Por Vassil Oliveira
O presidente estadual do DEM, deputado federal Ronaldo Caiado, é a imagem do político tradicional, conservador. É o ‘velho’, na sacrossanta definição dos ideólogos apostólicos que pregam suas verdades inquestionáveis do bem contra o mal em manchetes nacionais. A ex-senadora acreana Marina Silva, que tentou criar a Rede Sustentabilidade e foi parar no PSB, é a semelhança abençoada da renovação. Ela é a (re)encarnação do ‘novo’. Também segundo a bíblia da pregação daqueles que anunciam a boa nova, de acordo com sua própria anunciação, nas disputas políticas.
Na prática, o que há: nas últimas semanas, quem personificou o que o novo representa foi Caiado; quem sustentou posicionamentos que comumente se identificam com o velho foi Marina. Basta ver o que disseram; basta ver como se comportaram. O bem e o mal foram às vias de fato, e o resultado é maquiavélico, ou Ronaldiniano: o discurso olha para um lado e o pragmatismo chuta para o outro. Nada diferente do que tem ocorrido, por exemplo, em Goiás nos últimos anos.
Centro das atenções, Caiado é sempre um referencial nas disputas em Goiás. As eleições para o governo inevitavelmente passam por ele. Desta vez, foi rifado de uma alinhavada costura política que buscava fazer do PSB uma alternativa na disputa polarizada entre PT-PMDB e PSDB no Brasil e em Goiás. A chamada ‘terceira via’. Foi o mesmo Caiado o elo entre Vanderlan Cardoso, candidato derrotado a governador em 2010, e o presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, governador de Pernambuco.
Vanderlan tinha saído do PMDB e buscava uma legenda para mais uma vez disputar o governo, em 2014. Caiado lembrou o fato em conversa com o jornalista Josias de Souza: “Eu articulei a entrada do Vanderlan [Cardoso] no PSB. O Eduardo foi a Goiás em março para a filiação dele. Passou o dia com a gente. Depois disso, ficamos em contato pelo telefone.”
Com a saída de Júnior Friboi do comando pessebista no Estado, Caiado agiu rápido. Colocou frente-a-frente Eduardo e Vanderlan. Numa só tacada, recolocou o PSB no jogo em Goiás, agradando em cheio Eduardo, e reacendeu para Vanderlan uma perspectiva de disputa com chances menos irreais. Caiado também resolveu um impasse pessoal, que deixava em aberto seu futuro político, embora mantivesse aceso o sonho de disputar o governo.
Em litígio com o governador tucano Marconi Perillo, em guerra declarada com os petistas e em confronto aberto com Júnior Friboi – pré-candidato peemedebista –, Caiado fez da terceira via uma trincheira estratégica. Pode-se dizer que obedeceu a uma máxima que gosta de repetir: caititu fora do bando é comida de onça. Político de direita, a negociação com Eduardo Campos, tido como mais à esquerda, mostrou tanto a sua disposição para a disputa quanto poder de articulação. Mas tudo caiu por terra literalmente do dia para a noite.
No dia do anúncio da filiação da verde Marina ao PSB, Caiado foi contemporizador: “Somos pessoas que se respeitam. Marina prega ética e transparência, o que combina com minha biografia. Sou um homem de estudo, de debate e de argumento. Não tenho preconceito para debate. É momento de diálogo e de se estabelecer pontos de concórdia. Quem gosta de cizânia e satanizar produtores rurais é o atual governo”, disse ele à jornalista Fabiana Pulcineli, de O Popular.
Marina, com o discurso politicamente correto da defesa do meio ambiente e da sustentabilidade, não retribuiu na mesma moeda. Três dias depois, em entrevista a vários jornais, ela vetou Caiado na aliança Rede-PSB. “Na cultura da Rede não há lugar para um inimigo histórico dos trabalhadores rurais, das comunidades indígenas e para quem articulou a derrota do Código Florestal”, disse, a O Globo.
O discurso de Caiado foi de conciliação, diálogo; o de Marina, de exclusão, sectarismo. Na base, divergências ideológicas claras. A resposta do goiano puxou menos por aí, e mais por valores que transcendem o tempo, novo ou velho. “O veto da candidata Marina Silva não é à minha pessoa, mas ao que represento, em três décadas de vida pública: o setor agropecuário e a liberdade de iniciativa”, pontuou Caiado em nota distribuída à imprensa.
Na mesma nota, o velho ruralista chama a atenção da representante da ‘nova política’: “A candidata tem razão num ponto: somos, eu e ela, coerentes. Só que – e essa é nossa diferença – não sou intolerante. Não confundo adversário com inimigo. Democracia não é política de terra arrasada, nem se aprimora em ambiente de duelo. Fui – e sou – um político afirmativo. Jamais escondi minhas ideias. Mas sempre convivi em ambiente democrático e civilizado, sabendo lidar com o contraditório. Veemência não é intolerância. Frequentemente, bem ao contrário, a intolerância se apresenta com a veste da delicadeza.”
O que é a nova política? E a velha? Uma pela outra: tudo é política.
PSB e velha UDN
Pesa sobre os ombros de Caiado em Goiás não apenas a imagem negativa com que se busca sempre carimbar aqueles que defendem o agronegócio – que emprega, no Estado, “nada menos que a metade da mão de obra ativa e responde por 67% do PIB”, como lembrou, também na nota, o democrata. Ele carrega o sobrenome de uma linhagem de políticos mais associados à truculência do que à modernidade, de uma era em que se fazia política mais pela força do que pelo embate de ideias.
Em todo caso, o histórico de Caiado é o de um político de ideias claras, definidas, e de apego ao debate. Ele não foge à luta. Defende o que pensa com veemência e discurso ácido, muitas vezes. No Congresso, age no mesmo sentido de suas convicções. Mas o faz no campo aberto da democracia. As divergências de Marina também obedecem aos pressupostos da democracia. O ponto que chama a atenção é ela renegar Caiado mas, ao mesmo tempo, aceitar aliar-se a outros velhos representantes de bandeiras idênticas às dele. Teoria e prática que se estranham.
Em Goiás, o PSB congrega hoje remanescentes da velha UDN, origem de Ronaldo Caiado, e do PSol. Convivem agora na legenda o ex-governador Alcides Rodrigues (ex-PP), Martiniano Cavalcanti e o vereador (em Goiânia) Elias Vaz. E também aqui a terceira via se pretende diferente, pautada pela renovação, embora o líder posto, Vanderlan Cardoso, tenha oscilado nos últimos anos do PR para o PMDB e do PMDB para o PSB, numa convicção que revela muito de pragmatismo e nada de convicção ideológica.
Um olhar pela história recente do Estado dá razão ao comportamento de Vanderlan, Marina e Eduardo Campos. Eduardo Campos que igualmente se anuncia novo, embora tenha mostrado nos últimos dias ser profissional na velha arte de saudar um novo aliado e, ato contínuo, renegá-lo, em nome de um objetivo que vem de séculos e séculos: a busca do poder acima de tudo.
Em 1998, Caiado foi símbolo de renovação. Como o candidato da unidade das oposições (PSDB, PFL, PPB e PTB – havia mais o PSDC, porém apenas para constar), ele ia à frente nas carreatas, junto com a hoje senadora Lúcia Vânia, para que Marconi Perillo – deputado federal mas pouco conhecido –, acenando entre os dois, pudesse ser identificado pelo eleitor (depois veio a cor da identificação, com o ‘moço da camisa azul’). Naquela eleição, o novo venceu o velho, e Caiado não estava do lado do velho.
Depois, ele e Marconi entraram em confronto, e o democrata sofreu a fúria do tucano, que lhe retirou aliados (do PFL, ex-DEM) e passou a defini-lo exatamente como representante do ‘velho’, algo a ser evitado. Em 2002, no entanto, Marconi buscou de volta Caiado para garantir a sua reeleição. E em 2010 fez de tudo para que tivesse o seu DEM na chapa, o que só conseguiu com a indicação do atual vice-governador, José Éliton (ex-DEM, agora no PP), então nada mais que um advogado ligado a Caiado.
Sem Caiado e o DEM (naquela época fortalecido ainda pela presença do senador Demóstenes Torres, no auge do sucesso midiático, antes do caso Cachoeira), Marconi teria conseguido a reeleição?
Armada verde
O pragmatismo de Marconi Perillo é o mesmo de Eduardo Campos e Marina Silva. O objetivo de todos: a conveniência da vitória – e o que vem com ela. Marconi lutou contra Caiado, mas buscou seu apoio quando precisou – e está pronto para fazer o mesmo. Seus aliados já acenaram com a possibilidade dele ‘aceitar’ Caiado, como um filho pródigo, de volta à sua base. Eduardo fez o mesmo quando visualizava perspectiva de palanque em Goiás: foi atrás do democrata e comemorou a aliança que abria caminho para Vanderlan e um palanque para ele, quando candidato a presidente.
Marina luta contra Caiado porque não pode contaminar um discurso politicamente correto de defesa de teses que encantam, mas que, na prática, precisam encontrar diálogo com o que os ruralistas defendem para poder verdadeiramente se efetivar. Ou a guerra é a solução? Ou impor a ‘sua’ verdade – seja de quem for – é que importa? Mas não é esta a questão agora: isso fica para depois, para o exercício do poder das ideias estabelecidas.
Rifando Ronaldo Caiado, Marina não precisa rifar Alcides Rodrigues, Heráclito Fortes ou parlamentares que porventura tenham votado contra suas convicções. São ‘um mal menor’. Porque Marina precisa mais que tudo de um símbolo para o seu palanque. Caiado é o símbolo. Como o é para o PT, que renega conversas com ele – e vice-versa. Como é o PT também neste momento para Marina, ainda que ela tenha crescido na legenda e se estabelecido em um ministério de Lula. Estratégia manjada? É a nova política criando raiz.
Para Caiado, o que há pela frente é outro pragmatismo. Com tantos adversários e portas fechadas, como sobreviver? Para onde ele vai? Insistir na terceira via em Goiás? Difícil, pois ele mesmo acenou que não é por aí. Ou mudará de opinião? A única porta aberta, por ora, é a de Iris Rezende no PMDB. Mas não é um caminho fácil. Iris e Caiado não chegam a ser água e óleo. Só que, junto com o PMDB está o PT.
Caiado jogou para o ano que vem a decisão do quê fazer menos por esperteza e mais por falta de alternativa. Por enquanto, é caititu fora do bando. Ecologicamente incorreto para uma terceira via pragmaticamente armada de palavras de ordem unida: um por todos, todos por uma candidata.