A Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) após identificar a suposta ocupação irregular, por parte do governo do Tocantins, de uma área localizada no município de Cavalcante, na região turística da Chapada dos Veadeiros, nordeste goiano. A medida foi adotada depois que a prefeitura local comunicou oficialmente a presença de estruturas e agentes tocantinenses em território historicamente reconhecido como pertencente a Goiás.
De acordo com a PGE-GO, autoridades municipais de Cavalcante procuraram a procuradoria e outros órgãos estaduais entre o segundo semestre de 2024 e o primeiro semestre de 2025 para relatar que, nos últimos dois anos, o governo do Tocantins estaria praticando “atos de posse e presença” sobre uma área goiana. A região afetada soma quase 13 mil hectares, cerca de 129 quilômetros quadrados e está situada ao norte do município, abrangendo parte do Quilombo Kalunga dos Morros, considerado a maior comunidade quilombola remanescente do Brasil e localizada nas proximidades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
Segundo o subprocurador-geral do Estado de Goiás, Alexandre Gross, a ocupação teria ocorrido por meio da instalação de um portal turístico e da presença constante de agentes públicos do Tocantins. No local, uma placa com a inscrição “Bem-vindo ao Tocantins, o turismo começa aqui” foi instalada em uma estrada que dá acesso ao chamado Complexo do Canjica, também conhecido como Águas Lindas, conjunto de cachoeiras famoso por cânions, quedas d’água e poços de águas cristalinas, um dos principais atrativos turísticos da região.
Em novembro, a PGE-GO protocolou no STF uma Ação Civil Originária solicitando a desocupação imediata da área. No processo, o órgão sustenta que o conflito territorial tem provocado impactos negativos não apenas para o Estado de Goiás, mas também para o município de Cavalcante e para os moradores da área atingida. Entre as consequências apontadas estão a perda de arrecadação tributária, redução de repasses federais, sobreposição de serviços públicos e um cenário de insegurança fundiária e social para a população local.
Um dos efeitos mais sensíveis, segundo a procuradoria, diz respeito aos dados populacionais. Parte dos moradores de Cavalcante não teria sido contabilizada corretamente no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A estimativa populacional do município, que era de 9.740 habitantes até 2022, caiu para 9.583 em 2023, enquanto registros do Ministério da Saúde indicam 10.529 cidadãos. Essa divergência, conforme a PGE-GO, resultou em prejuízos financeiros, especialmente na distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que utiliza o tamanho da população como um de seus critérios de repasse. O IBGE foi procurado, mas ainda não se manifestou.
“Existe uma repercussão social e de insegurança jurídica para as populações locais, que precisam saber, por exemplo, a quais órgãos podem demandar serviços públicos. Existem também repercussões de ordem fundiária e eleitoral, além de problemas financeiros, especialmente para o município de Cavalcante, que perdeu recursos públicos após a redução populacional registrada no último censo”, afirmou Alexandre Gross.
No andamento do processo, o ministro Cristiano Zanin, relator da ação no STF, recomendou a adoção de uma solução conciliatória entre os estados logo no início do trâmite. Em despacho, o magistrado afirmou ser “recomendável que se observe a diretriz da consensualidade no presente caso” e determinou que o Estado do Tocantins se manifeste sobre o interesse em buscar uma solução dialogada. O governo tocantinense, comandado por Wanderlei Barbosa (Republicanos), foi procurado, mas ainda não respondeu.
Erro histórico em mapa estaria na origem do conflito
Segundo a PGE-GO, a controvérsia territorial teria origem em um suposto erro de toponímia em um mapa elaborado pelo Exército Brasileiro na década de 1970. A ação protocolada no STF aponta que a Carta Topográfica São José, produzida em 1977 pela Diretoria de Serviço Geográfico do Exército, teria identificado de forma equivocada um curso d’água da região. Conforme a procuradoria, o Rio da Prata teria sido confundido com o Ribeirão Ouro Fino, este último definido pela Lei Estadual nº 8.111, de 14 de maio de 1976, como o limite oficial entre Goiás e Tocantins.
De acordo com Alexandre Gross, estudos topográficos realizados pela PGE-GO com apoio do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB) comprovariam a identificação incorreta do rio no material cartográfico, o que teria provocado uma “distorção na verdadeira fronteira” entre os dois estados, especificamente na área onde Cavalcante faz divisa com o município de Paranã, no Tocantins.
Em sentido contrário, o Exército Brasileiro negou a existência de erro no mapa. Em nota, o Centro de Comunicação Social da instituição afirmou que não há evidências de equívoco de toponímia na edição de 1977 da Carta Topográfica São José e que os dados técnicos da época indicam a correta posição do Córrego Ouro Fino. O Exército ressaltou ainda que, conforme a Constituição Federal, não cabe à Força definir ou alterar divisas estaduais.
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