O receio de colocar o suposto apartidarismo da Lava-Jato, além do movimento anti-corrupção em cheque, fizeram o procurador da República e coordenador da força tarefa da Operação, Deltan Dallagnol descartasse uma candidatura ao Senado Federal. Embora considerasse que pudesse ser “facilmente elito”, Dallagnol ponderou que a intenção não seria apropriada no momento, mas não descartou uma futura candidatura. Além de ponderar seus desejos num grupo solitário de conversas no Telegram, a candidatura foi não apenas sondada como estimulada entre outros colegas procuradores e pessoas próximas a Dallagnol. É o que revela a nova série de reportagens publicadas pelo The Intercept no início da noite desta terça-feira (03/09). A Constituição proíbe que membros do Ministério Público tenham atuação político-partidária.
Sem sua candidatura consolidada, Dallagnol estimulou que seria necessário a presença de integrantes do Ministério Público Federal ‘lançasse um candidato por Estado’. As conversas começaram há aproximadamente três anos, em 2016. O procurador Vladimir Aras, que trabalhava em Brasília o estimulou a tentar o cargo. “Você tem que pensar no Senado”, que à época atuava como chefe da Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República. “Obrigado pelo incentivo, mas vejo muitos porens”, respondeu. Os trechos em parentes e que fazem referência às conversas estão sendo publicados na íntegra, sem edição ou correção, seguindo a mesma política adotada pelo The Intercept e os outros veículos que estão publicando a série de reportagens.
Aras rebateu dizendo que sua candidatura invalidaria a eleição de “inimigos” políticos. “Vc se elege fácil e impede um dos nossos inimigos no Senado: Requiao ou Gleise caem”, que se referia aos então senadores da República Roberto Requião (MDB) e Gleisi Hoffman (PT). “Não resolve o problema. Ajuda se o MPF lançar um candidato por Estado. Seria totalmente diferente e daria trabalho, mas pode ser uma das estratégias para uma saída”, respondeu Dallagnol. “No PR não precisaria ser eu rs, mas eu apoiaria fortemente essa rede de candidatos”, completou sugerindo que poderia ser cabo eleitoral de um suposto partido formado por membros do MPF.
Aras sugere então que o ex-juíz Sérgio Moro ou o então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima pudessem ser alternativas.
Pessoalmente, Dallagnol mantinha um grupo reservado apenas com ele como integrante. Ali, compartilhava suas ideias e devaneios. Ali, ele cogitou em janeiro de 2018 a candidatura para o Senado em 2022, mesmo que fosse para tirar de Brasília, um fiel aliado da Lava Jato: o senador do Podemos, Alvaro Dias. “Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado. Apesar de em 2022 ter renovação de só 1 vaga e de ser Álvaro Dias, se for para ser, será. Posso traçar plano focado em fazer mudanças e que pode acabar tendo como efeito manter essa porta aberta”. Ainda em 2018, Dallagnol recebeu um convite para ser candidato ao Senado, mas já havia decidido que não iria adiante nas investidas e propostas, neste sentido.
O martelo foi batido em dezembro de 2017 em conversa com o advogado Hadler Favarin Martines, fundador do grupo Mude e que estava sendo um dos incentivadores de Dallagnol ao cargo. “Grande Hadler, após muita reflexão, oração, ouvir muitas pessoas e chegando a um nível de convicção pessoal e fé bastante alto quanto ao que é melhor pensando em termos de movimento anticorrupção, ontem me antecipei ao meu deadline auto-imposto (tinha me colocado um deadline no fim de janeiro) e decidi não vou sair do MPF em 2018. Posso contar mais detalhes quando conversarmos pessoalmente, mas quis adiantar isso em primeira mão para Vc”, respondeu. Hadler respondeu dizendo que o procurador teria todo o apoio “independente da decisão que tomasse”.
“Resposta de candidato da zorra”
Apesar da decisão já tomada, Dallagnol ainda recebia mensagens incentivando-o a abrir mão da força tarefa e ir seguir os caminhos políticos no parlamento brasileiro. Em fevereiro de 2018, Vladimir Aras o pressionou. “Tá firme na candidatura?” mas Dallagnol esquivou-se: “Sou candidato hoje apenas a cabo eleitoral seu para a PGR!”, após ler risadas como resposta, Deltan concluiu: “Algo que fiz te deu essa impressão? Pergunto porque to indo na direção contrária. Lutar pela causa anticorrupção a partir de onde estou”. Aras riu e disse: “Resposta de candidato da zorra hahahah”.
Após trocarem algumas palavras, sempre com Aras incentivando o procurador, Dallagnol volta a ponderar que, naquele momento, sua candidatura seria prejudicial à causa anti-corrupção. “Eu não descarto também (assim como não descarto varias outras coisas), mas hoje minha saída, a meu ver e salvo alguma mudança radical de cenário, mais prejudicaria a causa anticorrupção do que ajudaria”.
A resposta de Aras é um incentivo. Segundo ele, Dallagnol ficou maior que o cargo de procurador: “Acho que não haveria prejuízo à causa anticorrupção. Vc ficou maior do que o cargo de procurador”.