As mulheres estão derrubando as barreiras e, com muito esforço, conquistando o mercado da mineração. Essa evolução pode ser acompanhada na Universidade Federal de Catalão (UFCat), a única a oferecer o curso de Engenharia de Minas em Goiás, um estado muito importante para o setor mineral.
Em 2012, 17 alunos concluíram o curso na instituição. Desses, somente 2 eram mulheres. Em 2017, ocorreu uma evolução e, dos 32 formandos, 11 eram mulheres.
Já em 2022, dos 23 alunos que concluíram o curso, 11 eram mulheres. Foi a primeira vez que o número de formandas foi equivalente ao de formandos. É o que mostra levantamento realizado pela Coordenação do curso a pedido do Diário de Goiás, e realizado no ciclo de cinco anos (duração do curso).
Mais dados a respeito serão divulgados na próxima reportagem do DG em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, consecutivamente na quarta e sexta-feira, (4 e 8).
A presença do curso de Engenharia de Minas em Catalão se destaca como uma resposta ao potencial da cidade. As jazidas de pirocloro locais tornam a região uma das maiores produtoras de nióbio do Brasil e, nessa mesma linha, do mundo.
De modo geral, o Estado de Goiás igualmente se destaca, neste sentido, entre os quatro maiores produtores minerais brasileiros. Possui, por exemplo, grandes jazidas de níquel, ouro, fosfato, bauxita, vermiculita, cobre e calcário, além de terras raras e do nióbio.
Apenas pelo mês de outubro de 2023, Goiás recebeu R$ 2,61 milhões de Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) – além disso, o valor mensal citado anteriormente, não inclui o repasse também aos municípios onde ocorre exploração mineral. A contribuição é repassada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) a estados e municípios onde acontece atvidade de mineração.
A ampliação da presença feminina no setor mineral se tornou objeto de avaliação anual de um movimento específico para isso, o Women in Mining Brasil (WIN Brasil, traduzido para Mulheres na Mineração no Brasil).
O movimento tem feito frequentemente uma análise da diversidade, equidade e inclusão (DEI) no setor mineral nacional, com a adesão das próprias mineradoras. Nesse sentido, a última reportagens do DG sobre o assunto vai apontar dados da avaliação.
Na sequência, estão abaixo depoimentos importantes sobre a realidade de egressas do curso. Sobre elas, chama a atenção que nenhuma venha de família onde já havia alguém formado em Engenharia de Minas.
A engenheira de minas Marília Santos, hoje com 34 anos, conta que foi uma das duas mulheres a se formarem na primeira turma do curso em Catalão, em 2012. Desde que formou, ela sempre trabalhou com planejamento de minas, desenvolvendo atividades de escritório e de campo.
Começou pela base, como engenheira júnior. Passou por empresas como a Anglo América lidando com nióbio e fosfato. Posteriormente pela Votorantim, com uma mina subterrânea de zinco. Logo depois também pela Anglo Gold e outras mineradoras, na extração de ouro.
Marília foi aprovada em 2021 na seleção da Vale do Rio Doce, onde atualmente é engenheira master na equipe de Diagnóstico e Suporte, ligada à Diretoria de Transformação Técnica da Mineração.
Suas atribuições, descreve ela, “estão ligadas ao fortalecimento de uma cultura de busca por excelência técnica, a partir do suporte proativo às equipes operacionais de planejamento da companhia, com visitas programadas às minas”. Ou seja, foi o que lhe trouxe flexibilidade de escolha sobre onde morar, independente de onde está a mina. Mas isso, para quem trabalha na mineração, é um grande privilégio, tendo em vista a rigidez relacionada à localização da atividade.
Contudo, nem sempre foi assim. Marília conta, em tom de arrependimento e superação, como foi desafiador se ajustar ao trabalho.
“No início foi muito difícil. Percebi uma mudança na minha forma de me apresentar, para jamais chamar a atenção. Chegou ao ponto de, um dia, quando eu era estagiária, depois que um colega elogiou meu perfume, eu parar de usar perfumes. Também parei de fazer a unha, não queria chamar a atenção e fui quase me masculinizando” – Marília Santos
Consolidada, entretanto, ela alerta que é preciso avançar muito mais para que o setor da mineração reduza a diferenciação de gênero que ainda é muito grande.
Por exemplo, na questão salarial. Enquanto as engenheiras sêniores e masters estabelecidas têm salários que podem variar de R$ 14 a R$ 20 mil, ao mesmo tempo, na base, as mulheres recebem bem menos.
“Com meu salário consigo bancar uma rede de apoio para meus filhos, mas uma mulher que trabalha na operação (não formada ou não contratada como engenheira) e que recebe R$ 3 mil, dificilmente consegue pagar esse suporte”, exemplifica.
Marília aponta, além disso, que conheceu experiências de etarismo, com a escolha de profissionais mais jovens porque elas não tinham filhos e que isso vale para as diferentes áreas do setor. Por esses motivos, Marília defende as políticas afirmativas para ampliar o acesso de mulheres na mineração como sendo um passo importante, mas não o único.
Já a engenheira de minas Giuliana de Oliveira Silva, 30 anos, é uma profissional empoderada sobre sua condição de mulher e negra em um ambiente ainda pouco familiarizado com isso.
Atualmente funcionária da Cmoc, de Catalão, Giuliana conta que desde criança sonhava em ser engenheira. Se tornou a primeira da família.
“Tenho uma postura que intimida outros por ser mulher e negra, mas eu não me deixei intimidar”, declara. Tanto é, que ela acompanha um programa de coaching sobre inclusão de mulheres na mineração, mas diz que evita a expectativa de políticas afirmativas como referência.
“Espero sempre ganhar promoções pela minha competência, não quero ser um número de RH” – Giuliana Oliveira
Giuliana é engenheira de operação de minas com foco em infraestrutura. Ela é mais uma que agrega o trabalho em escritório, lidando com softwares do setor, e a operação, onde acontece a movimentação pesada de máquinas e minérios.
Talita Ribeiro de Oliveira, atualmente trabalha para a Vale do Rio Doce, em Parauapebas, no Pará. Iniciou na profissão como treinee e passou por várias escalas de promoção (engenheira júnior, pleno e sênior).
A jovem conta, em tom divertido, que quando iniciou no curso, chegou a ser desmotivada por parentes que esperavam que ela fosse seguir a profissão do pai, que é dentista. Talita se formou há apenas quatro anos e se tornou engenheira sênior aos 27 anos. Agora está em regime híbrido, sem necessitar ser totalmente presencial na mina.
“Estudei minha vida toda em escola pública da zona rural de Cristalina, então minha noção de matemática era precária. O que pesou na escolha do curso foi o contato que a gente tinha com a mineração de cristal quando era criança”, explica Talita.
Hoje, consolidada, ela relata que se mantém vaidosa e feminina. Ao mesmo tempo, sabe que muitas mulheres nesse ramo encontram tantas barreiras que se penalizam por algo que não é culpa delas: a intimidação do olhar insinuante. “Chega ao ponto de algumas pegarem uniformes com numeração bem maior só para não marcar as curvas do corpo e assim não chamarem a atenção. Elas se masculinizam e isso é terrível”, frisa.
Segundo Talita, hoje os ambientes que frequenta têm passado por algumas mudanças. Uma delas é o aumento no número de vasos sanitários dentro dos banheiros femininos. “Eram várias mulheres e um único vaso. Hoje não, além disso, colocaram absorventes e até linha de costura no banheiro feminino para coisas como um decote incomodando”, exemplifica.
Porém, a falta de mulheres em postos de gerência ainda incomoda. “São poucas as chefes e gerentes. Ainda falta referência para nós, até nas feiras e palestras, onde geralmente são homens à frente, embora estejamos no mesmo patamar técnico e de pesquisas”, observa Talita.
Dáfne Letícia Florêncio, 29 anos, se formou em Engenharia de Minas em 2018 e já trabalhou em três lugares.
“Hoje não acho mais tão complicado para uma mulher entrar nesse mercado. É mais uma questão de perfil, ela acaba achando espaço. O mais difícil é se impor e ganhar respeito”, avalia Dáfne Letícia.
Dáfne era engenheira júnior do setor de filtragem de rejeitos na Vale do Rio Doce, em Itabira (MG). Hoje é engenheira plena da Cmoc em Catalão. Dáfne se casou com um colega do curso. Escolheu Engenharia de Minas por gostar de matemática.
Um pouco antes de conquistar seu espaço na profissão, Dáfne dava aulas para alunos do curso técnico de Mineração. Se sentia ainda mais próxima do perfil profissional e isso a estimulou a persistir até alcançar vagas na área para a qual se formou.
Algo que chama a atenção da engenheira Laura Olegário, 26 anos, é que elas avançam na profissão, mas, por outro lado, ainda pairam dúvidas sobre a capacidade das mulheres que trabalham na mineração.
“Não apenas quem é do ramo, vemos que profissionais de outras formações invalidam a capacidade das engenheiras de minas sempre que podem”, frisa Laura Olegário.
Laura começou trabalhando em uma mineradora no interior do Pará e hoje está na Cmoc, em Catalão, como engenheira plena. “Foi uma grande conquista. Sendo solteira, queria morar mais próximo da família”, afirma.
Antes de Engenharia de Minas, Laura fez o curso técnico em Mineração em uma sala com 50 alunos, dos quais apenas 10 mulheres. “Quando entrei na UFCat, em 2015, eram 50% mulheres na sala”, observa, comparando os dois cursos, que são afins.
Para ela, a existência de políticas afirmativas em várias mineradoras é um importante incentivo. “Por exemplo, conheço somente uma gerente, por enquanto”, aponta.
Filha de um mecânico e de uma lojista que não tinha nenhum parente com curso superior, Aline Rodrigues, 24 anos, trabalha desde que formou, há oito meses. De Catalão, foi para Paracatu (MG), onde atualmente atua como analista informações de planejamento na Kinross Gold.
Enquanto ainda não foi contratada na profissão na qual se formou, ela registra: “Estou rodeada de engenheiras de minas e geólogas”. Essa presença a torna uma jovem animada com as perspectivas para alguém que ingressou tão jovem no mercado.
Aline entrou na UFCat aos 17 anos, influenciada por um professor que falava muito sobre a profissão.
“Aí conheci uma aluna do curso que era da minha cidade (Patos/MG) e e estudava em Catalão. Vi que era possível e resolvi cursar também. Me encontrei na Engenharia de Minas”, celebra Aline Rodrigues.
Hoje ela conta que está mais segura no universo profissional, mas no início sofreu muito. “O mais difícil é controlar seu próprio medo, medo de falar, de participar das reuniões, de se expor e ser ridicularizada por ser mulher porque neste meio são muitos os homens de ego estufado e detentores da razão”, relata.
Mas Aline se inspira dos casos ao seu redor. Na empresa onde ela trabalha, uma das engenheiras de minas se tornou gestora, chefiando o planejamento de longo prazo da mineradora. Além dela, uma geóloga se destacou a ponto de ser levada pela empresa para trabalhar em Toronto, no Canadá.
Jaciany Mayara Batista Soares, 30 anos, concluiu o curso de Engenharia de Minas, mas não deixou a UFCat. Ela foi aprovada para uma bolsa de mestrado do CNPq para desenvolver rotas de processamento mineral para terras raras, um elemento em alta no mercado atualmente nas indústrias de componentes de celulares e de veículos elétricos, entre outros.
A bolsa tem um valor modesto, de R$ 1.300, mas isso não desestimula Jaciany de querer mais. Além disso, ela se prepara também para tentar o doutorado pesquisando sobre titânio.
Nascida de um pai pedreiro e uma mãe deficiente visual, a mestranda que estudou sempre em escola pública está cheia de esperança sobre o futuro que terá na profissão. Mãe de dois filhos, Jaciany conta que está encorajada pelas notícias sobre políticas afirmativas.
“Apesar do ambiente ainda machista, do assédio moral e sexual, foram ingressando muitas meninas (no curso). Dar oportunidade para mulheres é uma pauta para se discutir todos os dias. Nossos diferenciais positivos estão em destaque e as empresas estão amadurecendo”, avalia Jaciany.
A superação feminina precisou avançar até mesmo dentro da universidade. Quem viveu isso, por exemplo, foi Elenice Maria Schons, 43, que leciona para o curso de Engenharia de Minas desde 2007. Ela está na UFCat desde 2010. Até pouco tempo foi a coordenadora do curso.
Quando coordenadora, ouviu relatos de alunas que sofreram assédio moral de gênero por parte dos próprios professores.
“Uma estudante errou um cálculo e o professor disse que ela não servia para ser costureira ou limpar o chão, algo nunca dito para alunos homens, que eu saiba. Era um clima muito opressor”, descreve Elenice.
De acordo com ela, essa relação autoritária levava a um alto nível de retenção de estudantes no curso, além de frustração e abandono. Ao assumir, Elenice enfrentou resistência para reorganizar e criar mecanismos que contribuíam com a conclusão do curso, sem fugir das exigências estabelecidas pelo Ministério da Educação.
Mergulhada em um universo de docentes predominantemente masculino, a professora também experimentou situações constrangedoras no passado. Isso, independe de sua formação e capacidade. E não foi a única.
Elenice é formada em Química Industrial, mestre em Engenharia Mineral e Doutora em Engenharia Metalúrgica e de Minas pela UFMG e pela Clausthal University of Technology (Alemanha). Ela pesquisa o desenvolvimento de novos reagentes para flotação (separação de minérios), mais baratos e ecofriendly (ecológicos). Alguns baseados em frutos do Cerrado, como o pequi e a macaúba. Também estuda o emprego do sorgo na indústria mineral.
Mesmo tão qualificiada, ela conta: “A gente não se sente credibilizada. Por ser mulher, ouvi relatos de colegas frequentemente dizendo que necessitam provar o tempo todo que sabem o que estão falando ou fazendo. No meu caso, a resistência foi tamanha que chegaram ao ponto de desdizer e descumprir orientações que eu dava em determinado setor do curso quando eu coordenava”, acrescenta.
E quem negava essas ordens, lembra ela, eram os próprios professores homens. Mas Elenice não desistiu. “Os alunos me consultavam qual orientação deveriam seguir, e eu era taxativa avisando que se não fosse a minha eles teriam problema”.
O desrespeito profissional não era o único percalço. Para muito além dos discursos de inclusão e afirmação da mulher, ela relata que, ao engravidar, percebeu que era tratada como uma “culpada de algo errado”.
Contudo, destaca, havia uma prerrogativa para professoras que engravidavam. “As gestantes podiam escolher primeiro suas escalas numa planilha, mas na Engenharia de Minas eu marcava e depois as datas que eu escolhia nunca eram as confirmadas para mim”.
Conforme ela, quando questionava a respeito, algumas vezes a resposta vinha em gritos e afirmações do tipo: “O problema são os hormônios”. “Por isso pensei em desistir inúmeras vezes”, confessa ela, que é casada com um engenheiro de minas.
Elenice foi substituída na coordenação no ano passado pelo professor Erwin Francisco Tochtrop, único homem entrevistado neste especial do DG. Natural do Rio Grande do Sul, onde estudou, o coordenador salienta que ao se formar, há 35 anos, havia somente duas mulheres no curso de Engenharia de Minas.
“Hoje vemos aumento de alunas e um número de professoras equilibrado com o de homens lecionando no curso”, afirma, citando inicialmente a UFCat. Mas Erwin vê essa situação também em outras instituições onde leciona, como é o caso do curso no Tocantins. “Lá também é crescente o número de mulheres formadas em Engenharia de Minas”.
Sobre o mercado, especialmente nas mineradoras, ele enxerga que ainda é forte o preconceito em aceitar mulheres nas áreas de operação. Já no curso, garante que hoje “o tratamento é equânime entre alunas e alunos”.
Ele reconhece que faltam políticas afirmativas suficientes para absorver e estimular essa mão de obra, mas tem uma opinião que confere com a realidade das entrevistadas. “O mais importante é que, mesmo sem as ações afirmativas, elas estão ocupando o mercado”.
De novo, o coordenador cita a realidade do Tocantins, onde conhece uma mineradora de calcário com um número expressivo de engenheiras e outras profissionais do setor mineral.
Curiosamente, apesar do otimismo, ele frisa que este ano a entrada de homens no curso oferecido pela UFCat voltou a subir em relação à de mulheres. De 46 alunos aprovados, 12 são mulheres (25%). Por outro lado, ele salienta que a conclusão do curso é uma revelação mais importante que a entrada porque as mulheres persistem mais. Desse modo, salienta que a evasão de homens no transcorrer do curso geralmente é maior em contrapartida à das alunas.