A vereadora Camila Rosa (PSD), que teve o microfone cortado durante uma discussão com o presidente da Câmara Municipal de Aparecida de Goiânia, André Fortaleza (MDB), durante sessão em plenário, no último dia 2, foi ouvida nesta segunda-feira (7) pela ouvidoria da mulher do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO). De acordo com a advogada eleitoral que defende a parlamentar, Anna Raquel Gomes, se trata do primeiro crime político contra a mulher registrado em Goiás.
“Foi o primeiro registrado oficialmente pela ouvidoria da mulher no Estado de Goiás”, afirmou a profissional. “O simbolismo é grande. Não é uma situação da qual nenhuma mulher possa se orgulhar. Foi cometido um crime contra a vereadora enquanto parlamentar, contra o eleitorado e a democracia. Mas é icônico. Ela como representante das mulheres, que são ainda consideradas maioria minorizadas”, destacou, em entrevista ao Diário de Goiás.
O caso é analisado com base na Lei federal nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, referente aos atos do Poder Legislativo, que em seu artigo terceiro diz ser considerada “violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”. Apesar de o crime ser considerado novo, Anna Raquel ressalta que tais atitudes são recorrentes no âmbito do Poder Público.
“É icônico, porque nós estamos no segundo estado mais violento contra as mulheres, num país que é considerado o quinto mais violento contra as mulheres no mundo e é a primeira denúncia oficialmente registrada na ouvidoria da mulher no Estado de Goiás. Então não deixa de ser, infelizmente, um fato que vai servir de exemplo na luta das mulheres contra essa violência política de gênero. Porque se trata de uma conduta antiga. O crime pode ser novo, mas a conduta é antiga. As mulheres já sofrem há muito tempo nos espaços de poder”, pontuou a advogada.
Com relação ao caso de Camila, Anna Raquel destaca se tratar de um crime não somente com a parlamentar, mas com a sociedade como um todo, visto que a liberdade de expressão foi impedida naquele momento, diante de uma ação constrangedora. “Ela foi vítima, mas todas as mulheres e também a democracia, porque quando a fala de uma parlamentar no seu exercício é impedida, o crime acontece também contra o eleitorado e contra a democracia”, frisou.
O caso será analisado, a partir do depoimento de Camila, além da análise dos elementos, para que seja dado, então, o devido encaminhamento judicial. A advogada eleitoral elenca, entretanto, os crimes cometidos pelo parlamentar durante a discussão. “Ele tenta se defender assumindo um crime de quebra de decoro parlamentar. Ele, enquanto presidente da Câmara, não pode cortar o microfone a não ser naquelas situações que estão previstas no regimento interno da Casa”, disse.
“Segundo, a gente pode considerar, sim, que ele cometeu um crime contra a mulher porque em nenhum outro momento de nenhuma outra sessão ele pegou um post pessoal, que foi feito na página de qualquer outro parlamentar e expôs, um post que não foi feito para ele, nem sequer indiretamente, leu em plenário e começou a constranger em razão disso. O que ele queria naquela situação, a não ser constranger e humilhar, eu não sei, porque foi o que ele fez. Ele inclusive debocha, humilha mesmo. Ele constrange”, pontuou. “Ela não estava xingando ele, ela não estava gritando com ele, ela não estava desrespeitando ele”, acrescentou a profissional.
A advogada ressaltou, ainda, que Camila ficou extremamente abalada diante da situação, mas segue fortalecida, especialmente pelo apoio que tem recebido. “Ela é bastante forte e está firme na posição de seguir em frente e buscar o direito dela”, alegou Anna Raquel.
Relembre o caso
O debate entre os vereadores na Câmara Municipal de Aparecida de Goiânia começou quando André Fortaleza rebateu um post do Instagram da parlamentar. Na postagem, ela afirmou que usou de seu tempo de fala no retorno das sessões, na terça-feira (1), para “defender a importância da mulher na política e os direitos de todas as minorias que são rejeitadas e discriminadas na sociedade” e completou escrevendo: “Não toleramos mais preconceitos! Vou lutar até o fim pela igualdade e o respeito. O espaço político é de todos”.
O presidente da Câmara, na sessão desta quarta-feira, citou o post e afirmou: “Não sou contra a classe feminina, sou contra cota, contra oportunismo, ilusionismo. Por mim, não adianta, pode ser mulher, homem, homossexual”. Fortaleza disse ainda que não é machista, mas é “contra fake news” e também não é favorável às cotas femininas nos partidos.
“Eu não sou machista, sou contra fake news. Isso, para mim, é uma fake news. A classe feminina é importante para todos nós. Temos mães, irmãs. Não me vi ser preconceituoso ou machista porque falei que sou contra cota. Só falei que os direitos devem ser iguais, e os deveres também. Se não tem postura, não tem caráter, para mim não importa se é mulher o homem. Distorcer minha fala, não. Sou responsável pelo que falo. Não é porque é mulher que tem que sair atropelando todo mundo”, discursou.
A vereadora Camila Rosa pediu questão de ordem e foi atendida. A parlamentar rebateu o colega. “Não disse que o senhor era contra cotas. Se o senhor entendeu isso, a carapuça pode ter servido. O senhor sempre fala de caráter, transparência, parece que o senhor tem um problema com isso”, disse.
Nesse momento, se iniciou um bate-boca e Fortaleza ordenou que o microfone da vereadora fosse cortado. “Quer fazer circo, não vai fazer aqui não”, disse. A parlamentar, com o microfone desligado, seguiu reclamando da atitude do presidente, que afirmou: “Se acha que fiz algo errado, vá na delegacia e registre um B.O.”.
Depois que os ânimos se acalmaram, o presidente devolveu a palavra à vereadora. Ela, chorando, defendeu que as minorias representativas ocupem espaços de poder como modo de transformação social, além de reclamar da atitude do colega.
“É isso que fazem com as mulheres na política. É por isso que precisamos procurar nossos direitos. Não é uma questão de correr atrás de cota. A política é um espaço machista. No início da política, como eu disse ontem, só homens brancos e de alto poder aquisitivo. É necessário que nos espaços de poder estejam mulheres, negros, índios e pessoas da comunidade LGBT, que representam essas classes que sofrem a dor do preconceito”, frisou.
Camila Rosa ainda reforçou que não atacou Fortaleza no post e o acusou de querer atingir o secretário de Articulação Política, Tatá Teixeira, atacando-a. “Eu não disse que o senhor era contra cotas. É o senhor que está dizendo. Agora, o senhor querer me desmoralizar por um motivo que a gente sabe qual é – o senhor não quer me atacar, quer atacar o secretário Tatá (Teixeira, de Articulação Política). Eu não quero estar nessa briga de vocês. Não venha o senhor querer me desmoralizar. Não vou aceitar isso”, disse.
Retratação
Após a repercussão com relação ao ocorrido, André Fortaleza publicou uma nota de esclarecimento com o pedido de desculpas às mulheres de Aparecida de Goiânia, com a ressalva de apoiar a classe feminina. “De forma sincera, não esperava tamanha repercussão por ter cortado o microfone de uma parlamentar durante um debate acalorado”, escreveu o parlamentar. “Em respeito à todas as mulheres desse município, me sinto na obrigação de me desculpar e venho por meio deste, também, esclarecer meu total apoio para a classe feminina e reforçar que palavras nunca vão ter o mesmo valor de ações”, acrescentou.
Camila ressalta, entretanto, que a ação não foi estendida à ela. “Ele não me procurou, nem ninguém da sua assessoria. Eu tomei conhecimento através das redes sociais que eles tinham soltado uma nota pedindo desculpas às mulheres. Mas direcionado à minha pessoa, não disseram nada”, ponderou.