19 de novembro de 2024
Publicado em • atualizado em 19/04/2024 às 16:27

O amor nos detalhes

Depois de alguns dias de desânimo, a vida resolveu me dar um presente. A mãe natureza tem suas próprias formas de mandar recados, e esse, senti que foi certeiro para mim. Estava me arrumando para os compromissos cotidianos, quando ouço um pedido de ajuda da minha mãe, que morre de medo de qualquer tipo de bicho. Um passarinho se enfiou em um cantinho da casa e não conseguia sair. Voava e caía. Tentava de novo, tornava a cair. Ela me chamou, já que meu diploma de bióloga guardado no fundo da gaveta deveria, em tese, servir para alguma coisa. 

Lá fui eu, já sabendo que não iria ser muito útil àquele ser, munida do meu mau humor matinal. Era uma coisinha de nada, um cisquinho em forma de pássaro, a coisinha mais linda. Um filhote de beija-flor. Tão raro quanto ver um beija-flor de perto é poder tocá-lo. Senti que não devia. O medo de levar uma bicada e o receio de machucá-lo com a tentativa de resgate quase me fizeram largar mão de ajudar. Mas, ao vê-lo se debatendo, percebi que tinha que tirá-lo de lá. 

Quando ouvi o piado da mãezinha beija-flor chamando pelo filho, aí meu coração derreteu. Tentei de um lado, ele escapou. Tentei de outro, ele correu. Enquanto eu o cercava e tentava, com delicadeza, trazê-lo para a palma da minha mão, a mamãe beija-flor dava rasantes em volta, desesperada pelo filhote. 

Entre várias tentativas desastrosas, uma quase desistência e uma coragem repentina, consegui pegar o bebezinho. Tão frágil e leve que mais parecia uma pluma em minha mão. Sentia o coraçãozinho bater acelerado. Ele se aninhou e quietou, estático, já temendo o pior, coitadinho. O coloquei lá fora, num cantinho do quintal para que a mamãe o visse. 

Foram quase dez minutos de agonia vendo-a sobrevoar a área sem achar o filhote. Desesperada, ela voltava para o lugar em que ele havia ficado preso, e quando percebia que ele não estava, piava agoniada. Não havia o que fazer. Eu não poderia me comunicar com ela. Me restou esperar, já que minha parte na história terminava ali. 

Depois de um tempo ela finalmente avistou seu bebê. Foi direto em direção a ele e depois partiu, deixando-o sozinho ao relento. Pensei logo que ela tinha desistido. Algumas espécies rejeitam os filhotes quando sentem o cheiro do “predador”. Por alguns minutos, sofri achando que havia sido abandonado e que o resgate, no fim, não teria adiantado de nada. Até que ela voltou, e eu vi uma das cenas mais lindas dos últimos tempos. 

A mamãe partiu para buscar comida. Bico com bico, ela o alimentou, o cercou de amor, ele no chão, ela no ar. As asas furta-cor batiam rapidamente, enquanto ela o “acarinhava”. Sem braços e nenhuma outra forma de pegá-lo no colo e tirá-lo dali, ela passou a manhã toda o fazendo visitas, levando comida, e olhando-o de cima. O bebê foi ficando mais espertinho, mais forte, mas mesmo assim, ainda não conseguia voar. Sem pressa, ela esperou o dia todo o observando, até que no momento certo, eles sumiram. Imagino eu que ambos conseguiram, enfim, seguir.

Presenciei o amor materno, o cuidado, a paciência em esperar calmamente o tempo do outro. No meu dia corrido, sem pausa para reparar os pequenos gestos de amor, fui obrigada a parar. Vi naquele gesto da mãe beija-flor a calma de que tanto preciso para enxergar as pequenas coisas da vida, a perceber que a paciência também é construída, que o afeto é singelo. Dizem que a presença de um beija-flor é sorte. E que sorte a minha. Fui tentar salvar o pássaro e foi ele que salvou meu dia. O amor está mesmo nos detalhes. 

Leia mais em: Crônicas do Diário

Luana Cardoso Mendonça

Jornalista em formação pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora e eterna curiosa. Compartilho um pouco do mundo que eu vejo, ouço e vivo, em forma de palavras, afinal, boas histórias merecem ser contadas