19 de dezembro de 2025
Conflito territorial • atualizado em 19/12/2025 às 08:44

Goiás aciona STF contra suposta ocupação irregular do Tocantins na Chapada dos Veadeiros

PGE-GO pede desocupação de área em Cavalcante, que inclui parte do Quilombo Kalunga dos Morros, e aponta impactos sociais, financeiros e erro histórico em mapa do Exército
Portal turístico instalado pelo Tocantins em área reivindicada por Goiás fica em estrada de acesso ao Complexo do Canjica, na região da Chapada dos Veadeiros. Foto: Divulgação/Instituto Mauro Borges.
Portal turístico instalado pelo Tocantins em área reivindicada por Goiás fica em estrada de acesso ao Complexo do Canjica, na região da Chapada dos Veadeiros. Foto: Divulgação/Instituto Mauro Borges.

A Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) após identificar a suposta ocupação irregular, por parte do governo do Tocantins, de uma área localizada no município de Cavalcante, na região turística da Chapada dos Veadeiros, nordeste goiano. A medida foi adotada depois que a prefeitura local comunicou oficialmente a presença de estruturas e agentes tocantinenses em território historicamente reconhecido como pertencente a Goiás.

De acordo com a PGE-GO, autoridades municipais de Cavalcante procuraram a procuradoria e outros órgãos estaduais entre o segundo semestre de 2024 e o primeiro semestre de 2025 para relatar que, nos últimos dois anos, o governo do Tocantins estaria praticando “atos de posse e presença” sobre uma área goiana. A região afetada soma quase 13 mil hectares, cerca de 129 quilômetros quadrados e está situada ao norte do município, abrangendo parte do Quilombo Kalunga dos Morros, considerado a maior comunidade quilombola remanescente do Brasil e localizada nas proximidades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

Segundo o subprocurador-geral do Estado de Goiás, Alexandre Gross, a ocupação teria ocorrido por meio da instalação de um portal turístico e da presença constante de agentes públicos do Tocantins. No local, uma placa com a inscrição “Bem-vindo ao Tocantins, o turismo começa aqui” foi instalada em uma estrada que dá acesso ao chamado Complexo do Canjica, também conhecido como Águas Lindas, conjunto de cachoeiras famoso por cânions, quedas d’água e poços de águas cristalinas, um dos principais atrativos turísticos da região.

Em novembro, a PGE-GO protocolou no STF uma Ação Civil Originária solicitando a desocupação imediata da área. No processo, o órgão sustenta que o conflito territorial tem provocado impactos negativos não apenas para o Estado de Goiás, mas também para o município de Cavalcante e para os moradores da área atingida. Entre as consequências apontadas estão a perda de arrecadação tributária, redução de repasses federais, sobreposição de serviços públicos e um cenário de insegurança fundiária e social para a população local.

Um dos efeitos mais sensíveis, segundo a procuradoria, diz respeito aos dados populacionais. Parte dos moradores de Cavalcante não teria sido contabilizada corretamente no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A estimativa populacional do município, que era de 9.740 habitantes até 2022, caiu para 9.583 em 2023, enquanto registros do Ministério da Saúde indicam 10.529 cidadãos. Essa divergência, conforme a PGE-GO, resultou em prejuízos financeiros, especialmente na distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que utiliza o tamanho da população como um de seus critérios de repasse. O IBGE foi procurado, mas ainda não se manifestou.

“Existe uma repercussão social e de insegurança jurídica para as populações locais, que precisam saber, por exemplo, a quais órgãos podem demandar serviços públicos. Existem também repercussões de ordem fundiária e eleitoral, além de problemas financeiros, especialmente para o município de Cavalcante, que perdeu recursos públicos após a redução populacional registrada no último censo”, afirmou Alexandre Gross.

No andamento do processo, o ministro Cristiano Zanin, relator da ação no STF, recomendou a adoção de uma solução conciliatória entre os estados logo no início do trâmite. Em despacho, o magistrado afirmou ser “recomendável que se observe a diretriz da consensualidade no presente caso” e determinou que o Estado do Tocantins se manifeste sobre o interesse em buscar uma solução dialogada. O governo tocantinense, comandado por Wanderlei Barbosa (Republicanos), foi procurado, mas ainda não respondeu.

Erro histórico em mapa estaria na origem do conflito

Segundo a PGE-GO, a controvérsia territorial teria origem em um suposto erro de toponímia em um mapa elaborado pelo Exército Brasileiro na década de 1970. A ação protocolada no STF aponta que a Carta Topográfica São José, produzida em 1977 pela Diretoria de Serviço Geográfico do Exército, teria identificado de forma equivocada um curso d’água da região. Conforme a procuradoria, o Rio da Prata teria sido confundido com o Ribeirão Ouro Fino, este último definido pela Lei Estadual nº 8.111, de 14 de maio de 1976, como o limite oficial entre Goiás e Tocantins.

De acordo com Alexandre Gross, estudos topográficos realizados pela PGE-GO com apoio do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB) comprovariam a identificação incorreta do rio no material cartográfico, o que teria provocado uma “distorção na verdadeira fronteira” entre os dois estados, especificamente na área onde Cavalcante faz divisa com o município de Paranã, no Tocantins.

Em sentido contrário, o Exército Brasileiro negou a existência de erro no mapa. Em nota, o Centro de Comunicação Social da instituição afirmou que não há evidências de equívoco de toponímia na edição de 1977 da Carta Topográfica São José e que os dados técnicos da época indicam a correta posição do Córrego Ouro Fino. O Exército ressaltou ainda que, conforme a Constituição Federal, não cabe à Força definir ou alterar divisas estaduais.


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