Em depoimento ao juiz Sergio Moro, o herdeiro do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, afirmou que o pagamento a políticos em caixa dois era recorrente na empreiteira.
Em uma de suas planilhas, as doações eleitorais oficiais eram identificadas como “bônus”.
“Três quartos do custo estimado das campanhas era caixa dois. Então, o pessoal precisava de caixa dois”, disse o executivo, em audiência realizada na segunda (10) e tornada pública nesta quarta (12).
Segundo ele, tanto os candidatos não queriam declarar tudo o que gastavam, quanto as empresas não gostavam de mostrar que apoiaram mais um candidato que outro.
“Eu limitava o valor de doação oficial. O grupo vai doar oficialmente 70, 80, 90, 100 milhões. Ponto. Fora isso, a decisão de fazer o resto era pelo interesse do candidato, ou do empresário em não aparecer”, disse.
O atual delator da Lava Jato admitiu que a Odebrecht estruturou um departamento de propinas no início da década de 1990, simultaneamente ao escândalo dos anões do orçamento, em 1993, e à internacionalização da companhia.
A ideia era acabar com o “descontrole total” da contabilidade e continuar atendendo às demandas dos políticos.
Com isso, passou a pagar propinas no exterior -chamadas pelo empreiteiro de “pagamento não contabilizado”. Os presidentes de cada unidade de negócios tinham autonomia para fazer seus pagamentos.
Parte deles era feita em offshores. Outra parte, paga em dinheiro em espécie, por meio de doleiros que recebiam os valores da Odebrecht no exterior e se encarregavam de convertê-los para reais.
“Essa questão de eu ser o grande doador, no fundo, é também [para] abrir portas”, afirmou.
Segundo o delator, qualquer pedido que ele fizesse a um político no Brasil, mesmo que de um pleito legítimo, gerava uma “expectativa de retorno financeiro”.
“Infelizmente, em toda relação empresarial com um político, por mais que o empresário peça pleitos legítimos, no fundo, tudo gera uma expectativa de retorno”, afirmou.
AMIGO, ITALIANO E PÓS-ITÁLIA
No depoimento, Marcelo Odebrecht confirmou que o apelido “Italiano” era uma referência ao ex-ministro Antonio Palocci, tido como seu principal interlocutor no governo do PT; e o “Amigo”, ao ex-presidente Lula, que tinha um saldo junto à conta corrente de propinas da Odebrecht.
Também voltou a afirmar que se sentia “o bobo da corte” do governo, ao assumir projetos caros por pressão do governo federal, como os estádios da Copa.
“É um absurdo. O governo cria os problemas para a gente, e depois, quando a gente entope nossa agenda para solucionar, eles criam a expectativa de que a gente vai doar”, afirmou. “A gente fica lá mendigando para o governo resolver os problemas que me criou.”
O executivo também contou um episódio em que o ex-ministro Guido Mantega teria dito, em meio à negociação de um programa de refinanciamento, que tinha a expectativa de que a Odebrecht doasse R$ 50 milhões à campanha da ex-presidente Dilma Rousseff em 2010.
Esse valor está incluído nos créditos da planilha “Programa Especial Italiano”. Mantega, nessa tabela, é referido como o “Pós-Itália”.
“Ele não chegou para mim e falou para mim: ‘Olha, só vou fazer isso por causa disso’. Mas a gente estava discutindo um assunto, ele botou [o número] no papel e disse que tinha a expectativa”, afirmou Odebrecht.
Os vídeos do interrogatório, ocorrido no início da semana, foram divulgados nesta quarta (12), após o levantamento do sigilo da delação da Odebrecht pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
OUTRO LADO
Em nota, o Instituto Lula informou que o ex-presidente nunca pediu valor indevido à Odebrecht nem “a qualquer outra pessoa”. “Lula não tem nenhuma relação com qualquer planilha na qual outros possam se referir a ele como ‘Amigo'”, diz.
O advogado de Palocci, José Roberto Batochio, vem afirmando que o ex-ministro é inocente e que jamais intercedeu em favor da Odebrecht, mas cumpria seu papel. O apelido “Italiano”, segundo ele, não se refere a Palocci, mas “é um apelido em busca de um personagem”.
Mantega tem negado irregularidades. (Folhapress)