No dia 31 de agosto de 2024, Goiânia verá finalmente a inauguração parcial do Corredor BRT Norte-Sul, um projeto iniciado em 2015. A espera de quase uma década ecoa nas memórias históricas da capital, afinal esta não é a única obra de transporte e mobilidade que sofreu com grande demora. Período semelhante de espera aconteceu durante a conclusão de ramal da Estrada de Ferro Goiás (EFG), que também marcou profundamente a trajetória de desenvolvimento da cidade. Este paralelo entre dois projetos separados por décadas revela as similaridades nas promessas de progresso e as frustrações durante o longo período de construção.
O ramal de Goiânia da Estrada de Ferro Goiás, que ligaria a capital ao restante do país, teve sua pedra fundamental lançada conforme noticiado pelo jornal Folha de Goyaz em outubro de 1940. As obras começaram efetivamente em 1941, com o trecho de aproximadamente 90 km entre Leopoldo de Bulhões e Goiânia. Assim como o BRT, o projeto ferroviário representou uma década de expectativas, atrasos e ajustes. O BRT ainda não foi totalmente concluído, ainda restará a ser realizado, o trecho 1, entre os terminais Izidória e Cruzeiro.
“Entusiasmo” e “Expectativa” ao Lançamento do Projeto
A década de 1940 foi marcada por expectativas crescentes em relação ao ramal ferroviário, que prometia conectar Goiânia ao restante do país. No início das obras, a população estava otimista, acreditando que a ferrovia traria progresso e desenvolvimento econômico. Como relatado pelo Folha de Goyaz, “para muitos, essa infraestrutura representava o futuro da capital.
Em 1940, quando o projeto do ramal ferroviário foi anunciado, a expectativa era grande. A promessa de uma nova era de desenvolvimento para Goiás foi recebida com otimismo, como registrado pelo Jornal Folha de Goyaz em 20 de outubro daquele ano. A cerimônia de lançamento da obra contou com a presença de autoridades, entre elas o Dr. Gaioso Neves, diretor da ferrovia, e uma multidão de populares.
O entusiasmo era palpável; o progresso parecia inevitável, e a conexão ferroviária com o resto do país representava mais do que transporte — era um símbolo de modernidade e avanço econômico. Naquele momento, a ferrovia era vista como uma obra monumental que traria desenvolvimento à região, ligando Goiânia ao resto do país de maneira eficiente e barata, impulsionando a economia e consolidando a jovem capital.
Desafios Políticos e Técnicos
Simone Buiate, arquiteta, pesquisadora e atual presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), em sua pesquisa de mestrado na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, cujo tema de trabalho foi: “A Antiga Linha Férrea de Goiânia – De símbolo de modernidade à obsolência”, destacou que as dificuldades enfrentadas pelo projeto da ferrovia não se limitavam ao campo técnico.
A sua pequisa indica que também havia uma complexa trama política que influenciava diretamente o andamento das obras, exacerbando o sentimento de frustração e abandono por parte da população goiana. “As decisões que afetavam diretamente o progresso das obras muitas vezes pareciam alheias aos interesses goianos”, relata Buiate em seu trabalho. A disputa pelo controle da Estrada de Ferro Goiás entre Goiás e Minas Gerais trouxe complicações adicionais. A sede da ferrovia, localizada em Araguari, Minas Gerais, era vista pelos goianos como um obstáculo ao desenvolvimento pleno do projeto em seu estado.
Avanço dos Trilhos
Conforme os trilhos avançavam, a expectativa e o entusiasmo voltaram a tomar conta da população. Em 13 de maio de 1950, o jornal Folha de Goyaz relatou que já era possível avistar os trilhos da estrada de ferro a poucos quilômetros do bairro Operário, atual Setor Leste Vila Nova. “A ansiedade e o entusiasmo marcaram os dias que antecederam a chegada definitiva dos trilhos”, escreveu o jornal. Mais de 5.000 pessoas, vindas de todas as camadas sociais, foram ao local próximo à Cerâmica do Coronel Cosme para confirmar visualmente o progresso das obras.
Os últimos dias de construção foram acompanhados com grande expectativa, conforme registrado no jornal: “Os homens que trabalham nos trilhos contam as horas para que eles cheguem a Goiânia. Um novo vigor, próprio das grandes arrancadas finais, contagia os operários, que redobram suas tarefas, sacrificam suas horas de descanso e se empenham na conquista dos últimos quilômetros que os separam de seu triunfo.”
A Chegada
No dia 17 de maio de 1950, às 16 horas, os trilhos finalmente chegaram ao bairro Vila Nova, e a cidade de Goiânia foi tomada por um clima de festa. “O entusiasmo que dominou a multidão foi marcante, especialmente quando os operários de Goiânia se abraçaram com os vanguardeiros da primeira capital”, relatou o Folha de Goyaz. A chegada dos trilhos foi celebrada com fogos de artifício, música, churrasco e bebidas, numa grande festa patrocinada pela Rádio Brasil Central, Rádio Clube de Goiânia e a Federação do Comércio.
Dois dias depois, em 19 de maio de 1950, os últimos metros de trilhos chegaram ao local designado para a futura estação ferroviária de Goiânia. O momento culminante ocorreu às 12 horas e 45 minutos, quando o apito da primeira locomotiva foi ouvido, rebocando quatro gôndolas repletas de operários e curiosos. A multidão saudou a locomotiva com uma verdadeira ovação popular, enquanto o governador Jerônimo Coimbra Bueno e sua comitiva oficial desembarcavam para o início das celebrações. A festa continuou ao longo do dia, com banda de música, churrasco em buracos cavados no chão à moda gaúcha, cerveja e refrigerantes.
Reflexões de Simone Buiate: A Luta pelo Progresso
Simone Buiate destaca em sua pesquisa que esse longo processo de espera, frustração e eventual alívio reflete a luta pelo progresso em Goiás. A ferrovia, apesar dos percalços, deixou um legado importante para a infraestrutura da capital. A história da Estrada de Ferro Goiás simboliza o esforço coletivo de uma cidade em busca de modernidade e desenvolvimento. Projetos como o BRT Norte-sul, que enfrentam longos períodos de espera e desafios, nos relembram da necessidade de planejamento e execução eficiente.
Assim como no passado, as grandes obras de infraestrutura em Goiânia continuam a ser vistas como símbolos de progresso, mas também como lembretes dos desafios inerentes à construção de um futuro melhor. O legado da ferrovia, com todas as suas complexidades, ainda ressoa na memória coletiva da cidade, oferecendo lições valiosas para as gerações futuras.
Funcionamento
Apesar dos atrasos, em setembro de 1950 foi realizada a primeira viagem de carro de passageiros em caráter experimental entre Araguari e Goiânia, sob o comando do diretor Antônio Carlos Amity e do engenheiro Arthur Castilho, do Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF). Em janeiro de 1951, o trecho foi finalmente entregue ao tráfego. O traçado atingiu várias porções de terras que foram indenizadas, incluindo a administração da Estrada de Ferro Goiás. Nessa época, foram entregues algumas estações, como a de Santa Marta, localizada próxima à Colônia Santa Marta, e a estação Engenheiro Nunes Galvão.
Já o trecho entre Goiânia e Campinas foi concluído e entregue em 24 de novembro de 1958. No entanto, a inauguração oficial do trecho e o pleno funcionamento da linha ocorreram apenas em 25 de janeiro de 1959.
Curiosidades
Sobre a inauguração oficial da Estação Ferroviária de Goiânia, existe uma certa incerteza. Alguns registros sugerem que o trecho foi inaugurado em setembro de 1950, enquanto outros apontam para novembro de 1950. O periódico A Noite, publicado no Rio de Janeiro, menciona que a inauguração ocorreu em 7 de setembro de 1950, mas o Correio da Manhã afirma que foi em novembro de 1950, sugerindo que o ramal pode ter sido inaugurado duas vezes.
O relatório apresentado ao Departamento Nacional de Estradas de Ferro pelo Capitão Mauro Borges, em 1951, confirma o pleno funcionamento do trecho em janeiro de 1951, enquanto a inauguração oficial da estação de Goiânia pode ter ocorrido no final de 1953 ou início de 1954, sem grandes festividades.
Goiânia e Suas Décadas de Espera
Assim como na chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Goiás em 1950, Goiânia segue enfrentando décadas de espera por melhorias em mobilidade e transporte. Obras como o BRT Norte-Sul refletem o histórico desafio da cidade em conciliar progresso com os obstáculos do desenvolvimento. O entusiasmo inicial muitas vezes é substituído pela frustração dos atrasos, mas, ao final, a concretização dessas obras renova a esperança por um futuro mais conectado e próspero. Goiânia, com suas memórias ferroviárias e projetos contemporâneos, continua a escrever sua história de busca por modernidade e eficiência no transporte.
Matéria principal referenciada: https://hemeroteca.ihgg.org/publicacao.asp?PUB_IDEN=71&EDI_IDEN=2338
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