O número praticamente ilimitado de participantes em grupos no Telegram e o uso de ferramentas de programação aberta estão entre as principais diferenças da plataforma em relação a concorrentes como o WhatsApp. Ainda, a falta de representação no Brasil e a ausência de mecanismos que coíbam a distribuição de desinformação colocaram o aplicativo na centro da discussão sobre as eleições deste ano no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Estes problemas fizeram com que a Corte e o TSE tentassem repetidamente entrar em contato com a empresa, que cumpriu apenas uma das decisões do Supremo. Nesta sexta-feira, 18, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou a suspensão “completa e integral” do aplicativo de troca de mensagens Telegram no País com base no descumprimento de medidas judiciais anteriores. Na madrugada deste sábado, 19, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso contra a decisão.
Conforme o Estadão mostrou, grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, aproveitam a pouca moderação de uso do aplicativo e as regras flexíveis para a mobilização.
Para o diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz, o Telegram é um aplicativo que tem funções que se assemelham mais às de uma rede social e a outras que estão mais próximas a mensageria privada, o que o diferencia dos similares. “Eu diria que ele é quase um ‘anfíbio’, metade com a criptografia de mensagens e metade com seus canais abertos e grupos, que podem abrigar centenas de milhares de pessoas”, afirmou.
Pesquisadora do departamento de Comunicação e Mídia da Universidade de Liverpool, Patrícia Rossini também elenca como principais particularidades do uso do Telegram a facilidade de disseminação de informações e funcionalidades de API (código) aberto que permitem, por exemplo, a criação de contas automatizadas.
Ela ressalta, contudo, que o bloqueio do Telegram não impede a ação de grupos extremistas, que continuarão a existir mesmo em aplicativos mais moderados e que colaboram com a Justiça. “As pessoas irão migrar para outros aplicativos semelhantes que ainda recebem pouco ou nenhum escrutínio. O simples bloqueio do Telegram não significa que grupos ideológicos e motivados a espalhar desinformação ficaram sem lugar”, disse.
Entenda as diferenças
Telegram e WhatsApp têm criptografia ponta a ponta como funcionalidade de segurança, mas o aplicativo russo também possui chats secretos, que facilitam conversas reservadas e, segundo especialistas, têm regras mais flexíveis de uso.
Enquanto o WhatsApp tem um teto de 256 pessoas por grupo, o Telegram permite 200 mil, além de criar canais exclusivos de transmissão, como o do presidente Jair Bolsonaro, com aproximadamente 1,1 milhão de inscritos. Estes canais têm número ilimitado de participantes.
Na esteira, a empresa também não tem mecanismos reguladores de distribuição, enquanto o WhatsApp limita o número de pessoas para as quais uma mensagem pode ser retransmitida ao mesmo tempo, e marca como “encaminhada com frequência” quando há grande circulação.
Em seu site oficial, o Telegram apresenta um tópico chamado “qual a diferença do Telegram para o WhatsApp?” em que lista, por exemplo, a capacidade de desenvolvedores criarem programas dentro do próprio aplicativo como principal ponto. “E essa é apenas a ponta do iceberg”, escreve. Também no site, a empresa oferece um “prêmio” de US$ 300 mil para quem conseguir decifrar as mensagens do aplicativo.
A ausência de representação no Brasil e a falta de colaboração da empresa se tornaram pontos cruciais para a decisão de Moraes. Para reverter a suspensão, o Telegram vai ter que excluir post de Bolsonaro que ataca urnas eletrônicas, pagar multas e indicar representação oficial no País.
Em resposta à decisão, o fundador do Telegram, Pavel Durov, pediu que a Corte considere adiar a suspensão para que o Telegram possa nomear um representante no Brasil e “estabelecer uma estrutura para reagir a futuras questões urgentes como esta de maneira acelerada”.
Outros aplicativos
Na disputa presidencial de 2018, o WhatsApp ganhou protagonismo ao ser usado para a divulgação de mensagens e boatos, o que levou a ataques pessoais. Na ocasião, a empresa admitiu que registrou a atuação de grupos privados no disparo massivo de mensagens.
O chamado impulsionamento de conteúdo é permitido pela legislação eleitoral, mas seu uso deve ser identificado como tal e contratado apenas por partidos e coligações diretamente com as plataformas de redes sociais.
Já o Facebook foi tomado como problema central nas eleições americanas de 2016, após a imprensa divulgar que os dados de usuários fomentaram o banco de informações da firma britânica de marketing político Cambrigde Analítica. Agora, junto ao Instagram, a plataforma possui um projeto de verificação de notícias, que procura diminuir o alcance de informações falsas.
Em meio à pressão dos usuários, o Twitter também anunciou um botão que propõe regular a desinformação na plataforma. A iniciativa aconteceu em meio ao aumento de conteúdos falsos que circulam na rede durante a pandemia da covid-19.
Com funcionalidades diferentes, outras plataformas também são usadas para trocas de mensagens, como o Discord, o Signal, o Messenger, o Hangouts, o Skype e o Vibe. (Estadão Conteúdo).
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