Na política, nada é apenas o que parece. Luiz Inácio Lula da Silva encontrou uma oportunidade rara de ampliar seu espaço político interno a partir de um ataque que, na verdade, nem era diretamente contra ele.
Donald Trump, em postagem numa rede social, criticou o Judiciário brasileiro pelo processo envolvendo Jair Bolsonaro. O presidente dos Estados Unidos não se referiu ao governo Lula nem ao presidente em pessoa. Seu alvo declarado foi o Supremo Tribunal Federal, que, segundo ele, estaria perseguindo politicamente o ex-presidente brasileiro.
Mas a política, em qualquer latitude, tem a curiosa capacidade de transformar ofensas em palanques, se oportunidades forem aproveitas. E foi exatamente isso que Lula fez. Ao responder que Trump estava interferindo nas questões internas do Brasil, o presidente não só defendeu a soberania nacional, mas se colocou ao lado do Supremo Tribunal Federal – justamente a instituição atacada. Somou pontos com os ministros.
Essa reação não foi apenas protocolar. Deu indícios de que foi um movimento calculado. Primeiro, porque a crise institucional no Brasil alimenta desconfianças sobre a capacidade do governo de pacificar a relação entre os Poderes. Ao endossar o STF e rejeitar qualquer ingerência estrangeira, Lula reforçou seu compromisso público com a ordem constitucional e a legitimidade das decisões judiciais, ainda que estas envolvam seu maior adversário político.
Segundo, porque, ao acusar Trump de extrapolar limites diplomáticos, Lula projetou a imagem de liderança que não aceita pressões externas sobre as instituições nacionais. Isso contrasta com a postura de Bolsonaro, que ao longo do mandato se orgulhou de alinhar o Brasil de maneira quase automática à Casa Branca no período de Trump.
Trump não mirou em Lula, mas seu disparo acabou produzindo um espaço simbólico que Lula rapidamente ocupou. Ao defender o Judiciário, o presidente se apresentou como fiador da soberania institucional e transformou um episódio que poderia parecer distante da sua esfera de atuação em um gesto de autoridade interna.
Nem tudo que é ataque produz prejuízo. Quando bem administrado, o ataque pode virar pretexto para projetar poder. Lula compreendeu que responder prontamente à nota de Trump seria lido pelo público interno como afirmação de liderança e respeito às instituições. Ao mesmo tempo, evitou qualquer traço de solidariedade com Bolsonaro, restringindo-se ao princípio geral: o Brasil não aceita tutelas externas.
Este é um caso que ajuda a ilustrar como a política raramente é apenas a arte do embate. É, sobretudo, a arte de transformar adversidades em narrativa estratégia. Lula ganhou uma oportunidade de ouro e, ao que parece, não hesitou em aproveitá-la.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: altairtavares@diariodegoias.com.br .

