As investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial no Patrimônio Público (GAEPP) do Ministério Público de Goiás (MP-GO), revelaram um esquema organizado funcionando na Secretaria Municipal de Saúde ligando agentes públicos e empresários, laranjas e pagamento de propinas no desvio de recursos destinados aos serviços de saúde que vivem uma das maiores crises da história recente do sistema. A apuração inclui acusações de corrupção, falsidade ideológica, peculato e uso de “laranjas” para facilitar a devolução de propinas aos envolvidos.
Confira a íntegra da representação do MP-GO ao final.
O caso tem como principais investigados o secretário Municipal de Saúde, Wilson Modesto Pollara, e seus subordinados, o secretário-executivo da secretaria, Quesede Ayres Henrique, e o diretor financeiro, Bruno Vianna Primo. O trio, que foi preso na manhã desta quarta-feira (27) e afastado dos cargos por determinação judicial, teria usado sua influência para manipular repasses de verbas públicas, “priorizando fornecedores específicos e exigindo propinas em troca de pagamentos com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Segundo o Ministério Público, entre as práticas criminosas identificadas estão a violação da ordem cronológica de pagamentos, favorecendo ao menos três empresas.
Além disso, teriam realizado pagamentos irregulares em contas de terceiros, fora dos mecanismos oficiais de controle, configurando lavagem de dinheiro, além de falta de transparência.
Pollara chegou a ficar afastado do cargo em junho por determinação do Tribunal de Contas dos Municípios, que viu contratação prejudicial aos cofres municipais realizada pela pasta que ele conduzia. Antes de voltar ao cargo, foi substituído por Quesede, também preso nesta quarta.
Outro ponto grave é o pagamento de propinas e o uso de intermediários, ou laranjas, para possibilitar a devolução de parte dos valores pagos às empresas atuantes na área de Saúde que eram favorecidas pelos envolvidos. As investigações apontam que, após o repasse oficial, os valores eram redistribuídos de maneira clandestina entre os envolvidos no esquema.
Essas práticas não apenas desviaram recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas também aprofundaram a crise na rede pública de saúde de Goiânia. Maternidades administradas pela Fundação de Amparo ao Hospital das Clínicas (FUNDAHC), como Célia Câmara, Dona Íris e Maternidade Nascer Cidadão, enfrentaram meses de graves dificuldades operacionais, com paralisações de serviços, falta de insumos e atrasos no pagamento de salários.
Quando Pollara assumiu o cargo, em 2023, a estimativa é de que a dívida com esses serviços era de 60 milhões e agora ela é calculada em R$ 121 milhões. Dados apontam que as maternidades administradas pela FUNDAHC realizam, em média, mil partos por mês, mas enfrentam escassez de insumos e suspensões de atendimento constantes devido ao atraso nos repasses devidos.
A Diretora Executiva da FUNDAHC, Lucilene Maria de Sousa, prestou depoimento espontâneo e forneceu provas que corroboram as irregularidades. Entre elas, estão mensagens trocadas com os investigados que detalham o direcionamento de pagamentos e a ingerência direta na gestão financeira da fundação.
Em um exemplo marcante, Bruno Vianna Primo teria solicitado à FUNDAHC uma lista de passivos com fornecedores, manipulando a ordem de pagamento para priorizar empresas alinhadas ao esquema. Outras evidências apontadas na investigação incluem comprovantes de transferências bancárias para contas privadas de indivíduos sem vínculos formais com o município, justificadas como “empréstimos”.
Além do impacto financeiro, a crise gerada pelo esquema resultou na interrupção de serviços críticos de saúde, afetando milhares de pacientes. No caso das UTIs, por exemplo, a cidade assistiu a morte de quatro pessoas em menos de dez dias enquanto havia leitos bloqueados por falta de pagamento por parte da secretaria.
O GAEPP enfatiza que as condutas investigadas violam os princípios da legalidade e impessoalidade, causando prejuízos irreparáveis ao erário e à população.
Entre as medidas autorizadas pelo Judiciário, estão a busca e apreensão de documentos e dispositivos eletrônicos, além da quebra de sigilos bancários e fiscais dos investigados. Essas ações visam aprofundar as apurações e identificar outros envolvidos no esquema que causou os prejuízos à saúde da capital, envolvendo desde pagamento de propina até uso de laranjas. O caso segue em investigação, com medidas cautelares sendo implementadas para apuração completa dos ilícitos e responsabilização dos envolvidos.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos presos.