14 de setembro de 2024
Publicado em • atualizado em 12/01/2015 às 03:16

Direito de resposta e reclamações de leitores na “Regulação da Mïdia”

O debate sobre a regulação da mídia do Brasil não pode prescindir do que acontece no mundo e ignorar esta realidade é prova de desconexão com um dos principais fatos da atualidade. Há uma discussão conduzida, muitas vezes, pelo histerismo e pela utilização de condições como se fosse uma luta de direita contra esquerda.

A regulação da mídia é o estabelecimento de uma censura? Ao responder a questão muitos leitores podem reagir de forma contundente contra a proposta. No entanto, é importante ressaltar que “regular a mídia” é estabelecer caminhos e padrões para que uma reclamação de um leitor, ouvinte ou telespectador seja documentada e ouvida. E mais, seja estabelecido um “direito de resposta”.

Estes são dois pontos importantes: direito de resposta e reclamação contra divulgação de fatos inverídicos.

O texto abaixo, do Luiz Carlos Azenha, mostra muito bem como acontece na Inglaterra, onde a regulação da mídia é recente, sobre estes assuntos. 

Recomendo a leitura para que você, leitor, possa ter mais informações e argumentos para o debate sobre a “regulação da mídia”


Como funciona a regulação da mídia na “ditadura” britânica

Por Luiz Carlos Azenha, do Viomundo (publicado em 04/01/15)

Um homem reclamou que o diário Edinburgh Evening News, da capital da Escócia, publicou numa chamada de primeira página a foto da casa dele, remetendo erroneamente a uma reportagem nas páginas internas que tratava de abuso sexual. Por isso, queixou-se à recém-criada Organização Independente de Padrões da Imprensa (IPSO, na sigla em inglês).

A IPSO analisou o caso e considerou que o jornal violou os parágrafos um e dois do Código de Conduta dos Editores: “a imprensa precisa ter cuidado para não publicar informação imprecisa, distorcida ou enganosa, inclusive fotos”, “assim que reconhecidas, uma imprecisão significativa, uma declaração enganosa ou uma distorção precisam ser corrigidas prontamente e com proeminência e, quando apropriado, um pedido de desculpas deve ser publicado”.

A IPSO considerou adequada a retratação do Evening News no impresso e online. O jornal também se propôs a escrever ao leitor um pedido de desculpas e doar 50 libras esterlinas a uma instituição de caridade indicada por ele, medidas que o reclamante considerou insuficientes — a reclamação à IPSO não impede o leitor de recorrer à Justiça.

Num outro caso, a leitora Lisa Scott reclamou que o Daily Telegraph distorceu informações sobre as consequências do referendo na Escócia, ao dizer que as pessoas que financiaram casas através de um programa habitacional britânico se tornariam devedoras de um governo estrangeiro caso a Escócia se tornasse independente.

A leitora argumentou que, em caso de separação, os termos da independência escocesa seriam acertados em negociações entre as partes. O jornal argumentou que havia se baseado em informações do Tesouro britânico e mostrou o documento que serviu de base à informação. A IPSO decidiu em favor do jornal.

Os dados acima constam das primeiras decisões publicadas pela IPSO, que desde que substituiu a Press Complaints Comission em setembro de 2014 já recebeu cerca de 3 mil reclamações de leitores e leitoras daquela ditadura bolivariana chamada Reino Unido.

É direito de resposta na veia.

O comitê de reclamações da IPSO, presidido por um ex-juiz da Alta Corte, tem doze integrantes: sete independentes e cinco ligados à indústria de jornais e revistas. Tem poder legal para impor o direito de resposta e outras providências em defesa de leitores e leitoras. Trabalha com base no Código de Prática dos Editores.

Entre outras coisas, o código determina:

– A imprensa, embora livre para ser partidária, precisa distinguir claramente entre opinião, conjectura e fato;

– É inaceitável fotografar indivíduos em lugares privados sem consentimento deles;

– A imprensa deve evitar referência prejudicial ou pejorativa à raça, cor, religião, gênero, orientação sexual ou qualquer deficiência ou doença física ou mental de um indivíduo;

– Detalhes da raça, cor, religião, orientação sexual ou deficiência ou doença física ou mental de um indivíduo devem ser evitados a não ser se genuinamente relevantes para a reportagem;

– Mesmo quando não houver proibição legal, os jornalistas não podem usar para lucro pessoal informação financeira recebida antes da publicação, nem podem passar tal informação a outras pessoas;

– Jornalistas não podem comprar ou vender, diretamente ou através de nomeados ou agentes, ações ou títulos sobre os quais tiverem escrito recentemente ou sobre os quais pretendam escrever em futuro próximo;

– O código proíbe pagamentos por informação a testemunhas de julgamentos e a condenados ou acusados que tenham confessado crimes, direta ou indiretamente.

Será que a rainha se tornou chavista?

O regulador independente da indústria de jornais e revistas britânicos cuida tanto do conteúdo editorial quanto da conduta de jornalistas.

O Código de Prática os impede, por exemplo, de perseguir gente nas ruas atrás de informação, fotos ou imagens.

A IPSO monitora o trabalho das publicações e receberá um relatório anual de cada uma delas. “Lidamos com reclamações e conduzimos nossas próprias investigações sobre padrões editoriais e adesão ao Código”, informa a entidade.

“A IPSO tem poder, quando necessário, para exigir a publicação de correções proeminentes e de sentenças críticas, e pode multar publicações nos casos de violações sérias e sistêmicas”, acrescenta.

Mas, não é só. E como é que ficam as emissoras de rádio e TV, a internet, a telefonia e os Correios?

Para estes existe o Ofcom, regulador independente e promotor da competição no setor das comunicações.

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O Ofcom é o encarregado do cumprimento de um severo Broadcasting Code. Ele não cobre a estatal BBC, que tem seu próprio órgão de controle interno, independente do governo de turno.

É dividido em dez seções: proteção de menores de dezoito anos; danos e ofensas; crime; religião; imparcialidade e precisão devidas e proeminência indevida de pontos-de-vista e opiniões; eleições e referendos; equidade; privacidade; referências comerciais em programação televisiva.

O código do Ofcom garante cobertura justa a todos os partidos, candidatos e pontos-de-vista em período eleitoral e em referendos.

A seção de imparcialidade trata de evitar a proeminência de certos pontos-de-vista e opiniões em programas de rádio e TV.

Vejam que ‘escandaloso’ o parágrafo 9 da seção 7, que trata de Equidade:

“Antes de transmitir um programa factual, inclusive programas que examinem eventos passados, os concessionários devem ter cuidado razoável para que:

– fatos não sejam apresentados, descartados ou omitidos de forma injusta para um indivíduo ou organização; e

– a qualquer pessoa cuja omissão resultará em injustiça para um indivíduo ou organização seja oferecida a oportunidade de contribuir.”

Decisões típicas, tomadas recentemente pelo Ofcom a partir de reclamações de ouvintes e telespectadores:

– o radialista James O’Brien violou o Broadcasting Code ao fazer um comentário crítico sobre um partido anti-imigração, sem citá-lo nominalmente, num momento em que estavam abertas as urnas de uma eleição parlamentar disputada pelo partido;

– o apresentador Rohani Alam, de uma TV voltada para imigrantes, violou o código ao transmitir informações potencialmente danosas aos telespectadores, prometendo soluções para evitar pesadelos e como conceber uma criança do sexo masculino, dentre outras;

– a TV Ary News, também voltada para imigrantes, criticou, de maneira que o Ofcom considerou desequilibrada — e violadora do código — uma emissora independente do Paquistão, a Geo TV, acusada de blasfemar contra o profeta Maomé.

Em todos os casos acima citados, os violadores foram formalmente advertidos. As sanções podem incluir multas. Em casos extremos, o Ofcom pode cassar a licença, como aconteceu com a iraniana Press TV, quando se constatou que o concessionário britânico não tinha controle editorial sobre o conteúdo e, portanto, não poderia responder por ele.

A ironia é que, enquanto no Brasil se diz que a regulação da mídia equivale a censura, no Reino Unido a IPSO e o Ofcom se definem como mantenedores da liberdade de expressão de alto padrão.

Altair Tavares

Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .