Representantes do Ministério da Saúde, Estados e municípios aprovaram nesta quinta-feira (31) uma portaria que flexibiliza as normas atuais da chamada atenção básica em saúde, tida como porta de entrada para o SUS.
Na prática, a medida passa a permitir o financiamento de equipes de saúde menores do que a política atual prevê para atendimento nas unidades básicas de saúde, e com cargas horárias mínimas distintas entre os profissionais.
Hoje, o modelo adotado prevê contrapartida de financiamento federal apenas para as equipes de “Saúde da Família”, as quais devem compostas, no mínimo, por médico generalista ou especialista em saúde da família, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde, podendo ter também dentistas e outros especialistas.
A nova portaria, por sua vez, passa a reconhecer a possibilidade de repasse de verbas federais também para as chamadas “equipes de atenção básica”, as quais devem ser formadas por, no mínimo, três profissionais -um médico, um enfermeiro e um técnico de enfermagem.
O agente comunitário de saúde, profissional obrigatório no modelo anterior, passa a ter seu número facultado conforme a necessidade do município, podendo até mesmo não estar presente na equipe.
A exceção, segundo o ministério, são “áreas de risco e vulnerabilidade social” definidas pelo gestor de cada município. Para estas, o mínimo é de um agente para cada 750 pessoas.
“Em um bairro de classe A, não precisa ter quatro agentes (comunitários de saúde), porque não vai ter quem visitar”, afirma o ministro da Saúde, Ricardo Barros. “Se é um bairro mais carente, mais vulnerável, exigimos mais.”
Também há mudanças na carga horária: embora a das novas equipes seja mantida em 40h, a portaria permite que o município passe a contratar mais de um profissional por jornadas menores, como dois por 20h -o mínimo é de 10h cada. O modelo de Saúde da Família, por sua vez, previa que cada profissional atuasse por 40h. Hoje, 40 mil equipes do modelo de Saúde da Família atuam no país.
‘RETROCESSO’
Para Ronald Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde, ao reconhecer a possibilidade de financiamento de outras equipes, a portaria traz risco de retrocesso no atendimento. Hoje, o modelo de Saúde da Família é reconhecido em estudos internacionais como responsável pelo sucesso da atenção básica na redução de alguns indicadores, como taxa de mortalidade infantil, por exemplo.
“Ao colocar a possibilidade de profissional por 10h, a portaria esfalece a lógica do Saúde da Família. Também não delimita um número mínimo de agentes. Vamos usar todas as prerrogativas presentes na lei para impedir que o retrocesso aconteça”, disse.
Integrantes do ministério, porém, afirmam que o financiamento das equipes de Saúde da Família ainda será prioritário e que a migração das novas equipes para esse modelo será estimulada.
Barros diz que a nova portaria reconhece equipes que já atuam na atenção básica, mas não recebiam contrapartida em recursos do Ministério da Saúde por não terem o mesmo padrão. Nesse caso, eram bancados pelos próprios municípios -a estimativa é que 38% da população seja atendida por esses outros modelos.
“Estamos flexibilizando para ajustar à mão de obra disponível. Precisamos adaptar o legal ao real”, defende. “Hoje, não financiamos essas equipes porque não são completas, como preconiza a portaria. São equipes que poderão ser financiadas até serem completadas. Um município de 1.500 não precisa de equipe completa”, diz.
Para ele, as mudanças devem aumentar a resolutividade dos atendimentos. “Nossa meta é resolver 80% dos problemas de saúde na atenção básica.”
AGENTES DE SAÚDE
Outro ponto polêmico previsto para a nova portaria é a mudança nas funções dos agentes comunitários de saúde e agentes de endemias, que passam a ter parte das funções integradas.
Hoje, agentes comunitários de saúde são responsáveis por realizar visitas aos domicílios, marcar consultas e realizar ações de promoção da saúde em conjunto com a comunidade.
Já os agentes de endemias são responsáveis pelo combate a focos de doenças, como o do mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, zika e chikungunya.
Agora, além de serem integrados com os de endemias, os agentes comunitários de saúde ganham outras funções. Entre elas, está a de aferir pressão, fazer curativos, medir glicemia e realizar ações de vigilância em saúde.
Segundo Barros, o governo irá ofertar um reforço na formação e qualificação dos agentes antes que eles passem a desempenhar as novas atividades.
A estimativa é que, de um total de 320 mil agentes, 40% já esteja qualificado, por ter formação na área de saúde. Outros 180 mil, no entanto, ainda precisam de qualificação, o que deve ocorrer em até cinco anos.
Questionado se a abertura de uma brecha para financiamento de equipes menores, sem agentes, não pode afetar o combate a epidemias, o diretor de atenção básica, João Salame, nega o risco. “Não se pode agir sempre como epidemia. Emergências existem, mas não sazonais”, diz. “Você não pode estabelecer uma política para a avenida Paulista e outra para uma área de ocupação no Rio de Janeiro. Tem que priorizar quem mais precisa.”
Entidades como Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde), por sua vez, têm feito críticas às mudanças. Em nota divulgada neste mês, as entidades afirmam que a mudança ameaça os avanços já obtidos com as equipes da Estratégia Saúde da Família, além de afetar o papel dos agentes comunitários de saúde.
O presidente do Conasems, conselho que reúne secretários municipais de saúde, Mauro Junqueira, defende o novo modelo. “Hoje, os municípios arcam com mais de 70% do custo da Saúde da Família. Mantivemos como estratégia prioritária, mas estabelecemos novos arranjos, tendo em vista a diversidade enorme no país.” (Folhapress)
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