22 de novembro de 2024
Especial

Entidades e artistas revelam consequências da falta de incentivos a cultura de Goiás

Foto: Altair Tavares
Foto: Altair Tavares

{nomultithumb}

O Estado de Goiás tem uma dívida em aberto do Fundo de Arte e Cultura (FAC) que vem desde 2015 e totaliza R$ 58,5 milhões, referente a mais de 350 projetos artístico-culturais dos anos de 2015, 2016 e 2017. O orçamento próprio estipulado em lei que é de 0,5% da arrecadação líquida do Estado. Sem os repasses corretos entidades e artistas goianos revelaram ao Diário de Goiás as consequências do não pagamento. Além disso, é possível que seja feito um novo mecanismo que no entendimento desses artistas pode substituir uma das principais Leis de incentivo, a Lei Goyazes.

Segundo o Instituto Mauro Borges (IMB) quase 278 mil pessoas trabalham com Economia Criativa em Goiás. São artesãos, cineastas, designers, produtores de eventos, artistas plásticos, músicos, bailarinos, arte-educadores, publicitários, editores, restauradores, atores, museólogos, dentre outros. Esse número representa 8,5% das pessoas ocupadas no Estado.

Dados divulgados na Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa, em novembro de 2018, para discutir as políticas culturais do Estado, o Núcleo Gestor do Fundo de Arte e Cultura (FAC), apresentou que 113 cidades de Goiás, do Brasil e do exterior receberam atividades dos projetos aprovados entre 2014 a 2018. Em 2016 os projetos aprovados  previam a geração de 3.500 empregos diretos. Em 2017 o número aumentou, sendo que os projetos aprovados geram 5.081 empregos direitos e 6.052 empregos indiretos.

Ainda segundo o IMB, a Economia Criativa em Goiás (que inclui Artes Cênicas, Artes Visuais, Música, Gastronomia, Cultura Popular e os Patrimônios Materiais e Imateriais) representa aproximadamente 7% do PIB Goiano. Em nível nacional a Economia Criativa representa 4% do PIB. Em Goiás o PIB da Economia Criativa é quase o dobro da média nacional.

O produtor cultural, Marcelo Carneiro, cita que existe vários projetos publicados no Diário Oficial do ano passado. “Como entramos no começo do ano com o problema do compliance que foi assinado um decreto no governo anterior onde extinguia os incentivos fiscais e foi incluído o esporte e a cultura, depois ficou paralisado até agora praticamente. Esse compliance permitiu através de convênio que o governo prorrogasse esse incentivo até setembro e dos R$4,8 milhões o governo de Goiás, agora está liberando R$1,5 milhão para projetos que fizeram alguma capitação no ano passado”, expõe.

Marcelo explica que existem negociações com o governo para liberar o restante de R$3,2 milhões. “O que já foi colocado é que a liberação até setembro é de R$1,5 milhão, mas a gente ainda está dialogando”, diz.

 

Leia Também: No lançamento das cavalhadas de 2019, IPHAN inicia processo para evento ser patrimônio cultural

 

Consequências da falta de investimento público em cultura

O investimento em arte e cultura, pelo Estado garante uma criação diversa  das relações do homem com o mundo e as representações simbólicas passadas de geração em geração. A falta desse investimento coloca as pessoas em situação de desemprego e de falta de recursos. Não só artistas, como profissionais que trabalham nos bastidores de cada projeto.

A paralisação dos programas de fomento prejudica a regularidade de atividades como oficinas, seminários, pesquisas, eventos de diversas naturezas, publicações de livros, exposições, shows, espetáculos, restauro de prédios históricos e reforma de espaços culturais, e tantas outras formas de manifestação, registro e salvamento da memória cultural e artística do Estado.

O ator e produtor Evandro Costa comenta,“muitos projetos realizados no Estado são exclusivos para escolas públicas, ou seja, as escolas têm recebido muitos projetos que ajudam na formação do aluno e na especialização do professor”, destaca.

 

Debate: Café com Prosa discute o Patrimônio Cultural de Goiás

 

Entenda: a Lei Goyazes pode ser substituída?

Criada em 2002 pela Lei Estadual de nº 13.613 é um mecanismo de incentivo que prevê renúncia fiscal do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para que empresários e empresas goianas invistam em projetos culturais, socioculturais e artísticos.

Para obter o patrocínio, artistas e associações culturais devem submeter projetos para avaliação do Conselho Estadual de Cultura. Em caso de aprovação, o proponente recebe uma carta de crédito, através da qual pode tentar negociações junto à iniciativa privada, para obter o patrocínio do seu projeto. O valor investido pela empresa será descontado do ICMS pago ao governo. (Veja a lista dos projetos aprovados no ano passado).

O produtor cultural, Marcelo Carneiro, revela que o governo através da Secretaria de Economia estão propondo um novo instrumento de financiamento. “Isso no nosso entendimento é entre aspas uma possível substituição da Lei Goyazes, seria um instrumento diferente de renúncia fiscal. Mas ainda não dá para falar disso porque a gente está buscando esses documentos que ainda não foi assinado pelo governador para que a gente tenha informações e faça a análise antes de opinar”, afirma.

“Só ouvimos essa proposta verbalmente, que é fazer com que as empresas que são beneficiadas pelos programas Fomentar e Produzir, que esses programas dão incentivos diretos para as empresas, onde elas ganham o desconto. Esse novo instrumento do governo quer obrigar essas empresas que são beneficiarias a aplicar um percentual desse benefício que elas tem. A gente precisa analisar o documento e ver como a Secretaria de Cultura vai operacionalizar o processo. A Secretaria da Economia está correndo para que seja feito isso ainda este ano, para operar rápido”, salienta Marcelo.

O ator da Indelicada Cia Teatral, Evandro Costa, destacou a importância da Lei Goyazes que é para ele, uma das mais importantes  do Estado. “Cada projeto que é incentivado pelo Estado passa por uma criteriosa avaliação, ou seja, se quero apresentar um teatro eu tenho que montar um projeto, criar um edital e deixar claro tudo que vai ser feito e o que vai usar”, destaca.

“Estamos falando de projetos que atendem a periferia de Goiânia, do Estado, de municípios que não tem condições de manter  uma escola de música ou de teatro. Projetos que ajudam nas escolas, porque esses projetos tem que estar ligados a escola pública. Todos os projetos tem que ter acessibilidade, ou seja, a peça de teatro precisa ser acessível para que atenda todos os públicos”, acrescenta Evandro.

 

Leia Também:  Gestão de recursos, geração de emprego e fomento à cultura e OS na educação dominam 1º bloco

 

O impasse do FICA 2019

Em relação ao FICA, o produtor cultural Gilberto Correia afirma que é um direito adquirido e que é obrigação do Estado pagar. “Levamos cultura através dessas ferramentas para periferia e onde as pessoas não têm acesso e aonde tem também. Não acredito que aconteça o Fica, e o Canto da Primavera. Vamos continuar lutando pelo que já conquistamos e buscar melhorias. O que move a verdadeira cultura no país são os ‘incentivos'”, destaca.

Para o ator Evandro Costa, o FICA é um evento muito importante, assim como o Canto da Primavera. “Ele marca o progresso da cultura em Goiás, é o único festival com a temática ambiental. Eu acho que o FICA vai acontecer, mas a o Estado de Goiás e a Secretaria de Cultura precisa nos apresentar um plano de solução, ela não pode é fazer de um e esquecer dos outros. A gente reconhece as dificuldades, a questão é que a cultura não pode ser deixada de lado. Não tem sentido jogar toda a evolução da cultura em Goiás no lixo. Se aumentou a arrecadação em R$1 bi, a gente não entende o porque da demora em pagar a cultura”, afirma.

Já  Marcelo Carneiro, acredita que todos sabem  importância do FICA, mas que pela crise enfrentada o adiamento seja “natural”. “Talvez seja um processo natural, se o governo não está pagando Lei Goyazes na integralidade, agora que liberou uma parte, parece ser natural. Eu acredito que seja de fato uma adiamento dentro de um contexto , porque se o governo faz diferente com o FICA  talvez confunde, porque se está tudo ruim e o FICA vem ai parece que havia uma enrolação nos outros”, aponta.

 

Leia Também: Financiamento à cultura mescla doações da sociedade e aporte bancário

 

E se a cultura acabar?

O músico, produtor cultural e presidente da Associação dos Cantores e Compositores do Estado de Goiás, Gilberto Correia, expõe que em relação aos cachês locais foi pago apenas um quarto. “Emitimos a Nota Fiscal inteira e recebemos por enquanto 25%”, disse.

Avaliando a situação, o músico expressa que já está “acostumado”. ” O que gerou preocupação foi a quebradeira do Estado e a transição para um outro governo. Sempre atrasam mas no final pagam”, destaca.

“Os cachês do Fica e Outros festivais não são incentivos, são serviços prestados, portanto uma dívida do Estado. Fica o Vila Mix, que é comércio que acham que é cultura, mas nem tudo que é entretenimento é cultura. Mas, cultura pode entreter”, explica Gilberto Correia.

“Não acredito que acabe, pode ficar fragilizada, mas acabar não”, diz o músico ao ser questionado se a cultura no Estado acabaria sem os incentivos.

Em se tratando de incentivos, o presidente da Associação dos Cantores e Compositores do Estado, aponta algumas sugestões. “Cumprir o que diz a lei, tanto a Goyazes, as leis municipais e federal, basicamente é isso e  resto é consequência. Além de estabelecer realmente políticas públicas de incentivo à cultura e acesso a todos”, afirma.

“Apesar de alguns problemas com esses eventos do Estado, leis e fundos de cultura , mesmo com inúmeros problemas e que estamos lutando para melhorar, ainda são responsáveis por atender um grande demanda da cultura e tem gerado “cultura”, renda e trabalho envolvendo diversos profissionais da cadeia artística. Além de contribuir para formação social e cultural de cada cidadão”, conclui Gilberto.

Em nota a Secretaria Estadual de Cultura (Secult) disse que a dívida vem desde 2015 e referente aos projetos os valores é muito relativos. Veja na íntegra:

 


A dívida em aberto do Fundo de Arte e Cultura (FAC) vem desde 2015 e totaliza R$ 58,5 milhões. Os valores são relativos, principalmente, à falta de pagamento, por parte do governo passado, de projetos e editais. São dezenas de casos nesta situação.

A normalização da situação faz parte de um contexto mais amplo e depende de uma análise jurídica que ultrapassa a competência exclusiva da Secretaria de Cultura do Estado de Goiás (Secult Goiás). Por serem considerados restos a pagar e por não ter sido deixado recurso em caixa para quitação, o pagamento destes valores depende de análise e de normatização por parte do Governo de Goiás.


Leia mais sobre: / / / / / / / Especial