O Facebook virou a maior feira de venda ilegal de animais no país, segundo fiscalização do Ibama, mas o instituto diz não conseguir apoio efetivo da rede social para prevenir a prática.
Em novembro de 2015, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, remeteu um ofício à direção do Facebook no Brasil, em São Paulo.
Intitulado “Crimes e infrações contra o meio ambiente na rede social Facebook”, o documento informava que o sistema de recebimento de denúncias do órgão ambiental, a Linha Verde da Ouvidoria, havia registrado um aumento de ocorrências: de 60, em 2014, para 170 no ano de 2015.
Segundo o Ibama, o Facebook era o principal veículo relacionado nas ocorrências registradas, representando cerca de 95% das denúncias dos crimes ambientais na internet.
O Ibama pediu que a empresa enviasse um representante para uma reunião em Brasília a fim de tratar de estratégias para o combate de ilícitos ambientais ocorridos na rede social. Apesar da solicitação, o Facebook não indiciou um funcionário para dar início ao diálogo, segundo o Ibama.
Nos dois anos seguintes, 2016 e 2017, o órgão ambiental detectou uma explosão dos anúncios de compra e venda de animais.
Durante nove meses, entre 2017 e 2018, o Ibama pesquisou, separou e copiou inúmeras páginas no Facebook e outras redes sociais, nas quais era oferecido um total de 1.277 animais -85% estavam em cativeiro e em 30% dos casos a venda foi comprovada.
O Facebook novamente foi o líder, com 85% dos casos detectados pela fiscalização na rede social.
Em apenas uma das páginas, o Ibama contou 274 animais oferecidos para venda, principalmente iguanas. Se todos fossem vendidos, teriam rendido cerca de R$ 53 mil. No perfil havia a promessa de entrega em qualquer cidade do Brasil. Um jabuti era vendido a R$ 200 e um iguana, a R$ 129. Uma jiboia sairia por R$ 350.
Em outra página, que oferecia 81 animais, uma aranha tarântula era vendida a R$ 300, enquanto um escorpião podia atingir o dobro desse valor.
Muitos dos animais oferecidos constavam da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção, e outros estavam sendo introduzidos no Brasil fora de sua área de ocorrência.
O levantamento deu origem a uma megaoperação desencadeada há duas semanas, a Teia. O Ibama concluiu que havia dezenas de grupos fechados no Facebook destinados ao comércio dos animais.
O Ibama tentou novamente uma conversa com o Facebook, e dessa vez resolveu apelar à Embaixada dos Estados Unidos em Brasília. A empresa enviou representante, mas não alterou substancialmente sua política. Na reunião, ela argumentou sobre o risco de invasão da privacidade dos usuários da rede.
“Tentamos abrir um diálogo, mas tem sido muito difícil. O que precisamos é de um procedimento ativo do Facebook na prevenção. Se ele consegue identificar a foto de uma pessoa pelo rosto, não consegue identificar um pássaro ou um réptil que está sendo vendido ilegalmente?”, questiona Roberto Cabral Borges, coordenador de operações de fiscalização do Ibama.
Para o órgão ambiental, o Facebook deveria providenciar algum controle sobre o material que circula em grupos fechados, a exemplo do que já realiza com outros tipos de crimes, como pedofilia e tráfico de drogas.
Deflagrada no último dia 5 em 15 unidades da Federação com apoio das polícias Federal, Rodoviária Federal e Civil e Militar nos estados, a Operação Teia resultou em 98 autos de infração, com multas no valor de R$ R$ 1,88 milhão.
Foram resgatados 310 animais silvestres nativos da fauna brasileira que estavam mantidos em cativeiro ilegal, incluindo serpentes, jabutis, lagartos, jacarés, macacos, iguanas, escorpiões e aranhas.
A legislação considera crime vender, expor à venda, exportar, adquirir, guardar e ter em cativeiro ou depósito esses animais. A pena prevista é de seis meses a um ano de prisão e multa. Também é crime ambiental a entrada de animais no país sem parecer técnico favorável e licença expedida pelo Ibama. A pena prevista é detenção de três meses a um ano e multa.
Uma resolução do Ibama de 1998 estabelece o que é ou não crime no comércio de animais. Está liberada a venda, por exemplo, de animais domésticos, tais como gatos, cachorros, coelhos, periquitos australianos, canários belgas, galinhas, porcos, entre dezenas de outros.
São necessários autorização e acompanhamento dos órgãos ambientais para a criação de animais como aranhas e escorpiões gigantes.
A legislação permite a criação em cativeiro e venda de diversas espécies de animais, desde que autorizadas pelos órgãos de controle ambiental e cadastrados no Sisfauna (Sistema Nacional de Gestão de Fauna Silvestre).
Atualmente apenas o estado de São Paulo não está integrado ao Sisfauna, segundo o Ibama, que registra ao todo 893 criadores cadastrados.
Em nota à reportagem, a assessoria do Facebook no Brasil afirmou que sempre colabora com as autoridades brasileiras e age imediatamente, retirando do ar páginas que são alvos de denúncia.
“Nossos padrões de comunidade proíbem o uso do Facebook para venda de animais. O Facebook remove qualquer conteúdo desse tipo assim que fica ciente e fornece às autoridades os dados requisitados seguindo a legislação. Encorajamos as pessoas a denunciarem conteúdos questionáveis na plataforma para que nossos especialistas possam revisar esses materiais rapidamente”, disse em nota.
A rede social também afirmou que sua política comercial estabelece que as publicações não devem promover a venda de animais.