osvaldo explica que dentro do cérebro há uma estrutura chamada hipotálamo, e no hipotálamo há dois centros importantes: um que é o centro da fome e o outro que é o centro da saciedade. Quando o centro da fome é ativado, a pessoa come. Quando o centro da saciedade é ativado, a pessoa para de comer. Em pesquisas realizadas no Brasil e em outros países, tentaram implantar eletrodos ou no centro da fome ou no centro da saciedade para inibir o centro da fome ou ativar o centro da saciedade para tratar a obesidade.
“Tem um grupo de pacientes que não respondem nem a tratamento com dieta, psicoterapia e atividades físicas. Esses pacientes que não respondem são candidatos à cirurgia. A cirurgia convencional é a cirurgia bariátrica, mas, em muitos casos – pelo menos 15 a 20% dos casos –, a cirurgia bariátrica não funciona”, afirmou Osvaldo.
Segundo o especialista, a partir desta dificuldade surgiu a ideia de atuar diretamente no núcleo accumbens. “Imaginei que isso era fisiologia pura. Todos nós temos isso, a hora de comer e a hora de parar de comer. Mas obesidade não é isso, obesidade é uma doença, é uma compulsão alimentar. Por isso essas tentativas se provaram inadequadas. Então pensamos: já que isso é uma compulsão alimentar, por que não atuamos naqueles centros relacionados a recompensa e prazer. Aí surgiu a ideia desse projeto de pesquisa”, detalhou o médico.
O projeto foi apresentado ao Comitê de Ética do HC-UFG, que levou para Brasília, para aprovação pelo Comitê Nacional de Ética e Pesquisa, sendo aprovado em 2018. Hoje, com a viabilização dos recursos, o HC-UFG iniciará as cirurgias.
A cirurgia inédita será feita a partir de uma parceria do HC-UFG com a Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. A equipe de profissionais do HC-UFG realizou diversas reuniões online com os pesquisadores da Pensilvânia para definir qual a melhor maneira de chegar no núcleo accumbens e onde implantar os eletrodos.
“A Universidade da Pensilvânia é uma das universidades que fazem parte da Ivy League, uma das mais importantes nos Estados Unidos. E lá nós temos um colega, Casey Halpern, e o grupo dele também está começando a tocar um projeto similar, mas num grupo específico de obesidade, então resolvemos fazer um estudo colaborativo”, explicou o neurocirurgião Osvaldo Vilela.
O primeiro paciente a ser submetido à cirurgia do projeto, será o ajustador de granito Ivan dos Santos Araújo, de 38 anos, natural de Goiânia, e que atualmente pesa 183 quilos. De acordo com Ivan, ele começou a ganhar peso aos nove anos de idade, desde então, já fez tratamentos com nutricionistas e endocrinologistas.
Em 2015, após um acidente, ele não conseguiu mais perder peso: “Por ter que ficar parado demais, não poder me exercitar, eu não conseguia perder peso. E a obesidade atrapalha a vida em todos os aspectos, atrapalha andar, fazer qualquer coisa do dia a dia normal de uma pessoa”, contou o paciente.
Segundo Ivan, no início, ficou receoso, por se tratar de uma cirurgia inédita, mas, depois de pesquisar muito e conversar com os profissionais do HC-UFG, está confiante: “Estou com grandes expectativas! Que dê certo, confio em Deus, para melhorar a minha saúde e minha vida física e mental!”, pontuou.
Além de Ivan, outros quatro pacientes participam do projeto. Os cinco serão acompanhados pela equipe de neurocirurgia e endocrinologia do HC-UFG durante dois anos.