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Riscos: Atlas lançado por fundação alemã mostra que agrotóxicos preocupam há mais de meio século

Por 8 meses atrás

A preocupação mundial com os riscos oferecidos pelos defensivos agrícolas tem mais de meio século. Em 68 páginas, o Atlas do Agrotóxico no Brasil, da Fundação Heinrich Böol Stiftung, lançado pela rede “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida”, em 6 de dezembro de 2023, inicia com esse resgate histórico.

É um alerta que mostra que a aflição com os riscos oferecidos pelos agrotóxicos tem seis décadas. Mostra também o fundamento para a tensão continuar, já que o comprometimento da saúde, em especial, é absorvido sozinho pelo poder público. É que as fabricantes dos defensivos contam com isenção tributária que pode chegar a 100%.

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Rachel Carson autora eo clássico “Primavera Silenciosa”

O marco desses 61 anos de preocupação mundial com os riscos oferecidos pelos agrotóxicos foi a publicação do livro mundialmente aclamado “Primavera Silenciosa”, da bióloga Rachel Carson, em 1962.

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A obra descreveu os efeitos nocivos do uso de pesticidas. O trabalho foi inovador para o movimento ambiental e levou à rápida proibição de agrotóxicos altamente tóxicos e não-degradáveis, especialmente o DDT (Dicloro Difenil Tricloroetano).

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Casos de câncer

Um organoclorado, o DDT é um inseticida comprovadamente associado ao aumento nos casos de câncer, distúrbios neurológicos, sensoriais, respiratórios, entre outros males que levam à morte. É um caso exemplar da preocupação internacional com os riscos oferecidos pelos agrotóxicos que vem desde a década de 1960.

As propriedades inseticidas do DDT foram descobertas em 1939 pelo entomologista suíço Paul Müller. Curiosamente, a pesquisa de Müller lhe rendeu o Prêmio Nobel da Fisiologia e da Medicina em 1948. O motivo foi o combate ao transmissor da Malária que fazia milhares de vítimas pelo mundo afora.

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Extermínio de grande espectro

O DDT era uma descoberta importante, mas não se sabia os malefícios do exterminador de insetos. A falta do veneno chegou, inclusive, a ser criticada, relacionando sua ausência à prevalência de mosquitos como o Anopheles. O tipo Anopheles darlingi é o principal transmissor da Malária. E também o Aedes aegypti, transmissor de Febre Amarela, Zica, Chikungunya e Dengue. 

Foi com o tempo que muita gente percebeu que matar também seres humanos e contaminar o meio ambiente não fez do DDT uma boa alternativa. Por outro lado, nem era uma solução menos nociva do que os mosquitos. Ao contrário.

Soja geneticamente modificada

Mais de 60 anos depois da obra de Carson, questionam os editores do Atlas: “O cultivo de plantas geneticamente modificadas como a soja, criadas pelas mesmas corporações que estão produzindo agrotóxicos, tem contribuído para o aumento do uso de herbicidas, principalmente em países ricos em biodiversidade”.

A autora do trabalho, a Fundação Heinrich Böol Stiftung é uma organização política de cunho ecologista, entre outros. Foi fundada em Berlim, na Alemanha, em 1997. Ao mesmo tempo, possui representação no Brasil, no Rio de Janeiro, há 21 anos.

Campanha tem 91 signatários

A “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida” tem 12 anos. Para deixar clara sua mensagem, foi lançada em 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, em 2011.

Trata-se de uma rede de organizações da sociedade que se define focada em denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio. Além disso, anuncia a “agroecologia como caminho para um desenvolvimento justo e saudável da sociedade”.

Fazem parte desta rede 91 integrantes. São instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), movimentos sociais do campo e da cidade, como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Também estão na lista organizações sindicais e estudantis, entidades científicas de ensino e pesquisa. Outros segmentos do grupo são representantes de conselhos profissionais, parlamentares, ONGs, grupos de consumo responsável.

SUS paga a conta dos efeitos

O Atlas que o movimento divulga, cita que, entre 2010 e 2019, quase 57 mil pessoas foram intoxicadas pelo uso de agrotóxicos no País. Portanto, uma média de 15 pessoas por dia.

Atualmente os organizadores estimam que o impacto do atendimento para esses casos de intoxicação gera um custo de R$ 45 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, eles calculam que cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxico pode onerar o SUS em US$ 1,28.

Além disso, o levantamento aponta que 49% dos agrotóxicos utilizados no Brasil são da classe altamente perigosos (AAP). Ou seja, além da contaminação ambiente, imediata, ele alerta para uma contaminação gradativa pelo consumo de alimentos com grande teor de agrotóxicos.

O Brasil é definido como um exemplo de falta de regulamentação eficiente que impõe à população teores máximos de resíduos em alimentos. O atlas cita que no mercado brasileiro podem ser encontrados níveis de resíduos duas ou três vezes maiores do que os limites máximos da UE, mas também níveis centenas de vezes maiores.

Consumo na contramão da prevenção

O Diário de Goiás ouviu a biomédica e toxicologista Karen Friedrich, do Grupo de Trabalho de Saúde e Ambiente da Abrasco, sobre o cenário no Brasil. Ela explica que ele se torna crítico por conta do alto consumo de defensivos em relação à prevenção, ao passo que classifica a prevenção como muito frágil.

“A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) recalculou os dados de consumo de agrotóxicos por hectare e o Brasil aparece em primeiro lugar. Mas temos um investimento em fiscalização, em vigilância sanitária e epidemiológica, por exemplo, bem abaixo do necessário para o monitoramento necessário”, alerta.

A toxicologista explica que a Vigilância Epidemiológica, por exemplo, convive com a subnotificação de casos. “São situações como o não preenchimento dos campos corretos, indicando se foi uma exposição ocupacional por agrotóxico que causou a intoxicação”, salienta.

Além disso, acrescenta Karen, “muitos serviços de saúde sequer sabem que a notificação deve ser de casos suspeitos e acham que devem estabelecer um nexo causal, que é algo fora da realidade deles”.

Preocupação com os riscos dos agrotóxicos tem mais de meio século, mas Ministério da Saúde silencia

O governo brasileiro, contudo, sequer comenta a questão.

Para esta série de reportagens, por exemplo, o Diário de Goiás buscou do Ministério da Saúde respostas para fragilidades nacionais na implantação do programa de Vigilância em Saúde de Pessoas Expostas a Agrotóxicos. Vários estados brasileiros, como Goiás, que são grandes consumidores de agrotóxicos, não têm nenhuma cidade com esse programa funcionando. Porém nenhuma manifestação veio do ministério.

Clique e leia a reportagem que mostra o cenário do programa em Goiás e no resto do Brasil:

Goiás não tem nenhuma cidade com programa para populações expostas a agrotóxicos

Não se fala em proibir

Karen Friedrich propõe uma saída equilibrada para a questão. “Temos estudos científicos atualizados e suficientes para adotar medidas de prevenção melhores. Não é para a proibição dos agrotóxicos pura e simples, ou do dia para a noite. Ninguém quer isso”, sustenta.

Desse modo, segue defendendo o ponto de vista: “Falamos em uma redução, em produzir com produtos menos tóxicos, fazer menos aplicações. Em identificar antes a praga para depois usar os venenos. Escutando menos os fabricantes de agrotóxicos e mais a ciência brasileira”.

Comida analisada tinha glifosato

Os responsáveis pelo Atlas apresentaram resultado de análise de 24 produtos derivados de carne e leite e encontraram resíduos de agrotóxicos em 14. Entre eles, requeijão, empanados bem como carnes de frango e bovina.

O principal defensivo encontrado foi o glifosato – um herbicida bastante tóxico (informações alusivas à foto). Estava em 9 das 24 amostras. Os dados não chegam a ser novidade, contudo reforçam a necessidade sobre o monitoramento do assunto. São dados que mantém a preocupação com os riscos oferecidos pelos agrotóxicos acesa há mais de meio século, aponta a fundação alemã.

Isenções tributárias prejudicam

A toxicologista Karen faz eco aos dados da publicação que critica a perda de arrecadação por isenções tributárias no Brasil concedidas aos fabricantes de defensivos. Ela classifica como uma discrepância injusta de tratamento, “considerando que o SUS absorve o impacto e os custos dos problemas de saúde causados pelo uso indiscriminado ou incorreto de defensivos no Brasil”.

A estimativa da Abrasco é de uma perda total de R$ 12,9 bilhões de arrecadação, em 2021, para os estados e para a União, com os benefícios fiscais concedidos para a indústria de agrotóxicos.

Prejuízo maior às mulheres e crianças

O levantamento também aponta um recorte de gênero com relação à saúde. Bem como cita um quadro grave de impacto sobre as mulheres e também crianças.

O Atlas indica, por exemplo, registros de casos de abortos em função da exposição aos agrotóxicos. Além disso, bebês gerados com malformação fetal e/ou que apresentam puberdade precoce nos primeiros anos de vida. Também partos prematuros.

Leite materno contaminado

“Já foi encontrado resíduo de agrotóxico até mesmo no leite materno”, consta na publicação, a exemplo de outros estudos. Logo depois, os autores citam que os agrotóxicos também têm sido associados “a um risco aumentado de câncer de fígado e de mama, diabetes tipo 2, asma, alergia, obesidade, entre outros distúrbios endócrinos”.

A reportagem procurou o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para  Defesa Vegetal (Sindveg), com sede em São Paulo, para comentar o Atlas e o contexto de críticas e preocupação mundial com os riscos oferecidos pelos agrotóxicos, prevalente há meio século. Foi enviado e-mail, que não obteve resposta e feito contato por telefone em diferentes dias nas últimas semanas. Mas o número registrado no portal não completou as chamadas.

Diário de Goiás preparou série

Esta reportagem, sinalizando que a preocupação mundial com os riscos oferecidos pelos agrotóxicos tem mais de meio século e precisa ser mantida, é a quarta de uma série que o Diário de Goiás preparou. Em síntese, são reportagens especialmente para abordar as implicações do consumo de agrotóxicos em Goiás e no Brasil. Para a produção da série, foram consultados cientistas, pesquisadores de campo, produtores rurais e órgãos públicos, além de levado em conta o conteúdo de dezenas de publicações a respeito.

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Marília Assunção

Jornalista formada pela Universidade Federal de Goiás. Também formada em História pela Universidade Católica de Goiás e pós-graduada em Regulação Econômica de Mercados pela Universidade de Brasília. Repórter de diferentes áreas para os jornais O Popular e Estadão (correspondente). Prêmios de jornalismo: duas edições do Crea/GO, Embratel e Esso em categoria nacional.