22 de dezembro de 2024
Cinema

Documentário sobre Cora Coralina reitera multiplicidade de poeta

Cena do filme Cora Coralina / Foto: Divulgação
Cena do filme Cora Coralina / Foto: Divulgação

Transpor as intensidades e o espírito da poesia para o cinema é um desafio no qual poucos foram bem-sucedidos. Enquanto a criação poética pode ser tão alusiva e musical, as imagens do cinema tendem ao concreto e à evidência.

Por isso, simbolizar na linguagem audiovisual exige outros procedimentos.

“Cora Coralina: Todas as Vidas” enfrenta esta e outras dificuldades para tecer um retrato ao mesmo tempo objetivo e subjetivo da poeta goiana. Os planos iniciais, aéreos, da cidade de Goiás, onde Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas nasceu e que transmutou com sua voz poética, fazem temer um investimento excessivo na bela imagem.

A acumulação do texto lírico em voz over com cenas que recriam a infância e adolescência de Ana disparam outras reticências para um espectador mais exigente com sutilezas.

No entanto, a experiência de Renato Barbieri na direção abre possibilidades que libertam o filme da prisão ilustrativa. A poesia de Cora é, claro, o material mais forte e não faria sentido ocultá-la ou pretender abarcar sua riqueza somente com imagens.

Ao mesmo tempo, os percalços existenciais de Ana Lins revelam a persistência de sua personalidade e evidenciam características de sua obra, como a relação fusional com a natureza. Além disso, a biografia da autora é também um retrato da condição feminina na pobreza brasileira, limitada pelo machismo e pelo moralismo, mas não calada.

A história pessoal mostra quantas mulheres Ana carregou em si, assim como projetou ela mesma e tantas outras nas criações de Cora Coralina.

O roteiro de Barbieri e Regina Pessoa costura esse material perigosamente híbrido com paciência e atenção, sabendo evitar os transbordamentos e excessos.

A escolha de seis atrizes para interpretar trechos de criações de Cora não serve apenas para reiterar a multiplicidade de sua poesia. Cada uma introduz um modo peculiar de dizer os textos e filmá-las em posição frontal, sem adereços, abre janelas ao longo do filme, respiros narrativos que nos convidam à escuta.

São escolhas que tornam “Cora Coralina: Todas as Vidas” diferente da leitura de uma biografia ou do mergulho em sua obra, uma demonstração de como incorporar o material factual e subjetivo de uma artista, reinterpretá-los e alcançar um resultado que vai além da encomenda bem executada.

CORA CORALINA: TODAS AS VIDAS

Direção: Renato Barbieri
Produção: Brasil, 2016, livre
Quando: estreia nesta quinta (14)
Avaliação: bom

Cássio Starling Carlos / Folhapress


Leia mais sobre: Cinema