05 de dezembro de 2025
RESISTÊNCIA CULTURAL

Dia Nacional do Povo Cigano: comunidade cobra inclusão no Censo e mais acesso a políticas públicas

Realidade de perseguições e invisibilidade do povo cigano no Brasil, uma minoria étnica reconhecida pela Constituição, exige enfrentamento ao “anticiganismo”
Comunidades ciganas mantém tradições e enfrentam invisibilidade no Brasil - Foto: arquivo/ MIR / Agência Brasil
Comunidades ciganas mantém tradições e enfrentam invisibilidade no Brasil - Foto: arquivo/ MIR / Agência Brasil

 O dia 24 de maio é dedicado à Santa Sara Kali, padroeira do povo cigano – e por isso é celebrado como Dia Nacional do Povo Cigano – e, com a data, uma publicação especial do governo federal, através da Agência Brasil, está apresentando a realidade e demandas dos ciganos brasileiros, também chamados de Romani. Goiás tem a 5ª comunidade mais numerosa de ciganos do país, localizada em Trindade.

Entre os demais estados, Goiás apresenta a maior concentração de população cigana no Centro-Oeste (93%). Conforme dados do CadÚnico de 2023, eram 1.609 famílias ciganas e 3.165 pessoas distribuídas em 101 municípios goianos.

Em Trindade, a estimativa era de 1.200 ciganos residindo especialmente nos bairros Samarah e Pai Eterno, a maioria em casas e não mais nas tradicionais tendas. Também há comunidades ciganas expressivas em Caldas Novas, Aparecida de Goiânia, Pontalina e Itumbiara, entre outras cidades goianas. Eles são grupo étnico Calon, um dos três principais grupos ciganos no Brasil, junto com os Rom e os Sinti. 

Perseguições históricas

Os Calon são originários da Península Ibérica, vieram especialmente degredados de Portugal, e chegaram ao Brasil durante a colonização. Os registros históricos são de que eles habitam o Brasil pelo menos desde 1574, ano em que o primeiro Calon, João Torres, chegou ao país. Nisso se diferenciam dos Rom e Sinti, que vieram para o Brasil para escapar da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial. 

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Reconhecido pela Constituição de 1988 como minoria étnica, o povo cigano do Brasil segue entre os grupos mais invisibilizados do país. Mesmo assim, conservam tradições e legados culturais, que incluem inclusive idiomas como o Romani, o Calé ou Chibi.

“Como outros povos tradicionais, reivindicam direitos básicos, como moradia digna, acesso à educação e ao trabalho”, informa a série que visa ampliar a voz dessas lideranças e revelar as principais demandas e desafios enfrentados pelo movimento romani no país.

Estimativa de até 1 milhão de romanis no Brasil

Estima-se que, no Brasil, o povo cigano varie de 800 mil a 1 milhão de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas a falta de apurações sobre ele nos Censos do IBGE é cobrada há anos pelo Ministério Público Federal (MPF).

Muitos ciganos ainda vivem em barracas de lona, mantendo a tradição – Foto reprodução Jornal Terral/ES

À parte da relação com o Brasil, o povo cigano tem uma história de diáspora, higienização étnica, genocídio e perseguição, inclusive, pelos nazistas, mas também de resistência que perpassa séculos.

“Portugal e Espanha sempre rejeitaram muito os ciganos e os proibiam de falar a sua língua, de praticar ofícios tradicionais, como a leitura de mãos, de uma série de coisas. Por exemplo, de ficar mais de 48 horas em um mesmo lugar. Daí o nomadismo ser uma coisa um pouco forçada. E as penas eram degredo para seu país e suas colônias”, explica o multiartista, pesquisador, ativista, jornalista e produtor cultural Aluízio de Azevedo, um calon.

Azevedo enfatiza que, por três séculos, Portugal conservou a postura de repelir esses povos. “Além dessas políticas persecutórias e colonialistas que Portugal fez, chegando ao Brasil, o Brasil seguia as mesmas regras, porque era uma colônia portuguesa. Era Portugal quem mandava. E, depois, isso permaneceu no Estado brasileiro, quando ele se liberta administrativa e politicamente de Portugal. Continua com o modus operandi”, observa.

Repressão e mortes

“Durante séculos, o Estado brasileiro foi muito mau com os ciganos, foi muito ruim. Inclusive, ocorreram episódios que ficaram conhecidos como as correrias ciganas, que era a polícia invadir acampamento, matar todo mundo e provocar a correria de todo mundo em fuga”, emenda.

“Isso aconteceu até muito recentemente, com mais força até a década de 1970, mas ainda acontece”, completa Aluízio de Azevedo.

Racismo e exclusão

No Brasil, entre os problemas ainda enfrentados por essa parcela da população estão o racismo, o preconceito e a falta de acesso a políticas públicas específicas, como apontam lideranças ciganas entrevistadas pela Agência Brasil.

“Sempre o racismo, o preconceito e a discriminação têm nos distanciado de acessarmos as oportunidades e feito uma diferença entre nós e a sociedade em geral. Nosso sangue é vermelho, igual ao dos outros, também sentimos fome, sede, dor, alegria, paixão. Somos seres humanos comuns, iguais a todos”, declarou o presidente administrativo da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), Wanderley da Rocha, também um calon.

Já o fundador da Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci), Claudio Iovanovitchi, um cigano rom do Paraná, argumenta na entrevista que o povo romani não está pedindo nada excepcional. “Não queremos inventar a roda, o fogo, novos caminhos para as Índias, coisas diferentes. Não é isso. Queremos o que já existe: o acesso à educação, à escola, à saúde, à habitação. Tudo que queremos já existe. Respeitando as especificidades dos ciganos”, pontua.

“Eu não quero gueto. Não quero gueto na escola. Quero que meu ciganinho seja bem-vindo na escola, com professores preparados”, declara. Ele reverbera questões que já fizeram o Brasil ser criticado na Organização das Nações Unidas (ONU).

Ciganos no Brasil

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Felipe Berocan Veiga pontua em um de seus artigos científicos, intitulado A incriminação pela Diferença, que “os ciganos ora são vistos como uma sobrevivência ou um arcaísmo, ora como uma recorrente ameaça”.

O pesquisador explica que a aversão ao povo romani tem “raízes profundas no imaginário, na iconografia, na literatura e nos contos populares”, que acabam ativando “medos infantis e evitações inconscientes”. E que estes, por sua vez, são capazes de aguçar os mais intolerantes a cometer atos de “violência mais explícita” contra membros de suas comunidades.

Desde o século 16, os povos ciganos ainda pleiteiam a contagem atualizada da população e a vigência do Estatuto dos Povos Ciganos, a ser criado por meio de projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. Atualmente, a matéria (Projeto de Lei nº 1.387/22) está parada na Câmara dos Deputados.

Apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto já foi aprovado na Casa e é considerado imprescindível pelas lideranças porque obrigaria o Estado a cumprir seus deveres para com os ciganos.

Plano Nacional para reagir ao “anticiganismo” ainda não avançou

Em agosto de 2024, o governo federal instituiu o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos, que engloba ações previstas para serem implementadas no período de 2024 a 2027 e oficializa a criação de seu comitê gestor. Com o Decreto 12.128/24, o Brasil se tornou o segundo país do mundo a lançar uma política nacional voltada estritamente para o povo romani.

Ao todo, o plano foi estruturado em dez objetivos, que envolvem combate ao “anticiganismo”, reconhecimento da territorialidade própria dos povos ciganos, direito à cidade, educação, saúde, documentação civil básica, segurança e soberania alimentar, trabalho, emprego e renda e valorização da cultura. Mas para a data deste ano ainda não se teve notícias do andamento das medidas propostas, mesmo com cobrança por parte do MPF sobre a implementação do plano.

(Com informações da Agência Brasil)


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