09 de janeiro de 2025
RETRATAÇÃO

Editora científica retrata e “despublica” 34 artigos de professor de instituição federal goiana

Pesquisador tem outros 13 artigos investigados; ele divulgou que não teve direito a defesa e entrou com recursos no Committee on Publication Ethics (COPE)

Uma editora especializada em publicações científicas “despublicou” (retratou) 34 artigos científicos e pode fazer o mesmo com outros 13 em investigação, todos assinados por Guilherme Malafaia Pinto, pesquisador do Instituto Federal Goiano (IF Goiano), no campus da cidade de Urutaí. Ele consta como autor correspondente dos artigos, mas a editora aponta “constatação de informações fictícias”.

A história foi revelada nesta sexta-feira (6) pelo jornal Folha de São Paulo, mas a ação da editora Elsevier começou em outubro e está sendo alvo de recurso do pesquisador junto ao Committee on Publication Ethics (COPE), conforme divulgou Malafaia em sua conta do Instagram (leia ao final).

Guilherme Malafaia é professor efetivo lotado no Departamento de Ciências Biológicas do Campus de Urutaí. Em publicações do IF Goiano ele é citado como mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e Universidade Federal de Goiás (UFG). Além disso, concluiu 7 estágios de pós-doutorado em distintas instituições no Brasil e no exterior.

O COPE, conforme o professor, é uma organização internacional dedicada à ética em publicações científicas, “que prontamente designou uma subcomissão para revisar o caso”.

Segundo a reportagem da Folha, a Elsevier decidiu “despublicar” os artigos científicos que saíram em um dos seus periódicos, o Science of the Total Environment (Stoten). “E continuar investigando mais 13 artigos dele”.

Motivos da editora

A editora apresentou como motivo “a constatação de informações fictícias” e que, no processo de submissão, os autores indicaram pareceristas para as revisões dos artigos, “mas os dados apresentados, como contas de emails, eram falsos”, informou o jornal. Um dos revisores disse à Folha que não tinha ideia de que seu nome havia sido usado na avaliação dos estudos.

Biólogo Guilherme Malafaia Pinto se diz indignado com situação – Foto: reprodução IF Goiano

“Os 47 artigos têm como autor correspondente Guilherme Malafaia, do Instituto Federal Goiano, na cidade de Urutaí, a 143 km de Goiânia. O pesquisador nega a acusação e disse que não teve espaço para ampla defesa durante o processo”, informou o jornal. A reportagem do DG não conseguiu localizar o professor no Campus de Urutaí na tarde desta sexta-feira e aguarda retorno a mensagens enviadas por colegas dele para mais detalhes de sua versão.

À Folha, Malafaia disse que foi procurado em julho por um representante da equipe de ética da Elsevier que solicitou informações da origem dos emails de revisores sugeridos para os 47 artigos. Foi dado um prazo de resposta de 14 dias.

Biólogo pediu informações sobre investigação que “despublicou” artigos

Segundo a declaração, o biólogo afirmou que antes pediu mais informações, como quais seriam os pareceres considerados fictícios pela editora, e os dados da investigação.

Ainda conforme a reportagem, a editora respondeu que três nomes, Michael Bertram, Olga Kovalchuk e Graham Scott, apareciam na lista de revisores sugeridos, “porém todos confirmaram à editora desconhecer os endereços de emails apresentados”. Foi então que a Elsevier solicitou uma explicação de Malafaia sobre a origem dos endereços e, se usou uma fonte pública, para fornecê-la.

O pesquisador explicou que encontrou os três endereços em uma base científica pública chinesa chamada Infraestrutura Nacional de Conhecimento da China (CNKI, em inglês). Após a comunicação da Elsevier, ainda de acordo com a declaração dele ao jornal, não foi possível repetir os passos para obter os emails por problemas de acesso à sua conta, que teria sido hackeada, impossibilitando a comprovação de origem.

Ao jornal, o pesquisador citado, Michael Bertram disse não ser detentor da conta de gmail indicada por Malafaia no artigo e que só teve conhecimento do caso em maio, quando um editor da Elsevier o procurou perguntando se aquelas informações eram verdadeiras. “O pesquisador afirmou não conhecer nem Malafaia, nem os demais autores dos artigos investigados. Procurados, os demais revisores não responderam à reportagem”, publicou a Folha.

Assim como destacou no Instagram ainda em novembro, quando as despublicações dos artigos já estavam avançadas, ao jornal Malafaia se disse vítima de um processo editorial falho. Ele alegou que os editores deveriam ser os responsáveis por verificar a autenticidade dos emails dos revisores sugeridos.

“Por que os editores, que são os responsáveis por todo o processo editorial, não estavam envolvidos nisso?”, questiona na entrevista.

Professor perdeu acesso aos processos

Para agravar a situação, o pesquisador de Urutaí afirmou ter perdido o acesso ao portal de manuscritos do Stoten durante a investigação, o que o impediu de baixar os arquivos referentes ao processo.

Conforme apurou a Folha, um dos editores da revista chamou a atenção da equipe de integridade em pesquisa e ética de publicação para os artigos em questão. Esse grupo, por sua vez, abriu uma investigação.

“Seguindo o processo do COPE, a investigação descobriu endereços de email fictícios para certos revisores sugeridos pelos autores e, portanto, a decisão foi de retratar os artigos”, declarou a editora.

Ainda segundo as informações da editora ao jornal, suas publicações mantêm altos padrões de rigor e ética para proteger a qualidade e integridade de pesquisas.  “Nosso objetivo é prevenir quaisquer casos que possam potencialmente comprometer a integridade do registro científico e a confiança na pesquisa”, acrescentou.

Periódico teve avaliação suspensa por conta de suspeitas envolvendo qualidade do conteúdo

O Stoten é um periódico voltado para pesquisas ambientais e suas relações com as pessoas. Segundo a reportagem da Folha, com um “fator de impacto elevado”, ele teve sua avaliação suspensa temporariamente em outubro pela plataforma Web of Science, que concentra periódicos científicos internacionais, devido a “suspeitas acerca da qualidade do conteúdo publicado”. A reportagem não relaciona se essa suspensão teve ligações com os artigos de Malafaia, mas tudo ocorreu no mesmo mês.

O jornal explica que, em geral, para publicar um artigo científico, o grupo de pesquisa envia a um periódico um manuscrito, que primeiro é avaliado por um editor para identificar qual a área ou o tema principal do trabalho. Em seguida, ele o encaminha para dois ou mais revisores, especialistas naquela área.

Os revisores analisam o conteúdo da pesquisa e podem sugerir modificações ou identificar erros na metodologia. Depois, com os pareceres deles em mãos, o editor dá a decisão final se o artigo deve ser aceito, aceito com modificações ou rejeitado.

Análise mostra que períodico alvo do imbróglio favorece quantidade e não qualidade

Uma análise mostrou que, assim como outros periódicos publicados pela Elsevier de áreas próximas, o Stoten é um tipo de publicação que “favorece a quantidade, não a qualidade dos artigos”, pontuou a Folha. “Em sua página, são indicados cinco dias para uma avaliação inicial do artigo, 82 dias para revisão até o aceite e cinco dias, após a decisão, para publicação, enquanto a média para revistas de renome é de seis a oito meses, e não há nenhuma garantia de aceite de início”.

Folha acrescenta que, em 2020, um artigo que supostamente apontava o uso de amuletos de pedra como forma de prevenção contra a Covid foi alvo de retratação pela revista após críticas de cientistas e por conter informações falsas sobre o vírus. “O editor do artigo foi o químico espanhol Damiá Barceló, o mesmo que editou a quase totalidade dos artigos retratados de Malafaia”, acrescentou o jornal.

Polêmico químico espanhol era coautor com biólogo sob investigação

De acordo com a reportagem, Barceló e Malafaia foram coautores em diversas pesquisas. Durante o processo de investigação aberto pela Elsevier, Malafaia disse que solicitou ajuda ao editor para que pudesse provar a sua inocência, conforme emails compartilhados com a reportagem pelo próprio pesquisador.

A Folha tentou contato com Barceló para saber sobre as circunstâncias da sua associação com Malafaia e o caso em questão, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem nesta sexta.

Professor relata indignação

Em sua conta no Instagram, Malafaia escreveu em 23 de novembro:

“Tenho acompanhado com muita apreensão e indignação as recentes retratações de artigos do nosso grupo, publicados na Science of the Total Environment (Stoten), da Editora Elsevier. É uma situação delicada e dolorosa, cujos impactos negativos respingam em uma ampla gama de pessoas: estudantes, professores, pesquisadores, além de instituições que historicamente representam a esperança por um país mais justo, ético e comprometido com o conhecimento e com cidadãos mais conscientes e preparados.

Desde a primeira comunicação com a Elsevier, tenho apresentado todos os esclarecimentos e provas documentais que desvinculam meu nome e o de todos os coautores de qualquer manipulação dos processos editoriais relacionados a esses artigos. Contudo, as comunicações por parte da Editora foram caracterizadas por respostas evasivas, abordagens em tom intimidador e uma preocupante ausência de elementos probatórios capazes de embasar o contraditório ou assegurar o pleno exercício do legítimo direito de defesa. Ao longo de todo o processo que culminou nessas retratações, minha busca por explicações claras e justas foi, muitas vezes, ignorada ou respondida sem qualquer feedback.

Diante desse cenário, recorri ao COPE (Committee on Publication Ethics), uma organização internacional dedicada à ética em publicações científicas, que prontamente designou uma subcomissão para revisar o caso. Dias depois, o COPE se posicionou formalmente junto à Elsevier, reiterando meus questionamentos e exigindo respostas claras e fundamentadas. A resposta da editora ao COPE, embora apresentada, permaneceu evasiva e insuficiente, justificando a continuidade da análise do caso pela subcomissão, que ainda está em andamento.

Apesar disso, as retratações foram publicadas, desconsiderando princípios básicos não apenas do COPE, mas da própria Editora, incluindo a necessidade de transparência, provas concretas e respeito ao devido processo.”


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